Em 2011, a Tyson Foods, uma das maiores companhias de proteína animal dos Estados Unidos, fechou uma parceria com a Syntroleum Corporation, especializada na produção de combustíveis sintéticos, para testar a conversão de gordura animal em combustível.

O objetivo era ampliar o aproveitamento dos resíduos do processamento das carnes e dar novos usos a subprodutos como o sebo bovino, até então usado quase exclusivamente na indústria de higiene para fabricação de sabão.

Mais de uma década depois, com a expansão das pesquisas, a gordura bovina virou um produto disputado no mercado, item importante para a produção de biodiesel – já é o segundo maior componente individual utilizado na fabricação do combustível, depois do óleo de soja – e passou a fazer parte da pauta de exportações do agronegócio brasileiro.

Em 2023, as exportações de sebo bovino foram recorde: atingiram 246,25 mil toneladas – aumento de mais de 200% em relação ao ano anterior, de acordo com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Desse total, 89% (219,24 mil toneladas) foram para os Estados Unidos – cenário que vem se repetindo em 2024.

Até maio, o volume de sebo bovino exportado foi de 124,1 mil toneladas, quase três vezes mais que o registrado em 2023 (até maio), com 90% dos embarques tendo os Estados Unidos como destino. China e África do Sul também compram o produto.

“O sebo é um resíduo da produção de carne que iria para o lixo. Esse reaproveitamento nasce junto com o processo de economia circular, com os Estados Unidos impulsionando esse movimento”, explica o especialista em biocombustíveis da Argus, Conrado Mazzoni.

E é justamente a demanda dos Estados Unidos que tem ampliado as exportações brasileiras de sebo bovino – e colocado maior pressão nos preços do produto.

No Brasil, o uso de gordura animal como matéria-prima de biodiesel se intensificou a partir de 2017, com o lançamento do Renovabio – o programa de biocombustíveis do governo federal que prevê um tratamento diferenciado para os combustíveis com baixa emissão de gases do efeito estufa (GEE). E a gordura animal contribui com esse objetivo.

Atualmente, segundo a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), a gordura bovina representa 6% da composição do biodiesel produzido no Brasil – atrás da soja (74,7%). Gorduras de porco e frango, de óleo de fritura, além do óleo de milho, canola e algodão, completam a lista de matérias-primas.

Preços em ascensão

Segundo levantamento da Scot Consultoria, o preço do sebo bovino no Brasil Central, estava cotado em R$ 4,40/kg, à vista e livre de impostos no dia 20 de junho. Já a cotação no Rio Grande do Sul, era de R$ 4,50/kg. São valores quase duas vezes mais altos que os praticados no mesmo período do ano passado.

O mesmo movimento é verificado no preço do sebo bruto de São Paulo, acompanhado pela Associação Brasileira da Indústria Saboeira (Abisa), que reúne representantes da indústria de higiene e limpeza. Segundo a Abisa, o preço saltou de R$ 4,95 para R$ 5,25 entre os dias 4 e 5 de junho.

Em comunicado, a Abisa alertou que o setor tem sido impactado pelo maior uso do sebo bovino como matéria-prima dos biocombustíveis, com reflexo na produção e nos preços de sabão e sabonete, pois o aumento do uso do sebo na composição dos biocombustíveis reduz a oferta do produto para a indústria saboeira.

Há, de fato, um limite na oferta de sebo, que depende da expansão da pecuária justamente por ser um subproduto do processamento de carne bovina. “Ninguém cria gado para produzir sebo”, diz Mazzoni, da Argus.

Além do biodiesel e da fabricação de sabão, a gordura bovina também é utilizada na saborização de rações na indústria pet.
Mazzoni lembra que até 2022, o Brasil importava sebo bovino, mas o aumento da demanda por produtos zero carbono mudou esse cenário.

A Scot Consultoria lembra que a oferta de sebo está ligada ao abate de bovinos. “Nos primeiros seis meses de 2024, com o aumento do descarte/abate de fêmeas e, posteriormente, com a seca e a necessária redução da taxa de lotação das pastagens, a oferta de boiadas aumentou no começo de junho”, escreve a consultoria em relatório.

A estimativa dos analistas da Scott é que no primeiro trimestre de 2024, o setor tenha produzido 241.852 toneladas de sebo, dos quais 115 mil toneladas foram consumidas pelo setor de biodiesel – ou quase 47% do total.

Mas essa é uma produção com limite de expansão, segundo Mazzoni, da Argus. “Existe um consenso de mercado de que temos potencial para ter uma produção anual de sebo bovino entre 1,2 milhão e 1,4 milhão de toneladas”, afirma. “A oferta de sebo só aumenta se houver expansão do rebanho, o que não está no radar do Brasil”.