A eleição à presidência dos Estados Unidos, que acontece em novembro, ganhou novos cenários na última semana com a desistência do atual presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, de participar da disputa.

A decisão foi tomada com base em pesquisas que apontavam vitória quase certa do ex-presidente republicano, Donald Trump. Em discurso, Biden exaltou as qualidades de sua vice, Kamala Harris, abrindo espaço para a sua candidatura, que poucos dias depois se mostrou mais competitiva.

Pesquisas divulgadas pela CNN e New York Times, na quarta-feira e na quinta—feira, indicam empate técnico entre Kamala e Trump na preferência de voto dos eleitores.

Para o agronegócio do Brasil, o resultado das urnas importa pelo seu potencial de influência no mercado de commodities e pelo fato de os Estados Unidos serem um grande parceiro e, ao mesmo tempo, o principal competidor no comércio internacional.

Por isso, analistas e empresas observam com atenção os movimentos das campanhas dos candidatos e o papel de cada um na geopolítica global do agronegócio.

“A última gestão de Trump foi boa para o Brasil, incluindo para o agronegócio, pois abriu espaço para a ampliação do comércio com o China”, comentou o coordenador do centro de estudos Insper Global Agro, Marcos Jank, em conversa recente com o AgFeed.

Grandes produtores de soja, milho e algodão, os Estados Unidos intensificaram a disputa comercial com a China na gestão Trump (2017 a 2021), o que reduziu o comércio desses produtos entre os dois países. Isso abriu espaço para o Brasil, que desde 2018 vem ampliando as vendas para os chineses.

No ano passado, o fluxo comercial entre os Brasil e China superou US$ 100 bilhões e, no primeiro bimestre deste ano, as exportações para os chineses responderam por 43% do superávit de US$ 11,9 bilhões registrado pela balança comercial brasileira, segundo a Fundação Getúlio Vargas. A soja lidera as trocas ao lado de petróleo e minério de ferro.

Larissa Wachholz, especialista em China do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI), entende que o Brasil foi bastante beneficiado pela disputa entre Estados Unidos e China, mas não vê grandes mudanças de cenário a partir do resultado das urnas.

“O governo Trump intensificou a disputa com a China, mas não vimos mudanças relevantes na relação entre os dois países a partir da chegada de Biden ao poder”, disse ela ao AgFeed.

Para ela, a tendência é que o Brasil siga ganhando espaço no comércio com a China. “Temos agora que ampliar as vendas incluindo produtos de maior valor agregado, como derivados de leite e carnes processadas”, por exemplo.

Luiz Fernando Roque, analista da Safras& Mercado, não vê grandes mudanças de cenário em caso de vitória democrata, mas indica que foi a tendência de vitória de Trump nas últimas semanas – antes da desistência de Biden – que trouxe oscilação para os preços de commodities como soja e milho na Bolsa de Chicago. “O que traz volatilidade ao mercado é a incerteza”, afirma.

Roque explica que a guerra comercial travada entre China e Estados Unidos no mandato de Trump foi positiva para as exportações de soja do Brasil, que substituíram o produto que antes era vendido pelos Estados Unidos aos chineses, mas tiveram um efeito negativo nos preços.

“Essa substituição resultou em aumento dos estoques nos EUA, que reduziu a cotação da soja na Bolsa de Chicago”, afirmou Roque, lembrando que cenário parecido também se desenhou para o milho – e pode se repetir e atingir outros itens relevantes da pauta exportadora brasileira, como algodão e etanol.

A bolsa de Chicago baliza os preços internacionais das commodities, especialmente agrícolas, e a queda dos preços pode ser um fator negativo para a rentabilidade dos produtores.

“No caso da soja brasileira, o prêmio de exportação pode subir e compensar uma eventual queda da cotação”, lembra Roque.

Para Alcides Torres, da Scott Consultoria, diz que, historicamente, os governos republicanos costumam ser melhores para o Brasil. “Os democratas têm um histórico maior de aumento de subsídios e protecionismo, por serem muito mais ligados aos setores que fazem lobby para o agronegócio americano”, diz.

Em junho passado, o governo Biden-Harris anunciou um incentivo fiscal de US$ 50 bilhões para apoiar agricultores americanos a enfrentar questões climáticas. Mas esse apoio não é exclusividade dos democratas.

Na gestão Trump, os financiamentos do Departamento de Agricultura (USDA) aos agricultores americanos chegaram a patamares históricos, saindo de US$ 11 bilhões em 2017 para US$ 32 bilhões em 2020 – como alternativa para ajudar a lidar com os impactos da pandemia de Covid, mas também com as perdas ocasionadas pela guerra comercial travada com a China.

As disputas de Trump com os chineses resultaram num encolhimento de US$ 100 bilhões no comércio bilateral com a China e em redução dos investimentos chineses nos Estados Unidos – que caíram de US$ 54 bilhões em 2016 para apenas US$ 9,7 bilhões em 2018, segundo o Enterprise Institute, de Washington.

Pesquisas indicam que boa parte dos produtores rurais repetirá o voto em Trump – que conquistou mais de 70% dos votos do meio agrícola quando se elegeu. No meio-oeste, principal região do agronegócio no país da América do Norte, a escolha dos mais conservadores e orientados ao mercado tende a ser Donald Trump.

Mas há também, segundo as pesquisas, os que tendem a escolher os democratas. Nessa lista estão os mais impactados pelos efeitos prolongados da guerra comercial com os chineses, críticos ao enfrentamento da pandemia e à posição de Trump em relação às mudanças climáticas, além da posição do ex-presidente em relação aos imigrantes, que formam a mão-de-obra em muitas propriedades agrícolas. São os mesmos que votaram em Biden na última disputa eleitoral.

Para Wachholz, independente de quem vença, cabe ao Brasil continuar ampliando sua pauta exportadora para a China, mas sem abrir mão de conquistar novos mercados. “Não podemos concentrar os ovos numa única cesta.”