Enfrentar um período de estiagem na região Norte é considerado “normal” por quem opera as hidrovias em rios como Madeira e Tapajós.
Este ano, porém, a seca chegou antes e volta a causar aumento nos custos para as tradings que exportam especialmente milho por estas rotas.
Os níveis dos rios que cortam os estados do Amazonas, Rondônia, Pará, Amapá e Maranhão, que integram o chamado Arco Norte, estão cada vez mais baixos.
Entre os principais portos do Arco Norte estão Santarém e Barcarena, no Pará, e Itacoatiara, no Amazonas. O volume destes portos, se somado ao Porto do Itaqui em São Luís, no Maranhão, alcançou no ano passado 57,4 milhões de toneladas.
Foram responsáveis por 41,6% da exportação de milho do Brasil e 33,6% dos embarques de soja. Os índices pluviométricos do rio Madeira, um dos principais corredores para o escoamento dos grãos produzidos no Mato Grosso, estão em níveis abaixo da faixa da normalidade para esse período do ano, segundo o 34º boletim de alerta hidrológico da Bacia do Amazonas, divulgado pelo Serviço Geológico do Brasil (SGB), ligado ao Ministério de Minas e Energia (MME).
Na região de Porto Velho, ponto mais crítico da região, os níveis são os mais baixos da história para esta época. O rio Madeira alcançou 1,95 metro, segundo o documento que considera dados de 23 de agosto.
O SGB destaca que a época é marcada pela estação seca em grande parte da Bacia do Amazonas.
Em entrevista ao AgFeed, o presidente da Associação Brasileira para o Desenvolvimento da Navegação Interior (Abani), Claudiomiro Carvalho Filho, estima que, na próxima semana, o rio Madeira deverá atingir níveis que dificultam ainda mais a navegação, resultando na paralisação das atividades fluviais na região.
“Atualmente, o Madeira tem calado na faixa de 2,40 metros. Isso já traz uma dificuldade para navegação no interior, principalmente, do transporte do agronegócio, que usa barcaças de 3,40 a 3,60 metros. Daí, já precisa trabalhar com uma redução de carga”, disse.
Carvalho explicou que, quando as embarcações trafegam com capacidade abaixo de 50%, é hora de parar. Duas importantes corretoras de grãos que atuam junto às principais tradings do País informaram ao AgFeed que no chamado Terminal de Novo Remanso, na região de Itacoatiara, onde operam ADM, Cofco e Bunge, as operações já foram paralisadas.
Já o executivo da Abani garante que operações são lentas, mas ainda ocorrem, porque companhias reduziram em 40% o volume carregado nas barcaças “até para aliviar o calado”. A paralisação ocorreria a partir da próxima semana. Carvalho estimou que cerca de 800 barcaças devem parar no período, retomando as operações apenas em novembro.
Nesse período, a maioria das empresas faz paradas para manutenção, com férias coletivas para os funcionários. Ele projeta que aproximadamente 2 milhões de toneladas de grãos deixarão de ser transportados durante a paralisação das embarcações por causa da seca nos rios do Arco Norte, o que pode gerar um impacto de R$ 200 milhões.
“Como cada empresa tem seu prejuízo, é o que dá para projetar para as operações do corredor”, acrescentou. Assim como o rio Madeira, que passa por Rondônia e Amazonas, o rio Tapajós, que tem boa parte de sua extensão no Pará, também enfrenta problemas com a forte estiagem.
De acordo com Carvalho, o nível do rio está em 3,87 metros e, atualmente, as barcaças navegam com 70% da capacidade. A Hidrovias do Brasil, que tem operações no rio Tapajós, vê o cenário de forte estiagem ainda mais desafiador do que o visto em 2023.
“Estamos minimizando ao máximo os impactos de uma eventual parada, como aconteceu no ano passado. Estamos com medidas no Tapajós, como plano de manutenção reprogramada”, afirmou o CEO da companhia, Fabio Schettino, durante o anúncio de resultados do segundo trimestre.
A estiagem preocupa, mais uma vez, o agronegócio. A Amaggi, uma das maiores empresas do setor no Brasil, tem operações no Porto de Itacoatiara, no Amazonas, que também recebe as barcaças que saem de Porto Velho.
A companhia transporta na rota cerca de 6 milhões de toneladas de grãos por ano, em cinco embarcações. Os principais destinos das cargas são China, Europa, Turquia e Tunísia.
A falta de chuvas na região ligou um alerta para o diretor de logística e operações da Amaggi, Claudinei Zenatti. Segundo ele, o nível dos rios mais baixo aumenta o tempo para transporte e, consequentemente, os custos.
Ao AgFeed, Zenatti disse que a empresa monitora a situação climática com atenção, principalmente no Arco Norte. Em linha com a Hidrovias do Brasil, ele acredita que a estiagem pode ser até mais severa este ano do que a vista no ano passado.
Diante disso, se o período de estiagem for prolongado, a produtora de grãos e fibras precisará reduzir a operação em Itacoatiara. "Vai gerar um impacto forte nas nossas operações”, afirmou o executivo. A Cargill, gigante global de commodities, também tem operações no Arco Norte.
Procurada pelo AgFeed, a companhia respondeu brevemente, por meio de nota, que como o evento climático ocorre todos os anos, a operação da companhia é preparada para esse período de menor volume de chuva.
Com isso, “as operações seguem normais para o que é esperado nesta época do ano”. No ano passado, as barcaças da ADM, que saem de Novo Remanso, andaram com 30 a 35% da capacidade total.
Com menos carga, o custo por tonelada de grão aumentou, principalmente, o milho. Com a seca, empresas são obrigadas a fazer mais viagens e gastam mais tempo para transportar a produção pelas barcaças.
“Como 80% do escoamento do milho safrinha do Centro-Oeste é feito pelo Porto de Santos e pelo Arco Norte, o aumento da dificuldade de escoar a produção impacta os custos, especialmente, do milho para exportação”, afirmou o sócio-proprietário da Agrinvest Commodities, Eduardo Vanin, em entrevista recente ao AgFeed.
A situação na região da Bacia do Rio Paraguai, no Pantanal, não é diferente. A Hidrovias opera no Corredor Sul e transportou menos carga entre abril e junho deste ano em comparação com o mesmo período de 2023, em meio às restrições de calado, observadas principalmente no tramo norte da Hidrovia Paraná-Paraguai.
Segundo o relatório do SGB, de 28 de agosto, todos os rios da Bacia estão com níveis abaixo do normal para o período do ano, exceto o Bela Vista do Norte, o São Jerônimo e o Coxim, que têm níveis dentro do esperado.
Além disso, projeções indicam que, nas próximas duas semanas, são esperados acumulados de chuva insignificantes “Vamos administrar essas intempéries no curto prazo. Estamos nos preparando e aprendemos com a última crise hídrica, no ano passado”, acrescentou Schettino, da Hidrovias.