Se em 2023 a queda do preço das commodities afetou o mercado de máquinas agrícolas, os impactos climáticos do El Niño devem segurar esse bastão em 2024, e contribuir para mais um ano desafiador para o setor.

Alguns especialistas e representantes do setor conversaram com o AgFeed nas últimas semanas e a percepção é unânime: 2024 será um ano ou de estabilidade ou de uma pequena queda nas vendas de máquinas.

Antonio Carrere, presidente da John Deere Brasil, foi um dos primeiros a dar essa percepção. Em um evento realizado em São Paulo em novembro, ele disse ao AgFeed que o momento é "bastante crítico" para o mercado de máquinas agrícolas no País.

"Provavelmente, sentiremos também estes impactos na indústria de máquinas no Brasil. Em 2023, já tivemos uma queda em relação a 2022, e acreditamos que 2024 será muito similar a este ano, ou teremos uma pequena queda", afirmou na ocasião.

As entidades do setor reverberam o coro. Na sua última coletiva do ano, a Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores), declarou que mesmo o custo de produção menor pode até dar mais apetite aos produtores, mas tudo irá depender do clima.

Alexandre Bernardes, vice-presidente da Anfavea e diretor de relações institucionais da Case IH, disse que a associação divulgará suas projeção em números no início do ano que vem, mas a tendência é que o mercado seja mais retraído em 2024 do que foi em 2023.

“2023 foi um ano marcado pela cautela entre os agricultores em função principalmente do clima adverso e da rentabilidade dos clientes”, disse em coletiva. “Temos uma pressão no preço das commodities para baixo, e os agricultores estão fortemente retraídos na captação para novos investimentos. Prevemos uma queda ainda maior na rentabilidade, com o custo de produção em relação aos insumos diminuindo um pouco mas ainda alto”, projetou.

Somado a isso, a Anfavea vê que essa redução do mercado de máquinas não se restringe aos veículos, e também afeta o setor de armazenagem e irrigação.

A Abimaq (Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos) calcula que o faturamento do setor de máquinas agrícolas caiu 20% frente ao ano de 2022, algo já esperado dado os aumentos expressivos nos dois últimos anos.

Em 2022, o faturamento foi de R$ 91 bilhões, uma elevação de 2% frente a 2021. O segmento cresceu 17% em 2020 ante 2019 e 48% em 2021 ante 2020.

Pedro Estevão, presidente da Câmara Setorial de Máquinas e Implementos Agrícolas da Abimaq e diretor de relações institucionais da Jacto, pontua que mesmo com a queda em 2023, o patamar ainda está acima da média histórica.

Ele explica que a queda em 2023 ocorreu por alguns motivos. O primeiro é a taxa elevada de juros, que tira o apetite de um investimento que geralmente é feito em longo prazo. Além disso, a própria queda no preço das commodities, que baixou a rentabilidade dos produtores, ajudou o cenário.

“Em 2024, o mercado deve ficar estável na comparação com esse ano. Não vejo gatilhos para euforia. O que ainda nos preocupa é se o El Niño for muito prejudicial para a colheita. Se a produtividade for muito abaixo do normal, o mercado pode retrair”, diz.

Para a Abimaq, o mercado de cana foi quem sustentou os resultados do segmento esse ano, avaliando a alta no preço do açúcar no mercado externo, algo contrário ao restante das culturas.

Outro recorte que foi resiliente, segundo Estevão, foi o segmento de máquinas pequenas, utilizadas na agricultura familiar. “Com o dinheiro do Pronaf entrando e juros de 5,5% ao ano, deu um fôlego a esse segmento”, disse.

Ricardo Jacomassi, sócio e economista-chefe da TCP Partners também projeta um ano “no zero a zero” em 2024 para o setor.

Nos cálculos da empresa, a venda de máquinas ficou, em unidades, em 56,4 mil em 2021, 67,3 mil em 2022 e deve encerrar 2023 em 55,2 mil. Para 2024, a projeção atual é de 59,6 mil máquinas vendidas, um acréscimo de 8%.

Ele contou que no início de 2023, a TCP projetava um avanço entre 0% e 0,5% na venda, mas que com o passar dos meses, revisitou os estudos para uma queda próxima a 20%. “O aumento do custo dos produtores, somado a uma taxa de juros mais alta e ruídos no meio político acabaram contaminando as decisões de aquisições”, pontuou.

Para 2024, o ligeiro aumento projetado pela companhia é baseado numa melhora das incertezas que prejudicaram 2023, bem como uma safra igual ou um pouco menor na temporada 2023/24.

“Para o produtor manter a produtividade ele vai precisar de máquinas novas”, diz.
Um ponto de atenção, segundo Ricardo Jacomassi, é que a capacidade de produção de máquinas agrícolas no Brasil, segundo suas estimativas, está entre 90 mil e 100 mil máquinas por ano.

Ele acredita que em 2024, é provável que a indústria continue com uma certa ociosidade na produção. Isso pode prejudicar fabricantes de peças, motores e pneus. “Eles terão de se adequar à essa realidade. Estamos preocupados com a capacidade financeira dessas empresas adjacentes, que vieram de uma produção inferior em 2023 frente a 2022 e que deve continuar no mesmo patamar”, afirma.

Assim como na visão da Abimaq, ponto positivo nesse meio para 2024 na visão da TCP será os tratores menores, de baixa e média potência. “Vejo uma inclinação do governo atual de favorecer a agricultura familiar e de pequeno porte, e isso favorece as vendas de tratores de baixa e média potência. Vejo esse setor em 2024 mais positivo que os demais”, finaliza.