Em uma visita recente ao Griffin Museum, em Chicago, me deparei com um exemplar do The Old Farmer’s Almanac de 2007. Entre previsões climáticas, tabelas de plantio e dicas para o campo, aquele pequeno almanaque despertou um pensamento maior: desde sempre, o agronegócio se dedicou a registrar, organizar e compartilhar conhecimento.
Era a nossa forma de aprender com o tempo, com os ciclos da terra e com a experiência acumulada. Era a nossa nuvem, feita de papel.
Depois veio a digitalização. Levamos quase duas décadas para transpor o mundo físico para o digital. Transformamos mapas em imagens de satélite, anotações em planilhas, almanaques em bancos de dados.
Mas fizemos isso com foco no acesso humano — PDFs, pastas em servidores, arquivos em e-mails. A informação foi salva, mas nem sempre foi organizada. Muito menos estruturada.
Agora, estamos prestes a entrar em uma nova fase: transformar esse legado digital em um formato que a inteligência artificial possa entender, aprimorar e devolver em forma de decisão. Porque a IA não consome só PDFs, ela precisa de estrutura, contexto e conexão entre os dados.
É aqui que entram dois conceitos centrais: tradução e discovery.
Traduzir, nesse contexto, significa converter dados não estruturados em modelos compreensíveis para máquinas. Significa preparar as informações que temos — muitas vezes em silos isolados — para que possam ser conectadas de forma inteligente.
Já o discovery vai além da simples busca: trata-se de encontrar padrões, gerar hipóteses, cruzar variáveis e apontar caminhos que não eram óbvios.
O Google nos ensinou a buscar. A IA está nos ensinando a descobrir.
Hoje, a maior parte das informações no agro está fragmentada. Sistemas de gestão, sensores, relatórios, mensagens, imagens, documentos. Cada pedaço de dado carrega um potencial enorme, mas sozinho, vale pouco.
O desafio está em organizar, classificar, cruzar e transformar esses dados em decisões acionáveis. Não se trata mais de gerar novos dados, e sim de usar melhor o que já temos.
Isso exige curadoria. Exige uma infraestrutura que permita que a IA acesse, leia, relate e interprete tudo isso em tempo real. É o que estamos construindo com plataformas que integram dados de campo, clima, solo, insumos, maquinário, produtividade e finanças. Tudo isso para tornar possível a próxima fronteira do agronegócio: a decisão baseada em dados estruturados e acionáveis.
A IA não substitui o conhecimento humano — ela amplia. Mas, para isso, precisamos preparar o terreno. E isso começa com a tradução do que já sabemos. Transformar a informação solta em inteligência conectada. Criar um ecossistema onde dados conversam entre si e geram respostas mais rápidas, mais precisas e mais relevantes.
A próxima grande revolução no agro não será sobre produzir mais dados. Será sobre extrair mais valor dos dados que já temos. Se quisermos colher o futuro, está na hora de traduzir o passado — e organizá-lo para o presente.
Fernando Rodrigues é fundador da Rural.