A soja e o algodão têm algumas características em comum no Brasil. A China é o país que, historicamente, mais compra os dois produtos no mundo. E nas duas culturas os brasileiros ultrapassaram os Estados Unidos na liderança das exportações.
Em tempos de guerra comercial, as semelhanças param por aí. Isso porque na soja, assim que começou a aplicação de tarifas por parte de Trump e que a China decidiu taxar em 125% o produto americano, houve um benefício imediato para o Brasil.
Como mostrou o AgFeed, numa única semana cerca de 60 navios de soja brasileira foram comprados pela China, um número que jamais tinha sido visto num período tão curto por agentes de mercado.
No algodão, o cenário foi outro. O primeiro efeito foi uma certa paralisação nos negócios de exportação. Há mais fornecedores e mais compradores globais e a maioria deles também havia sido impactada pelas tarifas de Trump, o que deixava o jogo bem mais complexo.
Em entrevista exclusiva ao AgFeed, o presidente da Anea (Associação Nacional dos Exportadores de Algodão), Miguel Faus, disse que até agora os chineses não aumentaram as compras de algodão brasileiro.
O ano tem sido marcado pela redução nas importações da pluma pelos chineses. Segundo Faus, nos primeiros 9 meses da safra 2024/2025, que vai terminar em junho, o país asiático comprou do Brasil 467 mil toneladas. É menos da metade do que foi importado no mesmo período do ano passado, quando o volume estava em 1,159 milhão de toneladas.
O motivo é o aumento na produção local de algodão na China. O Itaú BBA destacou em relatório recente que o país asiático está colhendo a maior safra da última década, reduzindo drasticamente a necessidade de importação.
No início das tarifas, os preços na bolsa de Nova York, que é referência para o algodão, caíram fortemente. Boa parte já foi recuperado nas últimas semanas, mas em nenhum momento o prêmio, que é o diferencial portuário nos portos brasileiros, chegou a subir, portanto não houve benefício direto ao produtor, como ocorreu na soja.
O curioso é que as cotações em reais, medidas pelo Cepea/Esalq, vem mostrando valorização no último mês.
Na metade de abril, o indicador apontava média de R$ 4,2785 por libra-peso, o maior valor nominal em 12 meses, já que superou a cotação de 4 de março de 2024 que era de R$ 4,3326 por libra-peso. Os valores seguem elevados. No fechamento desta quinta-feira, 24 de abril, estava R$ 4,3375/lp.
O presidente da Anea garante que a valorização não está relacionada à guerra comercial.
“Nós estamos no auge da entressafra. Então é natural para o mercado interno pagar preços mais altos nesse momento. Mesmo porque o algodão de melhor qualidade em geral já foi exportado”, afirmou Faus.
O Brasil exporta atualmente cerca de 75% do algodão que produz. O restante fica no mercado interno, para abastecer a indústria têxtil nacional. A menor disponibilidade da pluma internamente e os preços em alta só devem ser revertidos em julho, quando começa a colheita da safra de algodão, com a expectativa de uma produção recorde, de acordo com o dirigente.
Jogo de xadrez no mercado externo
Historicamente a China é a maior compradora do algodão brasileiro. Porém, no último ano, segundo a Anea, Bangladesh ultrapassou os chineses.
Os negócios vêm ficando cada vez mais diversificados, segundo a entidade, com Brasil e Estados Unidos disputando as oportunidades de exportação para países como Vietnã, Paquistão e Bangladesh, que são grandes importadores de algodão do mundo inteiro.
Estes países produzem itens como roupas, toalhas, entre outros, que depois são vendidos para a Europa, Japão e também para os americanos.
Miguel Faus diz que o Brasil vem aumentando muito as exportações não em função do crescimento do mercado global, mas sim por ter uma produção maior e alcançar melhor competitividade, ganhando espaço frente aos concorrentes que colhem algodão mecanicamente – EUA e Austrália.
A questão agora é que todos os países mencionados foram altamente taxados por Donald Trump. Ao contrário da China, eles têm procurado a Casa Branca para fechar um acordo, temendo deixar de vender os produtos acabados aos americanos.
Para o Brasil, a taxa que está sendo aplicada pelos EUA é de 10%, bem abaixo da maioria dos países que vinham sendo superavitários no comércio com os americanos, mas isso não muda o cenário.
O Vietnã, por exemplo, recebeu a notícia de que seria taxado em 46%. Depois, Trump decidiu baixar por 10% para esses países pelo prazo de 90 dias, até ver se havia avanço nas negociações.
“A gente não exporta para os Estados Unidos, algodão. A gente exporta para países que estão altamente tarifados para vender seus produtos para lá. Esses caras vão entrar em crise”, alertou.
O presidente da Anea diz que esses países já teriam sugerido comprar menos do Brasil e mais dos Estados Unidos para que Trump recue na questão das tarifas.
De qualquer forma, o executivo prevê que, em algum momento, a China realmente venha a comprar mais do Brasil esse ano – mas somente se as tarifas se mantiverem por mais tempo e se não houver acordo entre Trump e Xi Jinping.
Se isso ocorrer, no entanto, provavelmente vai compensar o que os demais asiáticos comprarão a mais nos EUA.
“O mercado vai sofrer uma reacomodação, uma redistribuição. Mas tudo isso, nós estamos falando ainda em tese, porque como temos visto, as tarifas têm mudado, as situações têm mudado de uma forma muito rápida, do dia para noite”, ressaltou.
É possível que o Brasil tente buscar espaço em países que hoje compram mais dos EUA pela proximidade, como México e América Central. Será um jogo de xadrez, como muitos vem analisando o cenário atual.
“O Brasil vai ter uma safra grande, o Brasil tem competitividade e nós vamos ter uma briga boa nesses outros mercados. Nós não vamos entregar de mão beijada, vamos disputar mercado e vamos tentar manter as nossas participações lá”, acrescentou.
A situação é diferente da guerra comercial do primeiro governo Trump quando o foco era apenas a China. Quando as tarifas começaram, imediatamente os chineses aumentaram as compras de algodão brasileiro. “Naquele momento, o Brasil sim se beneficiou, porque os Estados Unidos venderam menos para lá, nós vendemos mais para a China”.
Por enquanto, segundo cálculos feitos por Miguel Faus, a pedido do AgFeed, a competitividade está muito próxima. Dias atrás estava 76 centavos de dólar por libra peso o algodão brasileiro chegando na China, enquanto o americano ficava em 77 centavos.
A expectativa é que à medida que oferta aumente, com a colheita no Brasil, a situação fique mais favorável ao produto das nossas lavouras.
Outro ponto que gera incerteza no mercado do algodão é a preocupação com os efeitos na economia global. O presidente da Anea diz que os compradores internacionais da indústria têxtil acompanham a demanda que vem de seus clientes, as grandes redes varejistas, como Zara, Walmart, entre outras. Com a expectativa de mais inflação ao consumidor final, alguns pedidos podem ser cancelados.
“Existia o temor de ruptura, com quebra de contratos, esse é o pior dos mundos”, disse ele. Com o prazo de 90 dias, no entanto, o mercado ficou mais calmo, além de observar uma certa tendência de consumidores americanos de comprar mais roupas e tecidos ao temer uma possível alta de preços, o que vai trazer mais demanda para o setor.