Safra recorde, aumento das exportações para a China e a influência do El Niño nas colheitas e nas rotas de transporte impactaram os custos com frete no ano de 2023 – com queda na rota para os portos do Arco Norte e aumento para o transporte para portos do Sul e Sudeste.

É o que o mostram dados divulgados no Boletim Logístico da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) de dezembro, divulgado na última sexta-feira (15). Outros levantamentos, feitos pela Esalq Log e pela Argus, empresa de inteligência de negócios e consolidação de dados sobre o mercado de commodities, seguem na mesma linha.

De acordo com os números da Conab as variações nos preços dos fretes rodoviários a 57% esse ano, quando comparados ao mesmo período do ano passado. Os custos maiores foram verificados para o escoamento da produção de estados como Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, além do Paraná.

O frete para escoamento de grãos produzidos no Mato Grosso para o Porto de Santos, por exemplo, teve alta generalizada na comparação entre novembro deste ano e o mesmo mês do ano passado.

Na rota com origem em Rondonópolis (MT), o frete chegou a custar R$ 430,00 por tonelada, alta de 54% quando comparado a novembro de 2022 (R$ 280,00). Houve aumento também nos fretes que saíram de Primavera (48%), Sorriso (25%), Campo Novo (21%) e Querência (23%) – todos na rota para Santos (SP).

“O ano de 2023 foi bastante incomum”, comenta João Petrini, especialista em agricultura da Argus. Segundo ele, o clima impactou o ritmo de escoamento da safra – com seca que causou paralisação de hidrovias na Amazônia e no Pará e, ao mesmo tempo, chuvas que causaram estragos nas rodovias do Sul, prejudicando o escoamento pelo porto de Paranaguá.

“O fluxo de exportações também foi atípico e tivemos um descasamento entre os custos de frete para grãos e insumos, o que impactou o mercado”.

Há mais dados comprovam o cenário. No porto de Paranaguá, de acordo com a Argus, a fila de espera para escoar a produção chegou a 84 dias em novembro desse ano – era de 14 dias em novembro do ano passado. Em Santos, a espera saltou de 5 dias em 2022 para 17 dias em 2023.

Além das questões climáticas, o que impactou a movimentação dos portos foi a necessidade de mudança nos planos para escoar a produção, devido à redução da oferta de barcaças nas hidrovias dos rios Madeira, Tapajós e Amazonas, atingidas pela seca extrema causada pelos efeitos do El Niño nas regiões Norte e Centro-Oeste.

Como resultado, os produtores dessas regiões, especialmente os do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, precisaram utilizar rodovias para escoar a produção, já que o planejamento para uso de ferrovias é mais trabalhoso e dependem das hidrovias para facilitar acesso.

De acordo com o Boletim Logístico da Conab, boa parte da produção do Centro-Oeste precisou ser escoada para os portos de Santos e Paranaguá – em substituição às opções do Arco Norte, que foram afetadas pela seca das hidrovias.

O Porto de Paranaguá, por exemplo, foi destino principal de produtos vindos de Sorriso, Primavera e Rondonópolis, do Mato Grosso. Para esse transporte, os produtores chegaram a pagar, respectivamente, 18%, 33% e 37% a mais no frete rodoviário para escoar suas safras.

Situação semelhante foi verificada no Paraná, onde o frete para escoamento das produções saídas de Campo Mourão, Cascavel, Ponta Grossa e Toledo com destino ao Porto de Paranaguá subiram 57%, 50%, 23% e 38%, respectivamente.

De acordo com a Conab, a maior demanda da China por produtos como o milho, trigo e soja estimulou as exportações de grãos – e elevou a pressão sobre os preços do frete. No período entre janeiro e novembro de 2023, as exportações milho somaram 49,8 milhões de toneladas, aumento de 34,9%, dos quais 37% tiveram a China como destino.

No Paraná, a Conab identificou uma tendência de baixa dos preços dos fretes a partir de outubro – revertendo a tendência do ano. A explicação está no fato de a comercialização de soja e milho continuar em ritmo baixo em função do valor não atrativo das commodities e de a comercialização estar focada em redução de estoques de safras anteriores.

Esse movimento ocorre com maior volume na região de Campo Mourão, o que provoca maior variação dos valores dos fretes, além de movimentação mais intensa para portos de fora do estado, reduzindo o escoamento para Paranaguá.

Durante novembro a soja teve impacto negativo nos preços de fretes em Cascavel (-6,25%) e em Ponta Grossa (- 9,09%), quando comparados com outubro passado, e positivo em Campo Mourão (8,28%). No caso do milho, o cereal teve impacto negativo nos fretes, partindo de Toledo para Paranaguá (-6,45%) e de Toledo para o Rio Grande do Sul (-5,08%).

“Os estoques existentes nos armazéns de milho da primeira safra 2022/23, e a soja da safra passada são estimados em 11% e 23,5% a comercializar, respectivamente, enquanto a segunda safra 2022/23 de milho tem cerca de 44% a comercializar”, informa a Conab.

Arco Norte

No Arco Norte, a tendência dos preços foi de queda. A falta de chuvas secou rios e prejudicou o escoamento da produção pelas hidrovias que atendem os portos da região.

As rotas que tinham como destino Miritituba e Santarém, no Pará, e Porto Velho, em Rondônia, foram as mais afetadas pela baixa navegabilidade dos rios.

Com isso, os valores de frete da rota entre Campo Novo (MT) e Porto Velho (RO), por exemplo, tiveram aumento de 28% em novembro quando comparado ao mesmo mês do ano passado – mas recuo de 8% na comparação entre novembro e outubro desse ano.

O preço para os embarques saídos de Sorriso (MT) com destino a Santarém também recuou 8% entre outubro de novembro, mas acumulam alta de 18% em relação a novembro do ano passado.

Já o transporte entre Sorriso e o porto de Mirituba, no Pará, registrou queda de 10% no preço entre outubro (R$ 290,00) e novembro (R$ 260,00), com pouca oscilação em relação a novembro do ano passado (R$ 250,00).

“Na medida em que a capacidade de transporte fluvial foi reduzida, agendamentos que deveriam ser realizados deixaram de ser feitos, afastando os transportadores rodoviários que buscaram trajetos com maior volume e fluxo”, destaca o relatório da Conab.

Além das rodovias, o excedente de transporte decorrente da redução de fluxo para essas regiões do Arco Norte foi direcionado para o modal ferroviário, a exemplo dos transbordos envolvendo Rondonópolis e Alto Araguaia (MT).

Perspectivas

Para os próximos meses, A Conab prevê tendência de menor oscilação dos preços, já que as projeções são de safras menores em 2023/24 tanto para soja, quanto para o milho.

Petrini, da Argus, também aposta em manutenção de preços, mas com viés de alta. “O cenário de atraso no plantio da soja pode impactar os prazos de colheita e provocar uma disputa entre os estados por transporte, pressionando o frete”, diz.

Para o analista da Argus, a volta das chuvas na região Norte e Centro-Oeste pode ajudar a colocar em operação hidrovias que estavam paralisadas, mas lembra que a estimativa dos meteorologistas é de que o El Niño ainda perdure pelo menos até março do ano que vem, trazendo incertezas em relação a como será o comportamento do clima no período de colheita e escoamento da produção.

Já a Esalq Log, braço em pesquisa em logística da Universidade de São Paulo, estimam alta de até 15% nos custos com frete para a próxima safra por causa do adiamento do plantio – que vai impactar a colheita, além das projeções da safra, que tende a seguir em alta apesar das perspectivas de colheita menor de grãos previstas pela Conab.

No caso do milho, de acordo com a Conab, até dia 2 dezembro, 60% da primeira safra estava plantada, representando um atraso de 15,7%, quando comparado com o mesmo período no ano passado.

Em Minas Gerais, as chuvas favoreceram o plantio, enquanto no Rio Grande do Sul, a melhora do clima – com mais dias de sol – favorecem o cultivo em fase reprodutiva, diferente do Paraná, onde a chuva ainda impede a semeadura.

Já a soja, tem 83,1% da área semeadas, com o plantio quase finalizado em Mato Grosso e no Paraná e alguma evolução no Rio Grande do Sul, onde o tempo mais seco permitiu o início do plantio, apesar do atraso. Goiás e Mato Grosso do Sul intensificam o plantio em razão do retorno das chuvas.

“O produtor vai precisar se planejar. Se os preços das commodities para exportação voltarem a subir, haverá uma tendência de venda maior do que a verificada na última safra, quando os preços estavam mais baixos”, lembra o analista da Argus.