As indústrias de óleos vegetais, até pouco tempo, tinham como principal batalha seguir buscando o aumento gradual na mistura de biodiesel ao óleo diesel comum, uma forma de garantir maior demanda para um produto de maior valor agregado.

Com a chegada de Donald Trump à Casa Branca, os problemas ficaram bem mais complexos. O presidente americano desencadeou uma guerra de tarifas, especialmente com a China, o que aumentou a volatidade no mercado de commodities agrícolas.

O Brasil, que já era o principal fornecedor de soja para a China, passou a ser ainda mais importante, num cenário em que o produto americano ficou muito mais caro, com 125% de tarifas.

Com isso, houve uma disparada nos prêmios de exportação, o diferencial pago nos portos brasileiros, pela soja nossa soja, em relação ao preço referência da Bolsa de Chicago.

Apesar da alta, somente na semana passada os chineses compraram pelo menos 60 navios de soja do Brasil, como mostrou o AgFeed. Foi algo que os agentes de mercado dizem nunca ter visto até hoje. Uma semana normal costuma registrar o relato de 7 navios, em média, negociados.

Durante um evento realizado hoje em São Paulo, sobre biocombustíveis, promovido pela Abiove, o AgFeed conversou com André Nassar, presidente da entidade, que representa tradings e esmagadoras.

“Eu vejo a China vindo para o Brasil, falando: eu vou me abastecer do que eu puder no Brasil, porque no segundo semestre eu não consigo, porque já não tem safra brasileira mais (no segundo semestre) e aí ela vai ter que se entender com os americanos de alguma forma”, avaliou ele.

Nassar diz, porém, que não vê essa situação como “duradoura” e acredita ser “possível” um acordo entre EUA e China nos próximos meses.

“É claro que isso gera alguma preocupação para nós na indústria, porque a soja fica um pouco mais cara e eu não tenho espaço agora para subir o preço do óleo de soja e nem subir o preço do farelo, senão vai criar todo o problema que a gente já viu. Então ela reduz um pouquinho a margem do esmagamento de soja”, explicou.

De qualquer forma, o presidente da Abiove alerta que os efeitos do prêmio mais elevado “afetam a soja que não foi vendida ainda”. Acredita que no máximo 40% da produção ainda não teria sido comercializada.

Ainda assim, é fato que as projeções da Abiove que serão atualizadas ainda essa semana devem trazer uma revisão para cima nas exportações.

No relatório do mês passado, a entidade previa embarques de 107 milhões de toneladas em 2025 e um estoque final de 9 milhões de toneladas.

“A gente só teve esse estoque em 2017. A gente estava estimando uma virada de safra com um estoque maior de soja por conta de uma safra de 170 milhões (de toneladas)”, disse Nassar. “Então não é um problema que vai acabar a soja no Brasil”.

Ele reforçou que o aumento da demanda chinesa pela soja brasileira “aconteceu na safra certa, que é uma safra grande”. Seria preocupante se o problema ocorresse, por exemplo, no ano passado, quando a safra do Brasil foi de 155 milhões de toneladas.

Traders ouvidos pelo AgFeed recentemente avaliam que haverá uma exportação adicional para a China, em função da guerra comercial, de pelo menos 5 milhões de toneladas.

Perguntado se esse volume é factível, Nassar respondeu: “esse número me parece razoável e ele cabe dentro da oferta e demanda que a gente tem”.

Vale lembrar, no entanto, que em 2024 os Estados Unidos exportaram 22 milhões de toneladas de soja para a China. Resta saber por quanto tempo as tarifas seguirão em vigor e quanto desse volume passará a ser fornecido pelo Brasil.

Futuro do biodiesel

No evento realizado nesta segunda-feira, 14 de abril, no auditório da Fundação Getúlio Vargas, na capital paulista, a Abiove reuniu especialistas, representantes de empresas e do governo para avaliar o potencial de crescimento não apenas para o bidiesel, para também para outros biocombustíveis como o HVO – diesel verde – e o SAF – combustível sustentável de aviação.

No cenário de margens mais apertadas e guerra comercial, seria bom para a indústria que o chamado B15, que obriga a mistura de 15% de biodiesel, tivesse entrado em vigor, o que acabou não acontecendo.

“Quando eu aumento o mandado de biodiesel, eu estou comprando mais soja. E isso faz com que eu valorize a soja aqui para dentro, não para mandar para fora. Mas essa guerra tarifária gera esse efeito de valorizar a soja para exportação”, afirmou André Nassar.

Ele diz que a indústria está preferindo não pressionar o governo e fornecer dados que mostrem que o preço do óleo de soja já recuou – essa teria sido a principal justificativa para a interrupção nos aumentos graduais nos percentuais de mistura por parte do CNPE. A redução no preço desde o final do ano passado já estaria em 4,8%, segundo a entidade.

“A gente não gosta (de não ter adotado o B15), mas também a gente tem que reconhecer que o governo está apoiando o setor, pegou 10 e subiu para 12%, depois subiu para 14%, aí tomou a decisão de manter o B14”.

A Abiove calcula que, com o adiamento do B15, um volume de cerca de 600 mil toneladas que iria para a produção de biodiesel deverá ser direcionado a outros fins, como a própria fabricação e exportação do óleo de soja. Mas se houver aumento no consumo de diesel, a demanda também pode acabar absorvendo esta lacuna.

Com a soja mais cara, em tempos de tarifaço, é possível que o B15 acabe ficando para 2026, quando analistas de mercado já projetam uma safra de soja ainda maior do que o volume recorde que está sendo colhido esse ano.