Em quase meia década no setor produtivo de açúcar e etanol, o empresário Hugo Cagno admite que nunca viu um ano tão bom para a cana-de-açúcar como o de 2023. “Choveu muito na hora certa, a produtividade aumentou uma barbaridade e nunca tivemos tanta cana na vida com um preço tão bom para o açúcar”, disse Cagno ao AgFeed.

Além de uma safra recorde de até 640 milhões de toneladas processadas no Centro-Sul até março do próximo ano e de uma produtividade acima de 100 toneladas por hectare, as precipitações na região produtora ajudarão na oferta de cana para o próximo ano e na safra 2024/2025.

“Em 2024 temos garantia de muita cana de novo, o El Niño deve permanecer até abril e, se tivermos um fevereiro chuvoso, está garantida a oferta”, avaliou Cagno, que também é presidente da União Nacional da Bioenergia (Udop), uma das principis entidades do setor sucroenergético.

A oferta de cana foi tamanha que entre 20 milhões e 30 milhões de toneladas disponíveis na atual safra serão processadas somente a partir de março, já na temporada 2024/2025. A oferta de cana puxou principalmente a produção de açúcar, que será recorde e superará 40 milhões de toneladas, com mais 30 milhões de toneladas exportadas.

Essa oferta brasileira encontrou alta demanda no mercado externo e escassez de oferta de açúcar nos principais concorrentes globais.

Com isso, o preço da commodity disparou na Bolsa de Nova York (ICE) e atingiu um pico de 30 centavos de dólar por libra-peso, valor impensável anos atrás.

Os produtores brasileiros aproveitaram para fixar a próxima safra entre 22 e 24 centavos, contra um custo entre 15 e 16 centavos por libra-peso, e garantiram o lucro também para 2024.

Em recente comunicado, a BP Bunge Bioenergia, uma das maiores companhias do setor, estimou que a moagem de cana em 2024/2025 deve apresentar uma leve queda sobre a da atual safra, mas a produção de açúcar pode crescer em torno de 3% chegar a 43,7 milhões de toneladas na estimativa da companhia.

“Após um ciclo marcado por condições climáticas excepcionais e uma produtividade agrícola recorde, esperamos uma diminuição de cerca de 3,6% na moagem para a safra 2024/25, levando em conta a volta às condições climáticas próximas à normalidade”, informou Luciana Torrezan, gerente de Inteligência de Mercado da BP Bunge Bioenergia.

A avaliação do setor empresarial encontra eco entre os principais consultores do setor. Plinio Nastari, presidente da Datagro Consultoria, estima uma moagem em torno de 620 milhões de toneladas no Centro-Sul do Brasil em 2024/2025, ante 645 milhões de toneladas na atual safra.

“A safra atual vai ser estendida, pois temos disponibilidade de cana ainda grande e o tempo está favorável, com precipitações abaixo da média, o que favorece a moagem. Muitas usinas estão empurrando a safra no final de dezembro e muitas planejam retomar as atividades em março”, disse.

Nastari estima uma produção de até 43,8 milhões de toneladas de açúcar nessa região brasileira em 2024/202, ante 41,8 milhões de toneladas na atual safra e 33,7 milhões de toneladas na passada.

“As companhias fizeram hedge e vão executar esse hedge no próximo ano. Muitas melhoraram o processo produtivo e construíram novas unidades para a produção de açúcar”, explicou o analista.

O diretor da Canaplan e sócio da Bioagência, Luiz Carlos Corrêa Carvalho, concorda que a próxima safra de cana-de-açúcar será menor que a atual e que a oferta de matéria-prima seguirá alta.

“Será novamente uma safra açucareira e os preços, que recuaram neste final de ano, vão subir novamente diante das limitações de oferta dos principais países concorrentes, como Índia, Tailândia, Paquistão e México”, avaliou Carvalho.

Segundo ele, o gargalo brasileiro para ampliar as exportações de açúcar está na capacidade portuária capaz de enviar no máximo 31 milhões de toneladas ao exterior por ano. “Nosso limite está nos portos, onde ainda temos de competir com as exportações de soja e milho”, explicou o consultor

E o etanol?

Enquanto o açúcar vive dias de glória, o etanol se transformou no patinho feio do setor produtivo. A série de intervenções governamentais e de países produtores no preço da gasolina e do petróleo freou a recuperação do biocombustível em 2023.

A expectativa, no entanto, é de um cenário menos pior para 2024 com a recuperação nos preços do petróleo e da gasolina, lembrando que a paridade entre o etanol e o combustível fóssil define a demanda pelo biocombustível no Brasil.

“O petróleo deve voltar ao padrão de US$ 80 a US$ 90 o barril e o processo maluco de redução de impostos na gasolina, iniciado no governo de Jair Bolsonaro e mantido julho de 2023, sinalizam para um aumento de demanda e de preços melhores para o etanol” avaliou Carvalho.

Nastari, da Datagro Consultoria, é mais cético e espera que o preço siga baixo, mesmo com a relação com a gasolina favorável ao biocombustível nos postos. “Os estoques estão altos e esse cenário provavelmente não mudará para 2024, a não ser que tenhamos uma recuperação na demanda”, concluiu.