O embate entre produtores rurais e as indústrias esmagadoras sobre a “moratória da soja” teve hoje mais um capítulo – que pode ser decisivo.
Após alguns dias de espera, o governador de Mato Grosso Mauro Mendes aprovou a lei 12.709/2024, que foi publicada no Diário Oficial.
A nova legislação estabelece o fim de incentivos fiscais e concessão de terrenos públicos para empresas que “participem de acordos, tratados ou quaisquer outras formas de compromissos, nacionais e/ou internacionais, que imponham restrições à expansão da atividade agropecuária em áreas não protegidas por legislação ambiental específica, sob qualquer forma de organização ou finalidade alegada”.
Trata-se de uma vitória para a Associação dos Produtores de Soja de Mato Grosso (Aprosoja-MT), que durante meses defendeu a aprovação da lei junto à Assembleia Legislativa do estado e agora também teve o apoio do governador.
Na prática, os produtores se sentem lesados ao serem excluídos da possibilidade de venda da soja às principais tradings internacionais, que aderiram ao acordo chamado de “moratória da soja”, firmado em 2006.
A partir dali, as empresas signatárias ficaram proibidas de adquirir soja de propriedades que tivessem desmatado alguma área depois de 2008.
A Aprosoja-MT alegou que o Código Florestal brasileiro permite que, ao adquirir uma fazenda, o produtor ainda possa desmatar 20% da área para desenvolver suas atividades. Os outros 80%, obrigatoriamente, precisam ser mantidos com vegetação nativa, na chamada reserva legal. Dessa forma, as empresas estariam exigindo algo diferente do que prevê a legislação brasileira.
Esta semana, o pleito dos produtores teve apoio até mesmo do ministro da Agricultura Carlos Fávaro, que declarou, durante evento em São Paulo, que as empresas "foram mais legais que a lei".
“As empresas que insistirem na moratória perderão os incentivos fiscais, mas Isso também gerará uma concorrência caso empresas que não queiram praticar a moratória sejam atraídas para se instalar no estado”, afirmou Lucas Beber, presidente da Aprosoja-MT, em vídeo publicado nas redes sociais.
No fim da tarde desta sexta-feira, a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (ABIOVE), que representa as empresas que compram a soja dos produtores, divulgou uma nota sobre a lei que foi sancionada.
Segundo a entidade, “a lei pode representar um risco à reputação do País como um produtor sustentável”.
O texto destaca que “até 2006, a soja era apontada como principal vetor de desmatamento da Amazônia”. O acordo foi criado, segundo a Abiove, porque os clientes do mercado europeu e entidades da sociedade civil exigiam ações concretas dos exportadores brasileiros.
“Para não perder esse mercado, até hoje responsável por cerca de 50% das exportações de farelo de soja brasileiro, surgiu a moratória, desenvolvida em conjunto com a Sociedade Civil e o Governo brasileiro. A medida foi tomada para garantir que a soja cultivada, processada e exportada fosse livre de desmatamento, tendo como referência julho de 2008 (data da publicação do Código Florestal)”, lembrou a entidade.
A Abiove também destacou números sobre o crescimento econômico da região. “Entre as safras 2006/07 e 2022/23, a área ocupada com soja no bioma Amazônia passou de 1,41 milhão de hectares para 7,43 milhões, respectivamente (+420%), com uma parcela residual de apenas 250 mil hectares associada a desflorestamentos ocorridos após 2008”.
Na visão das indústrias, “estes números são um indicativo de que a moratória não impediu ou limitou a expansão da soja no bioma, mas favorece seu desenvolvimento sem a conversão de floresta primária”.
A nota também menciona que “as exportações de soja oriunda do bioma Amazônia aumentaram de 3 milhões para 18,5 milhões de toneladas (+516%), enquanto as exportações totais do Brasil cresceram 224% no mesmo período”.
Em entrevista ao Canal Rural Mato Grosso, o diretor da Abiove André Nassar afirmou que, com a sanção, as esmagadoras de soja e as indústrias de biodiesel ligadas a óleos vegetais perderão cerca de R$ 1,5 bilhão. Ele afirmou que poderia haver repasse ao preço de venda do produto ou mesmo uma redução no valor pago aos produtores.
"A moratória cria desigualdade entre municípios, prejudicando os que ainda têm áreas aptas para desmatamento dentro do Código Florestal e que poderiam desenvolver a produção de soja, impulsionando a economia do estado", disse Lucas Beber, em entrevista recente ao AgFeed.
Sobre esse aspecto, a nota da Abiove diz que que “a moratória, sendo uma iniciativa multissetorial (não individual), não promove desequilíbrio, mas, ao contrário, viabiliza a competitividade do produto nacional estimulando o crescimento da produção”.
O texto termina com o seguinte alerta: “a nova lei pode afetar a competitividade no mercado internacional, algo que será negativo para a cadeia produtiva, a começar pelos produtores, impactando também a própria economia do estado”.f