A cada dia que se passa depois do polêmico pronunciamento do CEO do Carrefour na semana passada, um novo player brasileiro entra em ação nas trincheiras.
Depois de uma série de entidades setoriais engrossarem o coro pedindo retaliação por parte de Alexandre Bompard, a semana já começou com o ministro Carlos Fávaro e o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, reforçando a presença do poder público no debate.
Lira publicou em suas redes sociais uma posição também defendida por ele durante o evento CNC Global Voices 2024, onde o deputado falou para uma plateia de empresários.
O presidente da Câmara cobrou retratação pública do CEO do Carrefour e prometeu pautar um projeto de lei de “reciprocidade econômica” na casa legislativa, nos próximos dias.
“Nos incomoda muito o protecionismo europeu, principalmente da França com o Brasil. E deverá ter nesta semana, por parte do Congresso Nacional, em sua pauta, a lei da reciprocidade econômica entre os países”, afirmou no evento.
A perspectiva é que Lira converse com os líderes de partidos na Câmara sobre o projeto de lei (PL) 1.406, de maio deste ano, assinado por Tião Medeiros, do PP do Paraná, Alexandre Guimarães, do MDB do Tocantins, e Daniela Reinehr, do PL de Santa Catarina.
No texto, a PL propõe que o governo só faça novos acordos comerciais com países com “regras ambientais parecidas”. A proposta permite ao Brasil não aceitar acordos comerciais que “possam representar restrições discriminatórias ao comércio internacional de produtos brasileiros”.
Além deste projeto, a senadora e ex-ministra da agricultura, Tereza Cristina, também é relatora de um texto parecido.
Mesmo com os ânimos aflorados nos últimos dias, Rafael Gaspar, sócio da Pinheiro Neto Advogados atuante na área de agro, não acredita que o embate atrapalhe as relações comerciais de longo prazo entre os dois países.
Ele avalia que o setor brasileiro decidiu subir o tom da discussão para compensar forças, porque “quando só um lado faz barulho, o risco é que ele saia vencedor”.
“Os argumentos franceses de que o Brasil não atende normas sanitárias e questionando a qualidade de nossos produtos refletem um momento político de maior protecionismo no mundo, e carecem de embasamento – tanto que o agro brasileiro exporta para praticamente todos os países”, afirmou Gaspar.
Ele ainda afirma que mesmo se o acordo entre UE e Mercosul for aprovado, será benéfico para ambos os lados, com esses impactos positivos se dando no médio e longo prazo. “Não é algo que vá revolucionar o setor agro brasileiro de uma hora para outra”.
Indústria de frango e suínos deve aderir ao boicote
Depois da crise instaurada semana passada, onde o Carrefour até tentou se justificar ao reforçar que a restrição de compras de carne do Mercosul só seria feita nas lojas francesas, players brasileiros iniciaram uma retaliação dentro de casa.
Grandes empresas do setor como JBS, Marfrig e Minerva admitiram ter interrompido a entregas de carne ao Carrefour. Um levantamento feito pelo jornal Estadão indicou que 150 lojas do Carrefour já estão com problemas de abastecimento.
A multinacional admite “impactos” para seus clientes, mas nega desabastecimento. Em nota divulgada nesta segunda-feira, o Carrefour diz que “infelizmente, a decisão pela suspensão do fornecimento de carne impacta nossos clientes, especialmente aqueles que confiam em nós para abastecer suas casas com produtos de qualidade e responsabilidade”.
A nota prossegue: “Estamos em diálogo constante na busca de soluções que viabilizem a retomada do abastecimento de carne nas nossas lojas o mais rápido possível, respeitando os compromissos que temos com nossos mais de 130 mil colaboradores e com milhões de clientes em todo o Brasil".
O boicote às lojas brasileiras da rede francesa ainda deve se estender para outras marcas do grupo, como Atacadão.
O movimento iniciado pelo setor de proteína bovina pode ganhar novos aliados no frango e nos suínos. Segundo uma reportagem do site Globo Rural, cooperativas e grandes frigoríficos produtores dessas proteínas também suspenderam seu fornecimento de carnes para o Carrefour no Brasil.
O texto diz que companhias como BRF, Seara e Aurora, além de cooperativas da região Sul já aderiram ao boicote na última sexta-feira (22). A expectativa é que na terça (26), uma reunião na ABPA (Associação Brasileira de Proteína Animal) aborde o tema.
Em entrevista concedida ao AgFeed na semana passada, o presidente da ABPA, Ricardo Santin, avaliou a declaração de Bompard, do Carrefour, como “desprovida de qualquer fundamento”. "Nós (Brasil) sempre atendemos a todos os requisitos. Esse argumento é uma infelicidade de quem é ineficiente", disse.
Procuradas pela reportagem, BRF, a maior companhia de frangos do País, outras empresas e entidades do setor não se manifestaram.
Mais efeitos na cadeia
Em um relatório divulgado nesta manhã a clientes do BTG, o analista Luiz Guanais afirmou que a interrupção ocorre “em um momento em que a inflação de alimentos vem ganhando força e deve impulsionar a alavancagem operacional dos varejistas”.
O analista cita que, em uma conversa recente do banco com diretores do Carrefour no Brasil, a reaceleração da inflação ajudou a impulsionar as vendas de setembro, algo que deve continuar nos números de outubro. A potencial interrupção pode frear esse timing positivo.
No Brasil, a operação do Atacadão corresponde a 70% das vendas do Carrefour no País, e nos cálculos de Guanais, 5% disso é carne bovina. Já as proteínas como um todo correspondem a 10%.
“Além da participação nas vendas totais, este é um item importante para direcionar o tráfego nas lojas”, disse o analista, em relatório.
O diretor da Athenagro e colunista do AgFeed, Maurício Nogueira, acredita que nos próximos dias a oferta de carne nas lojas de Carrefour tende a ser insuficiente para atender os clientes, colaborando para que migrem para outros supermercados.
“É provável que os frigoríficos não sejam afetados no volume de vendas. Ainda assim, nos primeiros dias, pode haver alguns ajustes nas escalas de abate de determinadas plantas”, afirmou Nogueira.
Em função disso, o fato também deve deixar em alerta os pecuaristas, já que mudanças nas escalas de abate pode influenciar os preços da arroba. “Já vale prestar atenção a essa possibilidade, que pode incorrer em riscos e oportunidades”, disse o analista.
Em nota, a Athenagro reforçou que está alinhada com a iniciativa dos frigoríficos e das entidades do agronegócio que apoiam essa resposta.
O texto lembra que “além do rigor da legislação brasileira e de todos os avanços que o agronegócio vem implementando ao longo das últimas décadas, o setor tem investido recursos e tempo para atender todas as demandas e compliance ambiental que têm sido apresentadas ao país”.
No caso da pecuária, indústrias e produtores estão assumindo compromissos que deveriam ser do Estado, relacionados ao monitoramento sobre quem age ou não dentro da legalidade, disse Nogueira no texto.