Precisou assistirmos um sequência de tragédias ambientais nos últimos dois anos de norte a sul, para entendermos na pratica o que já se divulga há décadas. O custo de adaptação climática será incrivelmente mais caro que o de mitigação, mas perdemos esse prazo.
Enquanto negacionistas procuram a todo custo explicar o inexplicável, as principais potências no mundo avançam e nós vamos ficando cada vez mais longe da liderança de uma competição que poderia ser nossa.
Chega a ser cansativo ouvirmos as narrativas dos mesmos personagens em crítica ao uso de carvão chinês, mas esse é o país que ao mesmo tempo mais avança no uso de energias renováveis, não só na produção e uso interno, mas na exportação de componentes e sistemas para o setor. Sua promessa de neutralidade é para 2050.
Também é o país que mais planta árvores no mundo, 7,83 milhões de hectares nos últimos dois anos, e recuperou 4,4 milhões de hectares de pastos. Aliás, o mundo só é positivo em área de florestas pela impressionante área de novos plantios anuais da China e Índia.
Qualquer um sabe que a transição dos países desenvolvidos será difícil e caríssima, pois precisam transformar seus sistemas industriais, energético e transportes.
Essa conta é bem mais leve no Brasil, já que, aqui, esses três setores são de baixa intensidade de emissões, seja pela transformação positiva feita nas últimas décadas no setor elétricos e biocombustíveis, seja pela triste inanição da indústria nacional.
Nos caberia, então, discutir de forma mais séria, sob o ângulo de competição e da ampliação de mercados internacionais, tudo que tange a florestas e agricultura, o famoso “Uso da Terra”.
Continuamos patinando nessa questão. Alguns setores como papel e celulose, suco de laranja, sucroalcooleiro, café e mais uns poucos, antenados as transformações geracional, há muito distanciaram sua produção do desmatamento, seja legal ou ilegal, salvo raras exceções, enquanto outros continuam apostando que precisamos continuar abrir mais áreas.
Acabo de chegar de uma viagem aos Estados Unidos, passando pelos estados de Illinois e Iowa e fechando na capital Washington D.C.. Oportunidade de conversar com produtores, cooperativas e com a academia.
Todos sabem que o meio oeste americano é majoritariamente conservador e republicano. Falar o termo mudanças climáticas é quase um xingamento, pois denota agenda democrata, ou na visão desses, de esquerda.
Mais surpreendente ainda é ver que são esses estados, os governados por republicanos os que mais receberam investimentos do bilionário pacote IRA-Inflation Reduction Act no que tange a transformação energética, e por que não dizer, combate as mudanças climáticas.
Esses investimentos foram para energia limpa como solar e eólica, projetos de CCS (Carbon Capture and Storage, ou, numa tradução livre, sequestro e armazenamento de carbono), estações de biometano, recuperação de mananciais etc.
Isso prova que agenda ambiental não está do lado da direita ou da esquerda, mas do lado da inteligência estratégica. O resto é pura discussão político-partidária.
Dos Estados Unidos, segui para Singapura onde fui convidado a participar de um debate sobre agro, geopolítica e sustentabilidade. Na sala, os CEOs de 30 das maiores empresas de F&A (Food and Agriculture) do Japão, Coreia do Sul, Malásia, Indonésia, Singapura, Tailandia, Índia e China. Painelistas renomados, alguns mundialmente estiveram presentes nesse dia e meio de intensos debates e networking.
A transformação sofrida por esses mercados nos últimos dois anos pós pandemia, e a previsões de futuro deveriam estar na mente de cada empresário brasileiro.
Primeiro rechaçam a narrativa do fim da globalização. Essa profecia já foi repetida após os atentados de setembro de 2001 às Torres Gêmeas, a crise dos sub-primes em 2008/09, Brexit, administração Trump e a COVID, mas nunca se cumpriu.
O que assistimos é a expansão do comercio internacional depois de cada uma dessas situações. Claro que em outras bases, em que os países que têm estratégia mais voltada a composições para livre mercado lideram a competição.
A Ásia, contada por pseudo especialistas como a receptadora de toda porcaria do mundo e que não está nem aí por sustentabilidade, mostra outra cara.
Mais de 60% da juventude no mundo está na Ásia (o Brasil já perder seu bônus demográfico). A partir de 2030, prevê-se que 60% da classe média mundial, aquela que movimenta os mercados, também estará na Asia.
Os países do MENA (oriente médio e norte da África), junto com os APAC (Ásia Pacífico), diminuem suas dívidas enquanto aumentam seus investimentos. Na América Latina, estamos no sentido contrário.
Em todas as crises a Ásia aumentou sua integração comercial e saiu mais fortalecida. Seria coincidência que o RCEP (acordo comercial para simplificar transações entre 15 países asiátricos) entrou em vigor logo após a pandemia? Entre os inúmeros resultados expressivos dessa integração está o aumento em seis vezes das trocas comerciais entre China e Coreia do Sul em apenas dois anos.
E para mostrar como essas transformações estão em curso na região, a Bain & Co liberou uma pesquisa feita em 11 países da APAC, em sete categorias de produtos de consumo entre mais de 16 mil entrevistados.
Queria saber quem são os consumidores de “sustentabilidade”, como que se importam, quais os outlooks e que barreira precisamos superar para acelerar esse processo. Vários mitos foram derrubados com essa pesquisa.
Dividiram o termo sustentabilidade em cinco pilares:
1. Consciência socioambiental
2. Saúde e Saudabilidade
3. Life style
4. Consciência com a qualidade
5. Melhor custo-benefício.
Veja a comparação dos resultados entre as principais regiões no mundo:
Ou seja, na consciência socioambiental são iguais, mais na somatória dessa com saúde e saudabilidade os números asiáticos são superiores as da Europa e Estados Unidos. E com o que mais se preocupam (múltiplas escolhas)?
1. Ingredientes saudáveis: 20%
2. Natural: 18%
3. Alimentos sem aditivos químicos: 15%
4. Alimentos orgânicos: 11%
5. Embalagem sustentável (sem plástico): 8%
6. Símbolos de sustentabilidade: 8%
7. Produção local: 7%
O mundo continua em transformação. O mundo inteligente, ainda mais rápido. O Brasil precisa acordar procurando saber não como o mundo nos enxerga, mas como nós enxergamos, e ainda melhor, como gostaríamos de nos mostrar ao mundo.
Que a tragédia com os irmãos gaúchos nos tragam uma maior consciência agroambiental, projetando-a numa possível liderança mundial que ainda pode ser alcançada. Para isso, o executivo, judiciário e congresso nacional também precisam ajudar a sociedade e o setor privado.
Antes de aprovar ou mudar qualquer lei que tem impacto ao meio ambiente deveriam se perguntar: que impacto essa lei poderá ter na inserção do Brasil nos mercados internacionais?
Ninguém pode parar a globalização produzida pela juventude, muito menos essa conduzida pelos futuros consumidores desse planeta.
Marcello Brito é coordenador do Centro Global Agroambiental e Academia do Agro na Fundação Dom Cabral (FDC).