A Lei da Política Agrícola (Lei nº 8.171/1991) foi um marco importante para o setor agrícola brasileiro. Estabeleceu princípios fundamentais, como a utilização racional dos recursos naturais, a função social e econômica da propriedade rural e a necessidade de a agricultura proporcionar rentabilidade compatível com outros setores da economia.
A lei prevê diversos instrumentos da política agrícola, incluindo o crédito rural, o seguro rural, a política de garantia de preços mínimos, a pesquisa e assistência técnica, o cooperativismo e a eletrificação rural e irrigação.
Em 33 anos, o setor agropecuário brasileiro se transformou. A área plantada com grãos no Brasil era de 36 milhões hectraes e aumentou para 77,5 milhões, de acordo com dados da Conab de maio de 2023. As projeções indicam que a área de grãos deve expandir ainda mais, chegando a 92,3 milhões de hectares em 2032/2033.
A produção agrícola brasileira também experimentou um crescimento notável. Em 1991, a produção total de grãos era de cerca de 60 milhões de toneladas. Em 2023, esse número alcançou um recorde de 320 milhões de toneladas.
O valor das exportações agropecuárias brasileiras aumentou, de US$ 1 bilhão em 1991 para US$ 163 bilhões em 2023. Essa evolução reflete a crescente demanda global por produtos agrícolas brasileiros, especialmente em mercados como a China, que se tornou um dos principais parceiros comerciais do Brasil.
As exportações totais do Brasil para a China aumentaram de US$ 226 milhões em 1991 para aproximadamente US$ 104 bilhões em 2023 (sendo 60% oriundo do agronegócio). A soja e a carne bovina são os principais produtos exportados para o país asiático, destacando a importância da China como um mercado estratégico para a agricultura brasileira.
Diante deste extraordinário crescimento, o modelo brasileiro de crédito rural com juros subsidiados mostra sinais de exaustão, com a demanda do setor superando em três vezes os recursos disponibilizados.
As complexas negociações interministeriais e com o Banco Central para liberação de fundos resultam em atrasos, como visto na Safra 2024/2025. A possibilidade de aumento das taxas de juros adiciona incerteza quanto ao impacto no orçamento federal.
Anualmente, as despesas obrigatórias restringem o financiamento de políticas públicas, complicando a distribuição dos recursos para diferentes programas agrícolas. Enquanto o setor busca estabilidade e continuidade orçamentária, o desafio permanece devido à quantidade limitada de recursos.
Fomentar um ambiente propício ao financiamento privado emerge como solução para a escassez de recursos. O crescimento em títulos como CPR e dos produtos do Agro (CRA, LCA, CDCA, CDA-WA) e do Fiagro sugere que as medidas para tornar o ambiente mais atrativo têm trazido resultados, oferecendo ao setor agrícola alternativas diante da rápida exaustão dos fundos do Plano Safra, os quais nem sempre são acessíveis quando e onde necessários pelos produtores.
O desafio para o mercado de capitais reside na capacidade de se adequar às necessidades do setor em contextos de altas taxas de juros e na busca por produtores com formalização jurídica adequada e governança básica, evitando assim taxas finais excessivas nos empréstimos.
Adicionalmente, as condições financeiras do setor são frequentemente afetadas por fatores adversos, como intempéries climáticas, oscilações de preços de commodities e insumos, bem como crises econômicas, levando a constantes renegociações para prevenir inadimplências e mitigar uma crise ampliada no setor.
É necessário atualizar o modelo vigente. O sistema adotado pelos Estados Unidos, apesar do alto custo orçamentário, inclui programas de seguro rural mais completos, oferecendo variadas opções como seguros para proteção da renda e subsídios concedidos diretamente aos agricultores, em vez de por meio de entidades financeiras.
Essa forma de subvenção direta favorece uma distribuição de recursos que se alinha mais efetivamente com as políticas públicas, auxiliando no incentivo à agricultura familiar e às práticas de cultivo com menor impacto ambiental.
O seguro rural abrangente é crucial para a estabilidade e o sucesso do setor agropecuário brasileiro, dada a influência de riscos climáticos e de mercado.
Porém, para expandir o envolvimento do setor privado e aumentar a oferta de seguros e sua abrangência geográfica, é necessário eliminar barreiras estruturais.
A falta de comprometimento governamental quanto ao incentivo ao setor privado, a ausência de regulação do Fundo de Catástrofe e recursos limitados do Fundo de Estabilidade do Seguro Rural, dada a imposição do teto de gastos, ocasionam uma redução na operação das seguradoras no mercado.
Visar a universalização do seguro rural com menos dependência do modelo de financiamento atual, baseado em subsídios nas taxas de juros, poderia diminuir a exposição do governo a renegociações de dívidas e trazer mais segurança para o mercado de capitais.
O setor agropecuário brasileiro está em constante transformação. Ainda há um enorme espaço para incremento de produtividade, aumento de competitividade e expansão. As políticas públicas obrigatoriamente precisarão passar por revisões e constante avaliações para acompanhar este dinâmico setor.
Guilherme Bastos, engenheiro agrônomo com mestrado em Economia Agrícola, é coordenador do FGV Agro.