Dos vegetarianos, passando pelos “marombeiros” e chegando aos consumidores das classes mais baixas, o ovo é um alimento central na mesa das famílias do Brasil. Em 2024, a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) estima que cada brasileiro consumiu, em média, 269 ovos no ano, um recorde e 11,2% acima do consumido em 2023.

Acontece que de janeiro para cá, a conta do supermercado tem ficado mais cara - e muito por conta justamente do ovo. Segundo dados do CEPEA/Esalq, os preços dos ovos subiram, em média, 70% em apenas um mês em todas as regiões pesquisadas.

Em Santa Maria de Jetibá (ES), uma das maiores produtoras de ovos do País, por exemplo, a caixa com 30 dúzias de ovos brancos atingiu R$ 236 na quarta-feira, 19 de fevereiro. A de ovos vermelhos,  R$ 276, o valor mais alto em todo o País. Há um mês, as cotações rondavam os R$ 123 e R$ 145, mostrando altas superiores aos 90% em trinta dias.

Na Grande São Paulo, região com a maior concentração populacional do País, o preço foi de R$ 128 para R$ 220 no mesmo intervalo.

Diante do aumento, todos buscam culpados. O mais recente foi apontado nesta quinta-feira, dia 20 de fevereiro, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante uma entrevista concedida à Rádio Tupi, do Rio de Janeiro.

O chefe do Poder Executivo mencionou que era um “absurdo” a cartela com 30 ovos vendida nos supermercados custar R$ 40.

Lula deu a entender que o motivo dos preços altos estava relacionado à exportação de ovos para fora do País, com os produtores replicando no mercado interno o mesmo preço praticado no exterior, em dólar.

"Os EUA viraram importador do ovo brasileiro. Estamos conversando com os empresários para que continuem exportando, mas não pode faltar para o povo brasileiro. Não se pode colocar o mesmo preço que você exporta”, disse Lula.

O presidente mencionou ainda que faria reuniões com atacadistas para pensar em alternativas para baixar o custo dos alimentos.

Apesar de o presidente ter mencionado as exportações, a quantidade de ovos embarcados pelo Brasil hoje é ínfima: apenas 0,9% de toda a produção nacional, que somente de janeiro a setembro do ano passado foi de 2,8 bilhões de dúzias, segundo dados do IBGE.

O número traz um aumento de 10,5% em relação ao mesmo período de 2023. Nesse intervalo, então, algo em torno de 300 milhões de dúzias de ovos foram vendidas para fora.

Em uma nota divulgada no início desta semana, o Cepea atribuiu a alta dos preços a uma baixa oferta no mercado interno e um aumento da demanda como fatores para elevação das cotações, que atingiram o maior patamar da série histórica do órgão.

“Com a oferta reduzida e o bom volume de vendas, os patamares devem permanecer elevados pelo menos até a quaresma, período em que, tradicionalmente, o consumo da proteína aumenta”, disse o Cepea.

A instituição de pesquisa ainda ressaltou que os embarques aumentaram em janeiro, mas que o número ainda é pequeno frente ao que fica dentro do País.

De acordo com dados da ABPA, as exportações brasileiras de ovos (in natura e processados) totalizaram 2,3 mil toneladas em janeiro.

O número supera em 22,1% o mesmo mês em 2023, e trouxe uma receita de US$ 4,1 milhões, alta de 22,8% em um ano. Por destino, Arábia Saudita, Serra Leoa e Estados Unidos foram os principais compradores.

“Houve uma ampla retomada dos fluxos de importação pelos Emirados Árabes Unidos nos últimos meses, que se somam à recente abertura do México e a demanda serra-leonesa tiveram significativa influência nas exportações de ovos de janeiro. São mercados que devem seguir demandantes ao longo deste ano”, avaliou o presidente da ABPA, Ricardo Santin, na nota.

A ABPA acredita que a alta nos preços dos ovos é sazonal, “comum ao período pré e durante a quaresma”. Neste ano, a quaresma, período em que alguns católicos não consomem carne bovina, durará de 5 de março até 17 de abril de 2025.

“A comercialização de ovos aqueceu pela demanda natural da época, quando há substituição de consumo de carnes vermelhas por proteínas brancas e por ovos.”, disse a associação.

Além disso, ressaltou que os custos de produção acumularam alta nos últimos oito meses, com elevação de 30% no preço do milho e de mais de 100% nos custos de insumos de embalagens.

“Ao mesmo tempo, as temperaturas em níveis históricos têm impacto direto na produtividade das aves, com reflexos na oferta de produtos. Mesmo com estes fatores, os produtores esperam que o mercado deverá se normalizar até o final do período da quaresma”, acrescentou a ABPA.

A instituição projeta uma produção de 59 bilhões de unidades de ovos em 2025, com um consumo per capita de 272 unidades anuais.

Na visão de André Galhardo, economista-chefe da consultoria Análise Econômica, a alta no preço dos ovos não se explica por só um elemento e sim pela junção de algumas hipóteses.

Ao AgFeed, Galhardo citou os casos de gripe aviária na Europa, que também chegaram aos EUA, como um fator preponderante.

“Mesmo tendo menos casos que no passado, essa gripe parece se espalhar mais rápido. Agora com os casos nos EUA, vemos um descontrole nos preços dos ovos por lá, o que acaba reverberando no mundo todo”, diz.

Outro aspecto diz respeito ao clima. As altas temperaturas registradas no início do ano por todo País afetam a produtividade das aves, o que reduz a oferta e eleva os custos de produção.

As galinhas são animais de sangue quente, com temperatura corporal constante. Quando ficam expostas ao calor, essas aves compensam o estresse térmico usando energia extra para regular a temperatura do corpo. De acordo com o Instituto Ovos Brasil (IOB), a produção de ovos por galinha pode cair em até 10% a depender do caso.

Outro fator que explica a alta dos preços é a alta do milho. Dados do Cepea mostram que a saca de 60 quilos está no maior patamar desde abril de 2023, beirando os R$ 80. Em um mês, a alta é de 8,36%.

Mas se o granjeiro veio de meses subsequentes de um preço mais baixo no cereal, no primeiro sinal de avanço o preço do produto final, neste caso o ovo, já sobe?

Galhardo, da Análise Econômica, faz um paralelo com os postos de combustíveis para explicar: “Do mesmo jeito que os postos aumentam o preço mesmo sem receber o combustível mais caro, as granjas já estão precificando os custos futuros. Como vão precisar de mais receita para comprar um novo estoque que ainda virá, aumentam o preço agora”, diz.

Apesar da alta, o preço do milho não deve subir mais. O analista de mercados agrícolas Vlamir Brandalizze ressalta que hoje o déficit global entre produção e consumo do cereal está em 26 milhões de toneladas, citando os dados do USDA. Por isso, em Chicago, o bushel se mantém num patamar acima dos US$ 5.

“Aqui dentro temos um alerta porque o mercado terá colheita acelerada da safra de verão e muito milho vai chegar ao mercado em breve. Estimo cerca de 12 milhões de toneladas da primeira safra nas próximas semanas para abastecer a indústria de ração. Isso pode dar uma ‘acalmada’ no mercado doméstico”, afirmou Brandalizze.

Na B3, a saca chegou próxima dos R$ 82 nos contratos com vencimento em março, mas segundo o analista, está “patinando”. “É sinal de que têm pouco fôlego para manter a tendência de alta. Talvez seja hora daqueles produtores que precisam de caixa tomarem posições”, acrescentou Brandalizze.

Para Enilson Nogueira, analista da consultoria Céleres, a sazonalidade e o preço do milho são os principais fatores para a alta do preço do ovo.

“Historicamente, fevereiro e março são os meses com preços mais altos no mercado para o consumidor final”, disse ao AgFeed.
Diferente dos últimos dois anos, o milho mais elevado no custo pesa no preço final, segundo Nogueira.

“As outras carnes também ficaram mais caras e com isso a demanda por ovo sobe, junto do preço. Sou crítico em colocar a exportação como guarda-chuva de todos os problemas de inflação de alimentos no País”, acrescentou o analista da Céleres.

Segundo Nogueira, os preços altos devem continuar em março. O gatilho para diminuição no preço será a colheita da segunda-safra, que colocará mais milho no mercado.

Por fim, o comportamento do consumidor também bate no preço. Mais do que a quaresma, que já teve mais apelo em outras épocas de um Brasil mais católico e com menor presença de evangélicos, que não possuem os mesmos costumes, o preço elevado de outros alimentos pressiona os ovos.

“A população é muito rápida na migração. Quando houve, no pós-pandemia, o salto no preço de algumas carnes, os balanços de empresas que vendem massas como macarrão veio com números em alta. O consumidor, ao perceber que não consegue comprar carne, migra para o ovo”, afirma André Galhardo.

Não é só o ovo que tem incomodado na hora do supermercado. Nas últimas divulgações de inflação do IBGE, o preço dos alimentos como um todo continuou em alta.

Em janeiro, o grupo Alimentação e Bebidas teve a segunda maior alta (0,96%) de preços, com um impacto de 0,21 ponto percentual na inflação do mês, que ficou em 0,16%. Olhando na vírgula, aves e ovos registraram alta de 1,69% no preço em janeiro.

O peso do ovo no IPCA é de 0,24%, patamar que, segundo Galhardo, “não é desprezível”.

Diante de uma queda de popularidade vista em pesquisas de opinião, o presidente Lula pode ter feito a declaração mais cedo de forma a demonstrar a ausência de culpa do Governo Federal nesse aumento, que pesa sobre as classes mais baixas.

O ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, declarou recentemente que o presidente pediu que o novo Plano Safra estimule a produção agropecuária para diminuir justamente o preço dos alimentos.

“O presidente determinou que a gente comece a discutir medidas de estímulo, um novo Plano Safra que estimule mais os alimentos na mesa da população. Além disso, levar mais tecnologia para os pequenos produtores para que eles possam aumentar a produtividade e, com isso, conter a inflação dos alimentos“, disse Fávaro no final de janeiro.