O crescimento expressivo da pecuária brasileira nas últimas décadas foi acompanhado de fortes investimento em sanidade.

Duas vezes por ano, dependendo da região, o rebanho bovino, por exemplo, era vacinado contra a febre aftosa, doença que apesar de não afetar o ser humano, quando constatada, criava prejuízos gigantescos do ponto de vista comercial.

E não era apenas o momento de evitar a aftosa. Na aplicação da vacina, a maior parte dos produtores aproveitava para imunizar os animais em relação a outras enfermidades.

Do ponto de vista da indústria de saúde animal, era um faturamento certo, com data marcada, que crescia a medida que a pecuária ficava mais profissionalizada e o Brasil aumentava as exportações de carne.

O cenário atual, porém, traz mudanças importantes. O principal é deles é que, aos poucos, o Brasil foi suspendendo a vacinação contra a aftosa em determinadas regiões para conseguir o reconhecimento mundial de área livre da doença “sem vacinação”. É uma condição que abria mercados que antes não poderiam ser acessados, como o Japão.

O fim da vacina começou pela região Sul, com Santa Catarina e Rio Grande do Sul e foi avançando. No início de 2024 foi realizada a última campanha em território brasileiro, quando foram vacinados os animais dos estados do Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas e parte do Amazonas.

Outros vacinaram pela última vez em 2023 e o restante já possuía o status de livre de vacinação há mais tempo.

Atualmente, no Brasil, somente os estados de Santa Catarina, Paraná, Rio Grande do Sul, Acre, Rondônia e partes do Amazonas e do Mato Grosso têm o reconhecimento internacional de zona livre de febre aftosa sem vacinação pela Organização Mundial de Saúde Animal. Agora, o governo federal está pleiteando a condição internacional para todo o País.

O problema é que a mudança benéfica para os exportadores de carne trouxe queda de receita para a indústria de saúde animal.

O Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Saúde Animal (Sindan) calcula que as empresas deixaram de faturar entre R$ 400 milhões e R$ 500 milhões por ano em função de não ser permitido vender mais vacinas de aftosa.

O valor representa 4% do faturamento total da indústria, estimado em R$ 10 bilhões. Mas se considerado apenas a receita com ruminantes, o impacto é de 7%.

“Enfrentamos uma tempestade perfeita, com a retirada da vacina, uma certa instabilidade no campo e também uma instabilidade política, além de menores preços para os bovinos”, afirmou o vice-presidente executivo do Sindan, Emílio Salani, em entrevista ao AgFeed.

Segundo ele, o mercado que chegou a trabalhar com valores acima de R$ 10 por kg de boi vivo nos últimos 10 anos, no início de 2024 estava em R$ 6, o que desestimulava investimentos por parte do pecuarista.

“Agora nós já estamos bem perto de R$10,00 novamente. Só que isso demorou. O primeiro semestre e uma parte do segundo semestre passaram e a gente praticando preços abaixo disso”, disse.

A situação preocupa porque agora a indústria depende da “espontaneidade”. Não há mais aquela visita compulsória às lojas para comprar vacina.

Salani diz que o setor também foi surpreendido este ano com a antecipação da vacina que sempre ocorreu em maio para abril. O motivo foi o desejo do Ministério da Agricultura de já pleitear o status de livre sem vacina para o País inteiro. A Organização Mundial de Saúde Animal (OMSA) só considera se há 12 meses não houver vacina. O anúncio é esperado para maio de 2025. Caso ela tivesse sido aplicada em maio de 25, seriam apenas 11 meses até lá.

“Era para ter 125 milhões de doses comercializadas durante todo o ano de 2024, suprimiu-se a campanha de novembro e a campanha de maio (que ocorreu em abril) ficou no volume de 80 milhões de doses”, conta.

Animais de companhia já superam aves e suínos

A revolução no mercado de vacinas de febre aftosa não foi a única mudança que a indústria do setor de saúde animal teve que enfrentar nos últimos anos. Mas o outro lado da moeda é positivo. Trata-se do crescimento expressivo na venda de produtos da linha “pet” ou para animais de companhia, como chama o Sindan, especialmente na pandemia.

O faturamento total do setor subiu de R$ 9,1 bilhões em 2021 para R$ 10,3 bilhões no ano seguinte. Em 2023 subiu mais um pouco, chegando a R$ 10,8 bilhões.

“Este ano nós trabalhamos com um crescimento de pelo menos 5%”, afirmou Salani.

Apesar de ser um resultado positivo, se a previsão se confirmar, ficará bem abaixo da média de 10% ao ano de crescimento que havia sido registrada na última década.

O diretor avalia que a perda financeira da aftosa já vinha sendo planejada há anos pelas indústrias. Os grupos focaram no desenvolvimento de outros produtos, com mais tecnologia, para melhorar a produtividade.

“Aves e suínos vêm bem estável, bem robusto. O solavanco já veio. Então esse é um patamar (5% de alta) aceitável e atingível”, avalia.

O segmento pet já não cresce tão forte quanto ocorreu na pandemia, mas ainda assim deve seguir avançando, na avaliação da entidade.

E é fato que esta linha agora pesa muito mais nos resultados. Em 2013 os produtos para bovinos representavam 56% da receita da indústria. Hoje representam 49% do mercado. No mesmo período, os animais de companhia subiram de 15% para 26%.

Uma das curiosidades do mercado é o fato de aves e suínos juntos já representarem menos do que animais de companhia no mercado. O Brasil é líder na exportação de aves e um dos maiores também em suínos.

No ano passado, aves e suínos juntos geraram uma receita de R$ 2,4 bilhões, enquanto cães e gatos responderam por R$ 2,8 bilhões.

Para 2025, Emilio Salani também se diz otimista, mesmo sendo o primeiro ano de “zero vacina” vendida no mercado.

“Óbvio que vai ser uma tarefa de casa muito grande. Seguiremos buscando produtos com praticidade, seguros, produtos verdes, com performance de produção. A gente tem esse desafio, mas nós vamos estar guiados pelo outro lado do mercado do boi, que é preço e estabilidade”, diz.

Na pecuária a expectativa é de preços mais firmes à medida que há uma forte migração para a produção agrícola e uma tendência de abater animais cada vez mais jovens, o chamado “boi China”.

“Você tem hoje um pecuarista fornecendo medicações juntamente com sal mineral, junto com rações, junto com proteínas, com DDGs, pra complementar as pastagens, adubando pastagens, fazendo terminação intensiva a pasto, fazendo o semi-confinamento. E a indústria vai em cima colocando tônicos energéticos, fortificantes, vacinas polivalentes, entre outros produtos”, explicou.

Em paralelo, o setor conta com o crescimento da piscicultura, por exemplo, que poderá demandar mais insumos. “Já se fala muito em tecnologias para a vacinação de tilápias”.

Na visão do dirigente, não chega a ser uma reinvenção, mas a indústria está ficando segura para investir mais no desenvolvimento das novas soluções e dos novos mercados, movimento que é favorecido pela consolidação, onde poucos grupos passam a dominar o segmento.