Nos últimos dias, uma notícia rodou grupos de Whatsapp e perfis de executivos do agronegócio brasileiro no Linkedin. Os que receberam a notificação e clicaram no texto, gostaram do que leram.
A notícia em questão fala sobre uma decisão do Tribunal de Justiça de Goiás, que tirou uma Cédula de Produto Rural (CPR) em um caso de Recuperação Judicial no Estado.
No caso, o financiamento da produção de soja por meio de uma CPR física entre uma trading e um produto rural local era colocado como garantia real, num contrato de R$ 7 milhões e pouco mais de 47 mil sacas de soja de 60kg.
Quando o produtor pediu a RJ, a exclusão do crédito da CPR foi julgada como improcedente. Após recorrer, o TJ do estado entendeu que o crédito proveniente da CPR de Barter não se submeteria à RJ.
De acordo com alguns especialistas em direito no agronegócio ouvidos pelo AgFeed, a decisão jurídica foi bem recebida, pois cria um status de calmaria entre os produtores e as empresas que utilizam as CPRs nas transações comerciais.
“Uma decisão como essa, que já vimos em outros tribunais, traz uma segurança jurídica grande para o mercado, principalmente para quem dá o dinheiro e financia o agro”, afirmou Ricardo Stuber, sócio da TozziniFreire Advogados.
Desde quando a lei das recuperações judiciais foi alterada no final de 2020, foi previsto no texto que produtores rurais poderiam pedir recuperação judicial mesmo atuando como pessoas físicas (PF).
Para tal, bastaria comprovar, por meio do Livro Caixa Digital do Produtor Rural, que desempenham atividades no campo por, no mínimo, dois anos. Além dessa, a Nova Lei do Agro, promulgada em 2022, aprimorou os dispositivos da CPR. A decisão em Goiás fez valer os textos das duas legislações.
Renato Buranello, presidente do Instituto Brasileiro de Direito do Agronegócio (IBDA) e colunista do AgFeed, que participou da elaboração do texto da lei, disse que acredita que essa decisão do tribunal goiano e a consequente repercussão que o caso teve só “reforçam o que foi amplamente debatido com as entidades na proteção do crédito”.
Ele vê que esse cenário de mais segurança está sendo criado há algum tempo. Num primeiro momento, avalia que faltou clareza do acesso dos produtores à RJ.
Além dele, participaram da elaboração do texto alguns congressistas da FPA, um grupo de especialistas e instituições como a Aprosoja e a Abiove.
Stuber, da TozziniFreire Advogados, relembra que mesmo que os textos já previssem há anos os trâmites para inclusão dos produtores PF na lei das RJs e a exclusão de CPRs desse processo, nos últimos anos alguns tribunais estaduais tomavam decisões contrárias.
Ele acredita que isso aconteceu porque algumas decisões divergiam sobre se alguns ativos de produtores, mesmo não sendo bens de capitais, eram essenciais às atividades desse devedor.
Para os próximos meses, Juliana Regueira, responsável pelas áreas do agronegócio e contratual do VBD Advogados, acredita que novas decisões devem seguir o que foi promulgado pelo TJ de Goiás.
“Acredito que venhamos a ter novas decisões do tipo e que as decisões em sentido contrário serão revertidas. Estamos em um momento em que o crédito privado se consolida no agro como nunca e ter mecanismos claros do que está previsto favorece a todos”, afirma.
O momento da decisão também foi muito importante. Segundo Buranello, do IBDA, a safra 2023/2024 deve ser marcada pela elevação dos casos de recuperação judicial de produtores.
“Seguramente teremos muita RJ. As margens já estão apertadas e os efeitos do El Niño têm sido fortes”, diz. “As novas decisões devem caminhar no mesmo sentido, por isso a importância do precedente, que atesta a vontade da lei”.
Já em 2023, o fantasma das RJs deu as caras no setor. Segundo levantamento da Serasa Experian, publicado pelo AgFeed no início de dezembro passado, houve um aumento de até 300% no número de pedidos de proteção por parte de produtores nos nove primeiro meses do ano.
Outro ponto positivo na decisão é o local onde ocorreu. Ricardo Stuber pontua que as decisões jurídicas no agro que vêm do Centro-Oeste costumam ter força em outras regiões. “É difícil ter arbitragem nisso ou trazer para outro estado. Uma decisão de um tribunal que está ‘no meio do agro’ é super importante”, diz.
O timing ajuda, não só pela possibilidade de haver mais RJs, mas pela importância das CPRs no financiamento agrícola, acredita o sócio da TozziniFreire.
“Vemos que a CPR é o principal mecanismo de financiamento do agro hoje em dia. Em cima dela vem o CRA e o Fiagro, que é como o dinheiro chega para a Faria Lima”, completa. “Para o investidor, que muitas vezes financia isso e não tem conhecimento apropriado do setor, uma decisão como essa é essencial”.