O debate sobre venture capital na América Latina quase sempre se concentra na macroeconomia. O argumento dominante é simples: quando os juros caírem, o mercado volta a aquecer.

Mas essa é apenas parte da verdade. O que realmente faz a engrenagem do venture capital girar não é apenas o custo do capital, mas a existência de saídas. Sem saídas, não há reciclagem de capital e o ciclo não se completa.

Nos Estados Unidos, onde a indústria nasceu, isso ficou claro logo após a Segunda Guerra Mundial. Em 1946, George Doriot, considerado o pai do venture capital, fundou a American Research and Development Corporation (ARDC). Sua ideia era revolucionária: investir em empresas jovens e arriscadas, mas com potencial transformador.

O grande marco veio quando a ARDC investiu na Digital Equipment Corporation, que anos depois abriu capital e transformou um investimento de 70 mil dólares em mais de 300 milhões. Esse movimento não apenas provou que a tese funcionava, mas inaugurou a cultura de saídas que alimenta o ecossistema até hoje.

Nos EUA, o venture capital não prosperou porque havia dinheiro disponível em abundância, mas porque se construiu a infraestrutura para que esse dinheiro tivesse como retornar. O IPO se tornou uma saída de prateleira, respaldado por bolsas como a Nasdaq, research independente e liquidez contínua.

O M&A foi naturalizado como prática estratégica das grandes corporações, que passaram a comprar startups para incorporar inovação em seus negócios. E os mercados secundários se profissionalizaram, oferecendo liquidez antecipada a investidores e empreendedores.

Mesmo em um mercado maduro como o americano, gigantes como a Andreessen Horowitz perceberam que apenas levantar fundos não basta. Em 2021, a firma chegou a administrar mais de US$ 55 bilhões, mas rapidamente entendeu que precisava se reinventar: expandiu para gestão de patrimônio, investimentos em mercados públicos e até atuação em políticas públicas, para reduzir a dependência exclusiva de retornos em venture capital.

Se no mercado mais desenvolvido do mundo já há uma mudança de rota, por que no Brasil seguiríamos um modelo que está sendo reformulado lá fora?

Na América Latina, por outro lado, já temos a energia do capital de risco, mas ainda não construímos essa infraestrutura de saída. Os números confirmam: os deals crescem, só no agro e foodtech o primeiro semestre de 2025 somou R$ 627 milhões no Brasil, um salto de 88% em relação a 2024, segundo o Rural Tech Report.

O problema não está na entrada de capital, mas na falta de saídas. O IPO praticamente fechou desde 2021, os M&As ainda são tímidos diante do tamanho do mercado e os secundários seguem engatinhando.

O resultado é um mercado de entradas sem saídas, onde o capital demora a reciclar e a próxima safra de startups fica estrangulada.

Isso não significa que o jogo esteja perdido. Ao contrário, o Brasil e a região vivem um momento singular. Somos um mercado de venture capital ainda criança, cheio de energia, mas com uma visão empreendedora muito forte. Temos fundadores resilientes, criativos e capazes de construir soluções globais. Se dermos a esse ecossistema a infraestrutura de saídas que falta, podemos nos tornar protagonistas dessa história.

O futuro do venture capital na América Latina depende de três movimentos: criar mercados secundários regionais que dêem liquidez antes do IPO, estimular a cultura de M&A nas grandes empresas para que incorporar startups se torne parte do crescimento orgânico e abrir rampas de acesso para IPOs menores, como já começa a surgir com iniciativas como a BEE4 no Brasil.

Cada saída relevante não é apenas um ponto final, mas um ponto de partida. Quando fundadores vendem suas empresas, voltam para a mesa com capital e experiência. Funcionários que realizam stock options tornam-se os anjos da próxima geração. Investidores que devolvem recursos a seus cotistas podem reinvestir em novas ideias. É assim que o ciclo se retroalimenta e a engrenagem começa a girar de verdade.

Não podemos esperar que apenas a macroeconomia resolva. O juro pode cair, mas se não houver mercados secundários ativos, M&As estratégicos e uma cultura de aquisição corporativa, a engrenagem continuará travada.

|Se quisermos ver o venture capital realmente florescer no Brasil e na América Latina, precisamos assumir a construção dessa infraestrutura de saída. Esse é o próximo grande passo para transformar a região em um polo global de inovação e formar uma nova geração de empreendedores que continuará alimentando essa máquina.

Fernando Rodrigues é fundador da Rural.com.vc.