Qual será o impacto da Reforma Tributária sobre o transporte rodoviário de cargas no agronegócio? Quais são os atuais desafios e preocupações? Que mudanças podemos esperar e quais são os obstáculos e as perspectivas com sua implementação até 2033, quando o novo sistema será integralmente adotado?
Para responder estas e outras perguntas, reunimos em agosto as principais lideranças do transporte do agronegócio no Palácio Tangará, em São Paulo. O encontro resultou em um debate fértil sobre como as mudanças da reforma irão garantir retornos positivos ao mercado logístico do agro, que recorre ao modal rodoviário para carregar 60% dos alimentos produzidos nas lavouras brasileiras.
O modelo tributário em vigor impõe desafios significativos às transportadoras. A complexidade normativa, com milhares de regras diferentes entre União, Estados e Municípios, gera insegurança jurídica, interpretações divergentes e risco constante de autuações.
Soma-se a isso o problema recorrente do acúmulo de créditos tributários, sobretudo em operações de exportação, que muitas vezes se tornam de difícil ou até impossível recuperação.
Os chamados resíduos tributários, embutidos em combustíveis, peças e manutenção, elevam de forma significativa o custo do frete. Além disso, a guerra fiscal distorce decisões logísticas, fazendo com que rotas sejam determinadas mais por incentivos fiscais oferecidos por determinados Estados do que pela eficiência operacional.
O resultado é um ambiente marcado por insegurança e distorções que comprometem a competitividade do setor.
Principais preocupações do setor
Apesar da promessa de simplificação, as transportadoras demonstram cautela. A primeira preocupação é o possível aumento da carga tributária, já que a alíquota padrão do novo sistema proposto pela Reforma Tributária aparenta ser mais alta e aplicada integralmente aos fretes domésticos.
Persistem também dúvidas sobre a manutenção do crédito presumido para autônomos e MEIs, que continuará a existir, mas com percentuais a serem definidos anualmente pelo Ministério da Fazenda.
Outro ponto sensível é a desoneração das importações, hoje garantida pelos benefícios de PIS/Cofins, mas cuja preservação no novo modelo ainda carece de clareza.
O longo período de transição até 2033 também preocupa o setor, uma vez que, durante esse período, as empresas terão de conviver com dois sistemas tributários em paralelo, o que exigirá controles contábeis mais sofisticados e, consequentemente, maior custo de conformidade.
As principais mudanças
A Reforma Tributária já aprovada e atualmente em implementação cria o chamado IVA Dual, formado pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência federal, e pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência estadual e municipal. Esses tributos substituirão ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins.
Entre as mudanças estruturais mais relevantes está a tributação no destino, que põe fim à guerra fiscal entre os Estados, e a possibilidade de crédito amplo, que permitirá às transportadoras se creditarem dos tributos anteriormente pagos na cadeia sobre praticamente todos os insumos, como combustíveis, peças e serviços, reduzindo o efeito cascata da tributação.
A alíquota padrão total está estimada em 26%, sem tratamento diferenciado para o setor. Embora mais alta que as atuais, ela será uniforme em todo o território nacional, garantindo competitividade entre empresas, e contará com recuperação integral de créditos.
Nos fretes de exportação, a alíquota será zero, garantindo que os tributos não sejam exportados. Além disso, haverá legislação unificada em todo o país, reduzindo disputas interpretativas, e, em linha com as decisões judiciais mais recentes sobre o tema, os novos tributos serão cobrados “por fora” do preço, sem a inclusão em suas próprias bases de cálculo, garantindo maior transparência e preservando a margem real das empresas.
Ganhos para o transporte de cargas
Se, por um lado, a alíquota mais elevada gera preocupação, por outro, a Reforma Tributária cria condições para maior eficiência e recuperação total dos créditos.
A previsão de ressarcimento de créditos acumulados em prazos de 30, 60 ou 180 dias trará previsibilidade e fortalecerá o fluxo de caixa das transportadoras. Para as operações de exportação, a imunidade tributária nos fretes e a manutenção dos créditos sobre insumos reduzem custos e aumentam a competitividade internacional.
Já a unificação da legislação e o fim da guerra fiscal eliminam distorções regionais, dão mais segurança jurídica e reduzem o espaço para sonegação, criando um mercado mais equilibrado, transparente e favorável às empresas que operam dentro da legalidade.
Calendário de Implementação: a transição até 2033
Para evitar choques imediatos, a implementação será gradual e seguirá um calendário de adaptação.
Em 2026 começa a cobrança da CBS e do IBS em fase de testes; em 2027, PIS e Cofins deixam de existir, dando espaço à CBS; entre 2029 e 2032, ICMS e ISS serão reduzidos progressivamente até que, em 2033, o novo sistema substitua integralmente os tributos atuais.
Essa longa jornada exigirá das transportadoras maior preparo contábil e financeiro, além de adaptação de sistemas e processos internos. Por outro lado, oferecerá tempo para ajustes e aprendizado.
Perspectivas para o Futuro
Embora o processo de transição seja desafiador, as perspectivas de longo prazo são positivas. Com menos burocracia e mais previsibilidade, as empresas poderão focar em eficiência, tecnologia e expansão de serviços.
O fim do acúmulo permanente de créditos, a melhoria no fluxo de caixa, a competitividade nas exportações e a segurança de uma alíquota uniforme em todo o território nacional criam as bases para um setor mais sólido e competitivo.
Se a transição exigirá ajustes, também representa a oportunidade de modernizar práticas e construir um sistema tributário à altura da relevância do transporte rodoviário para o país.
No fim das contas, a Reforma Tributária pode ser não apenas um desafio, mas uma chance real de transformar o futuro do transporte de cargas em um Brasil mais competitivo para todos.
Tiago Moreira Vieira Rocha é sócio do Pinheiro Neto Advogados
Daisy Lucchesi é Head Jurídica e de Compliance da Frete.com