Há um coringa na manga de agricultores de diversas regiões do país para o caso de as condições desfavoráveis de clima comprometerem as janelas de plantio do milho safrinha, no início do próximo ano.
Com demanda crescente em vários setores da agroindústria e mais fácil adaptação ao estresse hídrico, culturas como o sorgo e o milheto têm ganhado terreno nas lavouras como uma alternativa viável e lucrativa.
Sobretudo o sorgo, que vem caindo no gosto do produtor rural, independentemente das incertezas em relação ao clima. Este ano de acordo com o IBGE, foram produzidas 4,2 milhões de toneladas do grão no País, um aumento de 47,2% em relação a 2022.
Diretor executivo da Latina Seed e um dos idealizados do Movimento +Sorgo, Willian Sawa explica que o sorgo tende a ganhar ainda mais espaço nos campos do País, inclusive como produto com grande potencial econômico e para exportações.
E isso pode, nos próximos anos, fazer do Brasil o terceiro maior produtor mundial da cultura, bastante popular em países do hemisfério Norte.
“A produção de sorgo no Brasil vai se consolidar quando o produtor começar a ter garantia de demanda, seja por parte da indústria nacional, ou via exportações. Nesse cenário, o Brasil tende a aumentar em até 20% na área destinada ao sorgo até 2026 e chegar ao posto de terceiro maior produtor do mundo”, prevê Sawa.
A tendência de crescimento da cultura já aparece nas demandas às empresas de sementes. O sorgo se destaca em um mix de culturas alternativas ao milho, cuja área plantada deve cair já a partir da safra de verão e, particularmente, na safrinha.
“A redução da área no verão em sua maioria foi substituída por soja. Para a safrinha, a tendência é o crescimento de culturas alternativas como sorgo, milheto, feijão, forrageiras e mix de coberturas”, afirma Luciano Albernaz, Diretor de Sementes da Lavoro.
Juca Matielo, diretor comercial da ATTO Sementes, diz que a procura por sementes de híbridos de milheto graníferos está bastante aquecida justamente por ser uma estratégia de plantio pós-soja. “O híbrido de milheto é uma opção que garante rentabilidade e baixo risco”.
Já a demanda de sorgo tem crescido a despeito do clima, segundo Lucas Silveira, Gerente de Portfólio de Sorgo Américas da ADVANTA, uma empresa do grupo UPL. “Nos últimos dois anos, o volume de vendas de sementes de sorgo dobrou”, afirma.
“O sorgo é um produto que atende a demanda da indústria de rações animais, incluindo para pets, além do consumo humano porque é um grão sem glúten que já é utilizado para produção de farinhas e massas em outros países”, afirma Sawa, do Movimento + Sorgo.
Esses são usos apenas do sorgo granífero – cuja produção é monitorada por Conab e IBGE. Mas existem ainda outras variedades, como o forrageiro – usado para pastejo e complemento alimentar para gado – e o biomassa, destinado à produção de energia, com poder calorífico similar ao da cana-de-açúcar. Para esses, a produção ainda não é captada pelas estatísticas.
“Acreditamos que há um grande potencial de expansão da área plantada com sorgo no país”, diz Silveira, que prevê aumento dos investimentos nesse tipo de cultivo assim que o Brasil conseguir se consolidar como exportador com capacidade de atender o mercado chinês, que hoje é maior importador de sorgo do mundo e é atendido principalmente por Estados Unidos e Argentina.
Sawa reforça que existe uma demanda reprimida para os diversos tipos de sorgo produzidos no país, tanto para atender o mercado interno, quando externo.
“Além da China, a indústria brasileira de rações tem interesse em comprar sorgo para compor seus produtos”, diz, mencionando como exemplo a indústria de aves que, sozinha, teria potencial para consumir, por ano, cerca de 4 milhões de toneladas – quase que a totalidade do que é produzido hoje.
Entre as safras de 2020/21 e 2021/22, a área plantada de sorgo já havia tido expansão de quase 20%, enquanto na safra atual foi de 25% - de 1,2 milhão de hectares para 1,4 milhão de hectares, segundo a Conab.
A estimativa é chegar a 2 milhões de hectares até 2026 e ter produção perto de 5 milhões de toneladas na década de 2030.
Essa são expectativas que, para Sawa, são subestimadas por não considerar dados de outras espécies de sorgo – como o forrageiro e de biomassa. “Temos tudo para chegar a 5 milhões de hectares até 2026, especialmente se o sorgo for usado para recuperar áreas degradadas”, diz.
Outro fator que mostra o ritmo e o potencial dessa expansão é o processo de zoneamento de áreas para sorgo, que vem crescendo. Nesse processo, estados que até então priorizaram outras culturas passaram a plantar não apenas o sorgo granífero, mas também outras espécies – casos do Paraná e Mato Grosso do Sul.
Goiás é hoje o principal produtor de sorgo do país, respondendo por 35% da safra, seguido por Minas Gerais, que tende a ser superado por Mato Grosso do Sul esse ano.
Mas de Norte a Sul também há registro de incremento de cultivo. De acordo com o IBGE, nesse ano houve um aumento na área plantada na região Norte (56%), Sudeste (75%) e Centro Oeste (38,5%).
A Bahia é um exemplo. Segundo estimativas da Associação de Agricultores e Irrigantes da Bahia (Aiba), o cultivo de sorgo deve crescer 12% na safra 2023/24.
A expansão se dá em substituição a áreas de milho. Mas, de acordo com a Aiba, a estimativa é que se mantenha devido ao nível de produtividade, que na Bahia chega a 60 sacas por hectare.
No Nordeste, além de usado para base para ração animal, especialmente na indústria de aves e de gado de corte e leite, o sorgo alimenta também rebanhos de cabras. Em Rondônia, por sua vez, é usado como ração para peixes da psicultura.
Mundialmente, o sorgo já é o quinto cereal em total de área plantada, atrás de trigo, arroz, milho e cevada. Nigéria e Estados Unidos são os principais produtores e a China, o maior consumidor do sorgo americano – muito utilizado na suinocultura.
Os africanos também exportam, mas a maior parte da produção é usada para consumo doméstico, inclusive para produção de farinhas, bolos e massas para consumo humano.
Nos Estados Unidos, onde a produção e o consumo já são consolidados, o sorgo tem diversas utilizações. Além do uso como ração animal, 12% da safra é destinada à produção de biocombustível, algo que acontece também no Japão, onde estudos mostram potencial para produção de biogás a partir da biomassa de sorgo como já é feito com milho e cana, por exemplo.
No Brasil, segundo Sawa, além do etanol e da biomassa há um grande potencial para o uso do sorgão gigante para queima em caldeiras de usinas termelétricas, em substituição do carvão vegetal feito com madeira.
“É mais sustentável porque não precisamos tirar de lugar algum. É possível plantar sorgo com essa finalidade exclusiva”, afirma.
Para além dos seus vários usos, a Embrapa estima que a produção do sorgo tem um custo entre 20% e 30% menor do que o milho. No uso para produção de biodiesel, o nível de produtividade é praticamente igual, enquanto para uso em ração animal, especialmente nos gados de corte e leite, o potencial nutritivo é considerado alto.
O sorgo também ajuda a recuperar solos degradados, por consumir menor água e ser mais resistente a substâncias como o alumínio, muito presente em solos como os de Minas Gerais.