Embalado por um clássico sertanejo de Chitãozinho e Xororó, o universo agro entrou pela porta da frente, em horário nobre, na Rede Globo, com a novela Terra e Paixão (2023).

A trama, ambientada no Mato Grosso do Sul, narrava intrincados conflitos de sucessão familiar ancorada em um elenco capitaneado por nomes como Glória Pires e Tony Ramos. Por meio dessa narrativa envolvente, o agronegócio esteve em milhões de lares brasileiros em 221 episódios.

O pano de fundo da trama não foi escolhido por acaso: há anos, a vida no campo atrai as atenções da indústria fonográfica, que colocou 7 cantores sertanejos na lista dos 10 artistas mais ouvidos na última década, segundo o Spotify.

No topo da lista há 2 anos está a cantora Ana Castela, nova queridinha do gênero musical, a mais ouvida no ano passado – que, por sinal, dividiu o microfone com a dupla veterana na música de abertura da novela das nove.

A comunicação corporativa, no entanto, ainda se aproveita muito pouco dos índices superlativos proporcionados pela indústria do campo - que comemora recordes de audiência na TV, em plataformas de streaming e, obviamente, na participação do PIB brasileiro.

Empresas que dominam o setor ainda apresentam uma postura reticente quando instadas a adotar novas formas de se comunicar com seus stakeholders.

Durante a Agrishow 2024 - a maior feira de tecnologia agrícola da América latina -, que acontece há 30 anos em Ribeirão Preto (SP), Ivan Martos, gerente sênior da Google, trouxe uma interessante análise sobre o setor agrícola na maior plataforma de buscas do mundo: a procura pelo tema de máquinas agrícolas no Google tem uma característica generalista, pouco se pesquisa sobre marcas específicas.

Tal comportamento revela uma lacuna interessante na comunicação das empresas do setor.

O fenômeno tem algumas explicações. A primeira delas é o perfil do consumidor deste segmento que, na maioria das vezes, reside no campo e ainda não usufrui de uma conectividade tão eficiente quanto em outras localidades. De acordo com um estudo realizado pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) em 2023, apenas 30% das propriedades rurais têm acesso à internet.

Além disso, a estratégia de venda mais utilizada pelo agronegócio ainda é o contato com o cliente de forma presencial (compreensível, pois é preciso ver e testar uma máquina que custa mais de 2 milhões de reais antes de fechar negócio). Apesar deste contato ser basilar para a consolidação do negócio, construção de consciência de marca também vende - a médio e longo prazo, mas vende.

Enquanto outros setores como tecnologia, varejo e serviços financeiros investem substancialmente em estratégias de comunicação que têm como objetivo engajar pessoas, o agro, por muitas vezes, permanece à margem, com comunicação limitada a questões técnicas e especializadas, análises específicas que se comunicam apenas com quem está diretamente envolvido neste universo.

Ora, se o setor desempenha um papel crucial na economia do País e representa quase 25% do PIB brasileiro, ele não chegou nem perto de atingir o status de "pop" que ecoa no imaginário coletivo nacional.

Por outro lado, seria ingenuidade supor que não há familiaridade do setor com a tecnologia - basta visitar uma feira agro e perceber que os gigantes do ecossistema de inovação estão resolvendo problemas complexos no campo.

A Starlink, por exemplo, teve um crescimento de 1000% no Brasil em 2023, de acordo com a Anatel. A empresa decolou de 11 mil para 132 mil assinantes até dezembro do ano passado. Boa parte desse crescimento corresponde ao agronegócio - em janeiro deste ano, a empresa do bilionário Elon Musk fechou um acordo com a maior fabricante de máquinas agrícolas do mundo para conectar seus equipamentos nos Estados Unidos e no Brasil.

Apesar de estarmos lidando com um segmento que tem um apetite voraz por tecnologia - e dinheiro para bancar isso -, percebe-se ainda pouca fome para explorar as ferramentas de comunicação mais contemporâneas que temos em mãos. É um setor que respira modernidade preso a uma engrenagem ainda com ferramentas tradicionais - comportamento coerente, já que é arriscado mexer em time que está ganhando.

Uma das lacunas que algumas empresas têm procurado preencher é a falta de conteúdo diversificado e acessível sobre o agronegócio. Já estamos vendo artistas de altíssima performance nas redes sociais e na cultura popular sendo chamados por empresas ligadas ao setor para chegar às gerações mais novas.

Ana Castela, a “estrela da vez”, por exemplo, tem sido assediada por empresas ligadas ao agro. A Sicredi contratou seu engajamento para falar sobre crédito para o setor rural. Luan Santana também entrou no jogo: anunciou recentemente a compra de uma fazenda no Mato Grosso do Sul e agora se tornou um agropecuarista.

Logo em seguida, se tornou garoto propaganda da Baldan, empresa brasileira centenária que enxergou no astro do sertanejo uma oportunidade de “deixar os implementos agrícolas mais bonitos e atraentes”.

Há um oceano azul, ou melhor dizendo, um vasto campo a ser explorado pelo agronegócio que ainda não foi considerado. Além de chegar ao fazendeiro, quem assina o cheque, é preciso lembrar que os filhos e netos desse cliente irão comandar as operações no futuro. Para que o setor alcance todo o seu potencial de comunicação, as marcas precisarão intensificar as estratégias e incrementar os métodos tradicionais.

Transformar o agro em uma marca forte depende de como o apresentamos e o incorporamos no cotidiano dos brasileiros, fortalecendo o vínculo entre campo e cidade. O setor precisa se conectar por meio de plataformas abrangentes e interativas que centralizam informações, viabilizam a inovação, facilitam o debate do setor e encorajam a troca de conhecimento não só entre profissionais, como, também, entre gerações.

Fádia Calandrini é coordenadora de Relações Públicas na VCRP