A nova versão do substitutivo ao projeto de lei 412/22 apresentado em parecer pela senadora Leila Barros é hoje a proposta dominante para regular o mercado de carbono brasileiro.
Por se tratar de tema crucial para o futuro da economia brasileira na transição global para baixo carbono, sua revisão é urgente em dois pontos críticos: a governança e o registro central, com metodologias credenciadas e relação com ajustes correspondentes.
Essa lei deverá funcionar como política do Estado brasileiro na gestão de gases de efeito estufa, não podendo estar sujeita às nuances de Governo com mudanças periódicas.
Isso significa que o sistema brasileiro de comércio de emissões (SBCE) precisa, desde já, estar alocado sob o comando de um, ou mais, Ministérios, independentemente do modelo a ser adotado (agência, secretaria etc.).
A composição do SBCE carece de melhoria. A governança de um sistema de gerenciamento de emissões de gases de efeito deve incluir os Estados brasileiros em instância deliberativa.
A repartição constitucional de competências confere à União poderes para definir as normas gerais para o mercado de carbono brasileiro e, aos Estados, a competência concorrente para estruturar mercados de carbono jurisdicionais subnacionais..
A contabilidade nacional de carbono deve ser integrada. O Código Florestal brasileiro prevê a integração de serviços ambientais nacionais e estaduais.
O órgão executor do SBCE, denominado Órgão Gestor, concentra muitos poderes. Caberá a ele:
- definir o limite anual de emissão de gases de efeito estufa que levará ao plano de monitoramento, à divulgação de relatórios e ao dever de conciliação periódico dos emissores;
- definir os procedimentos de mensuração, relato e verificação das emissões e os procedimentos de conciliação;
- minutar o plano nacional de alocação, que será levado a consulta pública e, uma vez aprovado pelo Conselho Interministerial, será por ele executado;
- emitir as cotas brasileiras de emissão (CBE), que serão o ativo regulado comercializável (nossas allowances num comparativo com o mercado de carbono europeu); v) conduzirá os leilões das CBE;
- criar e fazer a gestão do registro central do SBCE;
- avaliar planos de monitoramento, relatórios, conciliações periódicas;
- conceber e operacionalizar mecanismos de estabilização de preços das CBE;
- definir requisitos e credenciar metodologias de originação dos certificados de redução ou remoção verificadas (CRV - créditos de carbono do mercado voluntário que passarão pelo registro e se tornarão ativos comercializáveis para fins de cumprimento de metas de mercado regulado no Brasil ou exterior - incluindo ajustes correspondentes para cumprimento de NDC no Acordo de Paris - ou no âmbito do mercado secundário);
- apurar infrações e aplicar sanções, julgando recursos apresentados; entre outras atribuições.
Essa ampla gama de competências cumuladas, por razões óbvias, evidencia que a proposta de governança deve ser aprimorada, com separação de competências e estrutura de supervisão adequada.
No modelo atual, os custos de precificação de carbono que se instalarão, a depender da caneta do órgão gestor, poderão impactar significativamente setores diversos da economia brasileira.
No que tange às metodologias de originação de créditos de mercado voluntário, sua aprovação e credenciamento é ponto de extrema preocupação.
A proposta prevê que a metodologia REDD+ será aquela regulamentada em âmbito nacional pela Comissão Nacional para REDD+ (CONAREDD+), cuja estratégia atual está direcionada exclusivamente para pagamento por resultados reconhecidos pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima.
Logo, para que metodologias REDD+ embasadas em certificações privadas e globalmente aceitas no mercado voluntário, a exemplo de VERRA, ou mesmo embasadas em mercados jurisdicionais subnacionais sejam passíveis de credenciamento se e quando a intenção for converter os créditos de carbono do mercado voluntário em CRVs, esse novo passo carecerá de nova regulação.
O registro central atribuirá integridade aos CRVs originados de metodologias credenciadas, conferindo robustez a todo o SBCE.
A regulação de nosso mercado de carbono é essencial. O bom é inimigo do ótimo e nunca teremos um projeto de lei perfeito
Por via reversa, metodologias de REDD+ rejeitadas pelo registro central impactarão negativamente a liquidez de créditos de carbono de mercado voluntário delas originados.
Se o registro central funcionará para o mercado regulado como o goleiro das metodologias passíveis de credenciamento que possibilitarão a conversão de créditos de carbono em CRVs, por que não concentrar no próprio registro central a validação da metodologia de REDD+?
Discutir e validar metodologias de REDD+ deve ser exercício técnico, sem ideologias, resultando em ganhos para o país, seja do ponto de vista de política pública, seja do ponto de vista de mercado.
Temos vantagem comparativa inigualável para suprir a demanda global por créditos de carbono de base florestal para compensação, assim como precisamos de capital para financiar a manutenção da floresta em pé, provendo recursos às comunidades locais.
A regulação de nosso mercado de carbono é essencial. O bom é inimigo do ótimo e nunca teremos um projeto de lei perfeito.
Com ajustes pontuais, certamente chegaremos ao fim de 2023 convertendo nossa vantagem comparativa em competitiva, com a atração de capital de qualidade, resiliente e de longo prazo para financiar a transição econômica do Brasil para baixo carbono.
Ana Luci Grizzi é especialista em sustentabilidade, sócia da EY, professora e palestrante.