Depois do fiasco em torno da proposta para limitar o fornecimento de proteínas de origem animal aos atletas durante as Olimpíadas de Paris, executivos “C-Level” de tradicionais multinacionais francesas têm protagonizado polêmicas envolvendo declarações falaciosas em relação ao agronegócio brasileiro.
Será que a França, berço do iluminismo, teria embarcado numa cruzada obscurantista contra a produção tropical? A última polêmica, envolvendo o CEO global do Carrefour, mostra que não. Por trás de todo o discurso ambiental há o velho protecionismo comercial.
Em carta publicada via redes sociais, mas direcionada ao presidente da Federação Nacional dos Sindicatos de Agricultores da França, Alexandre Bompard se comprometeu a não comprar carnes oriundas do Mercosul. Não se preocupou em justificar a decisão com base em questões ambientais ou qualquer outra causa nobre que seja. Sem nenhum constrangimento, alinhou o Carrefour com os interesses dos produtores franceses.
E logo depois Thierry Cotillard, CEO do grupo varejista francês Les Mousquetaires, se pronunciou na mesma linha, endossando o boicote proposto por Bompard. Disse ainda que a medida visa a soberania alimentar, em apoio aos agricultores de seu país.
Por mais que cause a justa reação entre os brasileiros - o que gerou respostas unindo governo, lideranças e associações do agro - há algo de positivo nessa mais recente investida: a máscara das justificativas ambientais parece ter começado a cair.
É provável que tenham desistido de abraçar o injustificável. Se assim for, os executivos franceses começaram a entender que a produção brasileira é, sim, sustentável. E, pior ainda para eles, vai avançar muito mais. Sabem que o Brasil ameaça a existência dos produtores regionais franceses que operam um modelo que não se sustenta ao longo dos anos.
Os acontecimentos recentes têm muito a ensinar.
Por mais desastrosas que sejam suas falas, elas resumem decisões que, em tese, não implicariam em grandes mudanças nos seus negócios.
O Carrefour na França depende muito pouco da carne originada no Brasil ou no Mercosul, conforme diversas análises vem demonstrando depois do acontecimento.
É a mesma realidade da Danone francesa, que se envolveu em semelhante confusão dias antes do Carrefour.
E algo parecido também motivou o discurso pró-ambiente do comitê organizador das Olimpíadas. Além do marketing gratuito, apesar de mentiroso, o principal objetivo era economizar no custo das refeições que seriam servidas.
De forma cada vez mais escancarada, os franceses vêm nos mostrando que o discurso ambiental está sendo usado para defender seus próprios interesses.
Aqui no Brasil, portanto, vai sendo derrubada a argumentação de que tal constatação seria fruto de teoria conspiratória do setor do produtivo. Não dá mais para dissociar a agenda ambiental de barreiras protecionistas.
Cabe a nós, brasileiros, decidir o que fazer diante dessa realidade. Levaremos a agenda ambiental a sério ou faremos como os franceses, conduzindo na malandragem?
Se a decisão for levar o assunto a sério, o primeiro passo é começar a colocar as verdades sobre a mesa.
Não dá para continuar prometendo acesso a mercados com preços melhores a partir da garantia do compliance. Os franceses estão nos mostrando, com os mais evidentes sinais, que não haverá demanda para todo o compliance brasileiro nas condições apresentadas como expectativa de negócio.
A comunicação, portanto, precisa mudar. Ao invés da retórica e promessas que tendem a não ser cumpridas, é preciso focar nos benefícios econômicos em se adotar práticas modernas de produção. Para tanto, é preciso elevar o nível técnico da discussão.
São frequentes os flagrantes de profissionais que se apresentam como especialistas em sustentabilidade, dizendo que o produtor precisará “arcar com os custos de produzir de forma sustentável”.
Estão redondamente enganados e parecem não ter entendido o mais básico dos conceitos. Sustentabilidade envolve retorno econômico. Não se trata de custo, trata-se justamente de ganhar mais.
Incrível que nessa altura do campeonato, tais “especialistas” ainda não tenham se dado conta que acumular carbono no solo é sinônimo de produtividade. Melhorar a saúde do solo, elevando a biota e matéria orgânica, também é. Rotacionar e integrar culturas ou praticar adubação verde equilibra a relação entre carbono e nitrogênio que será adicionada ao solo, aumentando a eficiência de formação de húmus: o resultado é mais produtividade.
Esse aumento eleva também a quantidade de massa verde que sobrará na área, oriunda tanto da parte aérea como das raízes, melhorando a condição do solo. Controlar o processo erosivo, mesmo que laminar, garante a conservação do solo, impactando positivamente na produção. E por aí vai. É possível enumerar diversas práticas que estão sendo implementadas há décadas pelo agro brasileiro.
E produtividade é sinônimo de rentabilidade, desde que a produção seja bem gerida. É esse o recado que precisa ser levado ao produtor rural, pois uma enorme parcela ainda não entendeu. E é essa a principal razão que atrasa o avanço das boas práticas entre a maioria dos produtores.
Por outro lado, quando se considera a quantidade produzida, a maior parte dos produtos de origem animal e vegetal é originada em propriedades que adotam as boas práticas de produção. Parece contraditório, mas trata-se do efeito da concentração no mercado.
Com base em pesquisas de campo e na análise detalhada dos dados censitários do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), estima-se que o Índice de Gini da produção pecuária esteja entre 0,75 e 0,8.
O Índice de Gini é uma medida que quantifica a concentração de um determinado grupo, variando de 0 (distribuição perfeitamente igual) a 1 (concentração máxima, em que toda a produção está nas mãos de um único indivíduo). A proporção de produtores viáveis, portanto, está respondendo por fatias cada vez maiores na oferta de carne bovina. E isso vale para todos os demais produtos do agro.
Sendo assim, ao insistir na necessidade de promover a transição do modelo de produção, os influenciadores do debate ambiental estão focando no objetivo errado. O desafio é a inclusão, e não a transição. A transição já foi feita.
Para entender basta se atualizar conversando com os estudiosos do tema, pesquisadores, professores e profissionais da atividade. Seria mais útil do que ficar discursando que o agro está distante da ciência.
E o compromisso de levar a agenda ambiental a sério será do setor produtivo, o que envolve desde a produção de insumos até a distribuição do produto nas prateleiras, daqui ou de outro país.
É ingenuidade acreditar que os que se mobilizam em benefício próprio estejam interessados em solucionar os problemas. Para eles os objetivos são os holofotes ou as grossas fatias dos fundos, que acabam não chegando a quem precisa.
E, em parte, são também responsáveis por municiar argumentações demagógicas contra a produção brasileira. Os impactos dessas pressões acabam prejudicando a própria agenda ambiental, o que não deixa de ser irônico.
Quanto mais difícil for vender a produção brasileira, menor proporção de produtores será incluída. E quanto piores as condições econômicas, menos preservacionistas serão as práticas de produção. Para confirmar essa afirmação, basta analisar as proporções entre áreas ocupadas por assentamentos e produtores de baixa renda e a quantidade de focos de incêndios e avanços sobre áreas desmatadas ilegalmente.
Celebridades do ambientalismo repetem números sobre a pecuária sem nem mesmo buscar entender o que está por trás. Ao dizerem que apenas 10% a 15% dos pecuaristas estão se modernizando, associam os demais com uma suposta estratégia política do agro a favor do desmatamento. Observam certo, concluem errado.
Além de não entenderam que essa pequena parcela representa justamente os produtores viáveis que conduzem a pecuária comercial, refutam o argumento de que é preciso promover a regularização fundiária e avançar com o código florestal. Para o ambientalismo soberbo, trata-se de uma crença ruralista.
Para eles pouco importa o fato de que, em quatro anos, a produção de carne bovina tenha aumentado 26%, enquanto o desmatamento caiu 42%. A área de pastagens caiu 2,5% e a produtividade aumentou 30% no período. E a mesma conclusão, com números diferentes, pode ser obtida analisando períodos de 10, 20, 30 ou 40 anos.
Mesmo diante dos fatos, continua sendo fashion dizer que a pecuária é o driver do desmatamento. Pega bem com a elite daqui, da França ou de qualquer lugar do mundo em que as pessoas queiram se associar a uma agenda justa para compensar suas próprias falhas.
O resultado dos discursos vazios sempre será o mesmo: nada! Ou, no máximo, frustrações com consequentes resultados inversos ao que se espera.
Voltando à França... Em sua icônica frase ao questionar a própria existência, o filósofo Descartes deixou passar uma triste realidade que assola a humanidade: é possível existir, mesmo que não pense!!
Maurício Palma Nogueira é engenheiro agrônomo, diretor da Athenagro e coordenador do Rally da Pecuária.