Rubens Barbosa era embaixador do Brasil em Washington quando a capital política norte-americana e a capital financeira do mundo, Nova York, foram alvo dos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001.

Moldado por crises, o diplomata sabe muito bem o que falar (e o que não falar) em cenários de incertezas, como o enfrentado por ele, há 23 anos, e pelo mundo, nesta segunda-feira, 20 de janeiro, com a posse do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.

Com a experiência de comandar também a embaixada em Londres e duas grandes entidades do agronegócio, Barbosa avaliou, em entrevista ao AgFeed, que o cenário com Trump para a política agrícola global é de “muita incerteza e de várias hipóteses”.

O ponto primordial nas relações dos Estados Unidos passa pela China, que disputa com os Estados Unidos o posto de maior economia global.

Durante sua campanha presidencial, Trump anunciou ampliar as tarifas sobre produtos oriundos da China, repetindo a política exterior adotada durante seu primeiro mandato, há oito anos.

Naquela época quem se deu bem foi o Brasil. Em retaliação aos Estados Unidos, a China taxou em 50% a soja norte-americana e o Brasil abasteceu o gigante asiático.

As exportações daqui para os chineses saíram das previstas 72 milhões de toneladas, encerraram para 86 milhões de toneladas naquela época.

Com um excedente de 10 milhões de toneladas na atual safra 2024/2025, os brasileiros torcem para que o cenário se repita com Trump II e que o país desove esse estoque que só tem ajudado a pressionar os preços.

Mas Rubens Barbosa é cauteloso. Ex-presidente da Associação dos Países Produtores de Café e à frente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo) desde 2016, o diplomata avalia que é preciso primeiro saber qual atitude Trump terá com a China.

“Trump já anunciou que vai à China nos primeiros dias de governo. Ele pode, simplesmente, assinar um acordo comercial e manter tudo como está. Por isso, hoje, é tudo hipótese e nada concreto”, afirmou o ex-embaixador.

Barbosa lembra que 37% da soja brasileira vai para a China e o país oriental teria um fornecedor confiável por aqui, em um primeiro momento de guerra comercial com os Estados Unidos.

Mas os norte-americanos poderiam se incomodar com o aumento do fluxo entre Brasil e os orientais e descontar nos brasileiros a frustração com a perda de mercado.

“É tudo hipótese, ainda, mas do ponto de vista da relação entre Brasil e Estados Unidos, na parte do agro é capaz de ter alguma coisa. Como o Brasil é competidor dos Estados Unidos, não descarto alguma medida, como tarifar o agrobrasileiro caso aumente as importações da China”, explicou Barbosa.

Outro ponto sensível é o Porto de Chancay, no Peru. Construído pelos chineses, o porto é a aposta de brasileiros para, no futuro, escoar produtos pelo Oceano Pacífico para mercados orientais, em uma rota bem mais curta do que pelas atuais nos oceanos Atlântico e Índico.

“Se o porto aumentar ainda mais a competitividade brasileira no agronegócio, pode ter problema lá na frente, caso a China pare de comprar dos Estados Unidos e se concentre no Brasil”, afirmou o ex-embaixador.

Barbosa, no entanto, avalia ser difícil os Estados Unidos ampliarem as taxas de importação de produtos do agronegócio brasileiro.

Ele lembra que o fluxo comercial entre norte-americanos e os brasileiros registra um déficit para nós – ou seja, o Brasil gasta mais com importações do que recebe com exportações para aquele país.

Nesse cenário, o presidente da Abitrigo avalia que não deve haver qualquer alteração nas relações da cadeia tritícola com os Estados Unidos, um dos fornecedores do grão para o Brasil.

“Nós temos vários fornecedores e teríamos outros mercados como saída para buscar produto se houver algum problema futuro”, concluiu.