A China anda de mãos dadas com os produtores rurais brasileiros há bastante tempo. Para abastecer a segunda maior população do mundo, o gigante asiático já se tornou um grande comprador da soja, da carne, do milho e de outros produtos brasileiros.
Agora, pode estar chegando a vez de um grão que o Brasil e o brasileiro conhecem muito bem - o café. Segundo dados do Cecafé, de janeiro até maio de 2022 o Brasil vendeu 140,2 mil sacas de café para os chineses. Nesse mesmo intervalo em 2023, vendeu 281 mil sacas, um aumento de mais de 99%.
O movimento é crescente. Para se dar uma dimensão, no ano completo de 2022, foram exportadas 390,8 mil sacas para a China. Ou seja, em cinco meses deste ano o Brasil já vendeu o equivalente a 72% do total do ano passado.
Se a proporção cresce rápido, o volume ainda é pequeno, principalmente se considerarmos as dimensões que costumam ter os negócios do agro brasileiro com a China. Atualmente, o país asiático é apenas o 14º país no ranking dos compradores de café brasileiro.
De qualquer forma, o gostinho de ter o consumidor chinês mais próximo já animou os exportadores. Em entrevista ao AgFeed, o diretor geral do Cecafé, Marcos Matos, destacou que vê a China integrando o top 10 de países que mais compram nosso café entre o final deste ano e o ano que vem.
Antes da pandemia de Covid-19, em 2019, o Brasil exportava algo em torno de 170 mil sacas de café para a China, um número quatro vezes menor do que o atual.
Segundo Matos, esse aumento no consumo do café por lá se deve principalmente pela população chinesa de perfil jovem e que atua no ambiente corporativo.
“O café é um símbolo cultural. As pessoas entram em uma cafeteria para se sentirem globalizadas. Para nós, isso gera muitas oportunidades, e aumentar 100% [as exportações para a China] numa época em que reduzimos as exportações gerais é um ótimo sinal”, afirma Marcos Matos.
O Brasil é o maior produtor e exportador mundial desse produto. Em 2022, por exemplo, vendeu cerca de 2,2 milhões de toneladas, o equivalente a 39,4 milhões de sacas de café, com embarques para 145 países. A exportação do produto e de seus derivados atingiu US$ 9,2 bilhões no ano passado.
Além de produtor, o país é o segundo maior consumidor da bebida, ficando atrás apenas dos Estados Unidos.
Mesmo com 1,4 bilhão de habitantes, a China ainda não desponta com destaque nessa lista. Por isso, Haroldo Bonfá, analista de mercado e diretor da consultoria Pharos Commodities Risk Management, é um pouco mais cético em relação a termos a China como um grande consumidor do café brasileiro.
Ele cita que, para além da questão cultural do país ser um consumidor histórico de chá, o baixo poder de compra da população não torna a situação palatável.
“É o sonho de qualquer empresário do café ver o chinês tomar uma xícara por dia. O mundo quebraria, não teria café suficiente para atender essa demanda de um terço do mundo”, afirma. “Porém, eles têm uma noção forte de que café é estimulante, que é coisa de rico, e gostoso, a questão é que eles não podem comprar”, completou.
A saída para atender mercados como o chinês e o indiano, também com população grande mas de hábitos distintos e baixo poder aquisitivo, seria, segundo o analista, o café solúvel. Para ele, além de mais barato na hora da produção por dose, por ser mais fácil de preparar o produto pode ajudar a trazer o hábito de consumo para essas regiões.
Dados da Abics (Associação Brasileira da Indústria de Café Solúvel) solicitados pelo AgFeed mostram que de 2021 para 2022 houve um aumento de 150% nas exportações de café solúvel para a China, com o montante passando de 135 toneladas para 336 toneladas.
No acumulado do ano até junho, já são 100 toneladas de café solúvel exportado. Matos, que é mais otimista com a China comprando o café brasileiro, concorda que o café solúvel é o ponto de entrada para esse mercado, assim como foi com o Japão e a Coreia do Sul anos atrás.
“O café solúvel é o que chega primeiro e abre o mercado. Quando a população conhece o café, começa a ter mais curiosidade e vai atrás do café moído, torrado e passa a consumir o café do tipo arábica”, avalia o diretor do Cecafé.
Exportações brasileiras no primeiro semestre
Se por um lado a China dobrou as importações do café brasileiro até junho, dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex), mostraram que no acumulado dos primeiros seis meses deste ano o volume embarcado total de café brasileiro registrou queda de 18,5% na comparação com o primeiro semestre do ano passado, totalizando 15,3 milhões de sacas de 60 quilos.
Nesse período, em 2022, haviam sido comercializadas 18,8 milhões de sacas para fora do Brasil.
Já a receita cambial recuou 25,9% entre os dois períodos, de US$ 4,9 bilhões em 2022, para US$ 3,6 bilhões no primeiro semestre deste ano.
Para além do volume maior, houve uma queda no preço de um ano para cá. Segundo a cotação monitorada pelo Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), enquanto a saca do café tipo arábica era cotada a cerca de R$ 1,4 mil no final do primeiro semestre do ano passado, agora essa mesma quantidade está em R$ 800, 42% menor.
Na avaliação de Haroldo Bonfá, houve uma grande preocupação no mundo de embarque de café. Segundo ele, os preços altos dos contratos de café nas bolsas externas, principalmente em Nova Iorque, limitou as vendas. “Esses preços causaram um consumo dos estoques”, comentou.
Para se ter uma ideia, o contrato mais negociado da commodity em NY beirou os US$ 190 em março deste ano. Atualmente, está na faixa dos US$ 150.
Apesar disso, na visão do mercado, as exportações do café brasileiro devem ser bem maiores a partir de agora, no segundo semestre, com o início da colheita, e devem encerrar o ano com mais vendas para fora do Brasil do que em 2022.
O USDA, Departamento de Agricultura dos EUA, espera que o Brasil produza 66,4 milhões de sacas de 60 kg, 3,8 milhões de sacas a mais do que na última temporada. As exportações devem ficar em 45,3 milhões de sacas na visão da instituição.
A safra do café do tipo arábica foi projetada em 44,7 milhões de sacas, 12% maior do que no ano safra 2022/23. O órgão espera um clima favorável nas regiões de cultivo.
Já em relação ao café do tipo robusta, o órgão americano projeta 21,7 milhões de sacas, um número 5% menor na comparação anual por problemas de produtividade no Espírito Santo.
Para o analista Haroldo Bonfá, uma conjuntura macroeconômica favorável em países compradores do nosso café pode ajudar essas previsões a se concretizarem.
Segundo ele, uma situação de controle da inflação tanto nos EUA quanto na Europa pode aumentar o poder de compra dessas populações, que por consequência, pode aumentar o consumo de café.
“É importante lembrar que o consumo de café é mundialmente crescente. Mesmo com grandes crises econômicas, o consumo sempre foi crescente”, afirmou.