O Supremo Federal Federal (STF) deu um banho de água fria em entidades e advogados ligados ao agronegócio em vários estados brasileiros. Eles tinham expectativa de que a corte mantivesse válida uma liminar que proibia a cobrança, pelo Estado de Goiás, da contribuição para o Fundo Estadual de Infraestrutura (Fundeinfra).

Vista com preocupação por vários setores do agro, a taxa traz alívio ao caixa do governo do estado, que estima arrecadar cerca de R$ 700 milhões com a medida. Mas, segundo essas entidades, pode gerar aumento de preços de produtos agrícolas, comprometendo negócios e provocando até mesmo inflação.

O STF, no entanto, derrubou a liminar em seção realizada no final de abril. E frustrou a expectativa era de que, se mantivesse suspenso o fundo goiano, fosse possível barrar iniciativas semelhantes em outros estados para arrecadar impostos sobre o setor agropecuário.

Há hoje no Brasil pelo menos 16 estados que fazem uso de fundos setoriais para ampliar a arrecadação. Agora, com a decisão contrária, as chances de frear este movimento diminuem, dizem os especialistas.

Proposto pelo governador Ronaldo Caiado – curiosamente um dos mais ligados ao agronegócio -- o Fundeinfra foi aprovado pela Assembleia Legislativa de Goiás no final de 2022.

Sua cobrança foi suspensa em 4 de abril passado por decisão liminar do ministro Dias Toffoli, que acolheu ação movida pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) alegando a inconstitucionalidade do fundo.

A liminar foi posteriormente suspensa pelo STF por 7 votos a 3, decisão anunciada no dia 24 de abril.

Caiado (União Brasil), comemorou e, por meio de suas redes sociais, disse que a cobrança é essencial para reparar a perda de receita com ICMS acumulada nos últimos anos.

Segundo ele, os recursos serão investidos em obras de transporte e logística, que irão melhorar as condições de escoamento da produção do estado, beneficiando o agronegócio.

A contribuição para o Fundeinfra é de até 1,65% do ICMS sobre produção mineral, agroindustrial e agropecuária, com isenção para produtores de itens da cesta básica, leite e agricultores familiares que vendem direto para o consumidor.

A CNI, por meio de nota, reforçou que tem se empenhado a mostrar ao STF que a cobrança é inconstitucional e reforçou que a votação virtual que derrubou a liminar que proibia a cobrança em Goiás não vincula com um futuro julgamento do mérito da ação, cuja decisão em plenário ainda não tem data para acontecer.

A CNI defende a inconstitucionalidade da cobrança baseada no fato de se tratar de uma substituição tributária, que incide sobre operações de exportação e tem como destino dos recursos práticas que são vedadas pela Constituição.

Para o advogado tributarista Marcelo Guarita, coordenador do Comitê Tributário da Sociedade Rural Brasileira, os fundos estaduais oneram o setor.

Ele afirma que a cobrança – não apenas em Goiás, mas em outros estados como Mato Grosso - é inconstitucional e que deveria ser revogada de forma definitiva.

“Essa decisão foi sobre a manutenção ou não da liminar. Ainda acreditamos que o Supremo ao julgar o mérito desses fundos avalie sua inconstitucionalidade”, afirma.

Disputa antiga

O caso goiano não é o primeiro do gênero. Um dos mais antigos é o Fethab (Fundo Estadual de Transporte e Habitação), cobrado em Mato Grosso desde 2000 e que arrecadou R$ 3,6 bilhões em 2022 - o maior em termos de arrecadação do país.

Cobranças similares existem também nos estados de Mato Grosso do Sul, Pará, Tocantins, Rondônia, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Paraíba, Maranhão, Ceará, São Paulo e Rio de Janeiro.

Fernando Facury Scaff, professor de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e sócio do escritório Silveira, Athias, Soriano de Mello, Bentes, Lobato & Scaff Advogados, vê como principal impacto da decisão do STF um aumento de custos para o agronegócio, além de maior instabilidade jurídica.

“O governo de Goiás criou uma condicionante para que as empresas pudessem usufruir de incentivos fiscais que impõe a opção pela contribuição ao fundo. Mas, na prática, isso reduz incentivos fiscais e cria regras para reconhecer a imunidade tributária para exportações”, explica.

Segundo ele, seria preciso discutir o Convênio 42, que é a base de criação de todos os fundos. Ele foi criado em 2016 e autorizou estados e o Distrito Federal a condicionarem benefícios fiscais ao depósito de um percentual para fundos específicos, a maioria ligados a investimentos em infraestrutura e programas sociais.

O Fundeinfra, por exemplo, tem como destino de seus recursos logística e infraestrutura, explica o advogado Henrique Munia e Erbolato, da Santos Neto Advogados.

Segundo ele, a adesão pelos empresários do agronegócio ao fundo seria condição para ter benefícios fiscais com ICMS, pois quem não adere ao fundo, automaticamente, entra na cobrança total do imposto estadual.

“É esse ponto o principal argumento da CNI, que alega que essa adesão acaba tributando exportações, o que fere a Lei Kandir, violando a imunidade tributária nas exportações”, explica.

No entanto, diz Erbolato, o entendimento dos ministros do Supremo é de que se trata de uma cobrança não tributária, o que libera os estados para mantê-la ativa.

“Os argumentos que foram apresentados até agora ainda estão limitados e há mais precedentes favoráveis aos estados, permitindo que possam estruturar os fundos”, afirma.

No STF, apenas os ministros Roberto Barroso e André Mendonça acompanharam Dias Toffoli a favor da suspensão. Os demais ministros votaram a favor da manutenção da cobrança.

Na visão de Erbolato e de Scaff, não há consenso sobre o tema no STF devido ao histórico de decisões anteriores validando a existência de outros fundos estaduais.

Além disso, a tendência para que as análises das ações movidas até agora sejam fracionadas, enfraquece os argumentos para suspensão das cobranças, que acontecem há mais de uma década em outros estados.

Um exemplo é o Fethab, que já foi questionado pela Sociedade Rural Brasileira, em ação também recusada pelo STF.

Mais recentemente, outra ação direta de inconstitucionalidade (ADI) foi ajuizada pelo Partido Novo, que alega que a natureza tributária do Fethab não é realmente facultativa, com violação à segurança jurídica e livre concorrência, além da violação a imunidade tributária nas exportações – mesmo argumento usado pela CNI na ação contra o Fundeinfra.

Fernando Scaff menciona que, além das análises do Fundeinfra e da Fethab, é preciso acompanhar com atenção qual será a decisão do plenário do STF para a liminar da ADI 5.635, que tem o ministro Roberto Barroso como relator e que votou a favor da constitucionalidade do Fundo Estadual de Equilíbrio Fiscal (Feef), do Rio de Janeiro.

No Paraná, uma tentativa recente de criação de fundo semelhante foi barrada na Assembleia Legislativa após protesto do agronegócio local.

Ovos de ouro

A criação dos fundos tem sido uma tentativa dos estados de compensar perdas tributárias causadas pela Lei Complementar 194, que estabeleceu limite de 18% na alíquota para cobrança de ICMS sobre combustíveis e energia.

A Lei foi sancionada ano passado pelo governo federal como saída para conter a alta de preços, impulsionadas pelo cenário internacional, em especial o início da guerra entre Rússia e Ucrânia.

O agronegócio representa mais de 25% do PIB e, na visão dos especialistas, como inclui o setor primário, seus preços acabam norteando todo o resto da cadeia.

Por isso, Marcelo Guaritá, da SRB, vê nos fundos uma contribuição para gerar aumento de custo, com repasse para os demais elos da cadeia.

Henrique Erbolato lembra que há um efeito sistêmico do ponto de vista do cenário macroeconômico, em especial quando se compara o Brasil com concorrentes internacionais no comércio de produtos do agronegócio.

“O mundo não taxa exportações. Ao olhar para esse setor como oportunidade de ganhos tributários, estamos, na verdade, matando nossa galinha de ovos de ouro”.