Por pelo menos 520 anos a região amazônica nunca esteva nas prioridades nacionais. Passou a ser, primeiro pela pressão internacional, só depois por sua real importância ao Brasil. Apesar de sua riqueza, se encontra nos piores lugares de qualquer ranking qualitativo entre os estados subnacionais, salvo em raras exceções.

Com o avanço da economia verde no mundo em razão das mudanças climáticas, a Amazônia aparece como um celeiro de oportunidades para o Brasil.

Dois quesitos chamam a atenção mundial: seu potencial de geração de crédito de carbono via REDD+, restauração florestal e pelos novos sistemas de produção agrícolas como Integração Lavoura Pecuária Floresta (ILPF), Sistemas Agroflorestais (SAFs) e agropecuária regenerativa.

O tema carbono voltou à pauta do Congresso Nacional. No nono e penúltimo ano do acordo de Paris, ensaiamos ter uma lei sobre o mercado de carbono. Bom lembrar que, caso seja agora votado e aprovado, alguma das condições previstas somente entrarão em vigor em 2029, se tudo correr bem na regulamentação.

Mas, infelizmente, o tema ainda não está pacificado entre as casas, pois existe uma disputa regimental sobre de quem será a votação terminativa.

Somente os presidentes Arthur Lira, da Câmara dos Deputados, e Rodrigo Pacheco, do Senado, poderão responder quando finalmente o Brasil será parte do mercado mundial de carbono.

Também não está harmonizado entre os congressistas. Temos três temas, interesses e, por que não, grupos distintos até esse momento. Todos ligados ao mercado voluntário, que envolve a tão desejada atração de capital internacional.

Primeiro, sobre a exportação de créditos, onde burocratas desenham sistema onde o governo de plantão possa ter 100% de controle sobre tudo, tirando qualquer poder de mercado de privados ou subnacionais nas relações comerciais. Vale dizer: para além da Autoridade Nacionalmente Designada, prevista no Acordo de Paris como competente para autorizar exportação de créditos, deseja-se criar uma segunda instância de controle governamental.

O segundo grupo é aquele que insiste em vincular nossos créditos voluntários de REDD+ e de restauração (ARR) à UNFCC e à Conaredd (mesmo que não tenha ajuste correspondente), um órgão de governo, não do estado brasileiro, num modelo que não inclui o Brasil na modernidade da gestão pública, além de depreciar sobremaneira os créditos provenientes da restauração florestal, um dos maiores potenciais desse país. Isso significa menos investimentos.

Por último, estão aqueles que, por não entenderem o que são os sistemas jurisdicionais e não procurarem se informar, preferem bloqueá-los através de artifícios burocráticos.

Nesse último caso, são duas as maneiras de se fazer isso.

  • • Permite-se a existência dos sistemas jurisdicionais subnacionais, mas proíbe-se a venda futura de créditos de carbono. Como o mercado de carbono é, primordialmente a futuro, a coisa não consegue existir.
    • A segunda é impor a necessidade de que todos, sim, todos os proprietários ou ocupantes de terras dentro de um estado deem anuência prévia por escrito para que possam fazer parte dos sistemas jurisdicionais.
  • Vamos entender isso: No PL ora em discussão, há uma regra que diz que “o proprietário e terra pode ,a qualquer momento, negar que sua área seja incluída num sistema jurisdicional numa simples comunicação a autoridade pertinente local”.

Ao mudar essa regra para anuência previa a ser coletada pelo governo com 100% dos proprietários de terras locais, entende-se que, somente na Amazônia, entre assentados, pequenos, médios e grandes produtores, teriam que ser consultados, um a um, cerca de 1,5 milhão de proprietários de terras, entendendo que estes entendem e estão atualizados sobre o mercado de carbono.

Trata-se de modelo completamente impossível de ser feito a luz de qualquer política publica. Mesmo se houvesse, ao ser concluída tal manobra burocrática, o tempo usado para inclusão desses créditos no mercado mundial já teria passado. Mercado de carbono é um mercado sazonal.

Mas, a perversidade com o Brasil não termina aí. Se grandes proprietários de terras podem fazer seu projeto individual de carbono por terem condições técnicas, financeira, escala, conhecimento e acesso ao mercado podem escolher seguir sozinhos, os pequenos não possuem essa possibilidade. O processo é caro e difícil.

A única forma de incluí-los nesse pilar da nova economia verde, com a integridade que o mercado tanto almeja, é através de um sistema jurisdicional subnacional, certificado por regras que entregam compliance e segurança jurídica aos investidores nacionais e internacionais.

Além disso, os estados estão se movimentando para que aprovem em suas assembleias legislativas regras de partilha do valor auferido na venda desses créditos que contemplem os pequenos e médios produtores rurais, indígenas, quilombolas e extrativistas, ou seja, todos saem ganhando.

A proposta dos Estados é que se resguarde o legítimo e constitucional direito à propriedade privada, podendo os proprietários rurais desenvolverem seus projetos e terem seus créditos abatidos da contabilidade do Estado.

Porém não se pode, para garantir isso, matar um sistema que canalizará bilhões de reais para políticas públicas e repartição de benefícios nos próximos anos.

As duas coisas podem conviver perfeitamente. O Estado pode, inclusive, contingenciar os créditos eventuais de proprietários rurais que queiram acessar o mercado por suas próprias pernas, se abstendo de vendê-los a futuro.

Sem isso, o País perderá a possibilidade de atrair recursos por falta de um regramento inteligente que já vem sendo utilizado em outros países mundo afora e é reconhecido pelos investidores como uma prática de altíssima integridade, ao mesmo tempo que esse enorme grupo da sociedade nacional também ficará fora do processo.

As possibilidades abertas pelo mercado de carbono estão a mercê de quem for competente. Ao estado brasileiro interessa uma lei que seja comparável a outras do mundo e, ao mesmo tempo, inteligente para dar ao investidor internacional o poder de escolher o Brasil, entre as várias opções e investimento, como o receptor de sua confiança e seu capital.

Jabuticabas são boas para chupar quando bem maduras e no pé e durante a única safra anual. Conceitos jabuticabas não cabem em mercados internacionais.

Vamos Brasil, já perdemos nove anos e bilhões de dólares. Não há mais tempo a perder.

Marcello Brito é coordenador do Centro Global Agroambiental e Academia do Agro na Fundação Dom Cabral (FDC).