O encontro entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Xi Jinping, no mês passado, abriu uma fronteira importante para a ampliação do espaço ocupado pelo agronegócio brasileiro no mercado chinês. A assinatura de quatro protocolos entre o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) e a Administração Geral de Aduana da China (GACC) carimbou os passaportes de produtos como uvas frescas, gergelim, farinha, óleo e outras proteínas e gorduras derivadas de peixe para alimentação animal e sorgo.

Todos representam uma ótima notícia, mas esse último mexe com o agronegócio brasileiro de maneira bem particular. Isso porque o potencial produtivo e mercadológico do sorgo vem crescendo ano a ano e a abertura do mercado chinês deve consolidar esse grande impulso para a cadeia produtiva.

Para o presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Milho e Sorgo (Abramilho), Paulo Bertolini, a assinatura desse protocolo foi apenas a oficialização de algo que já estava certo.

“Eles já sabiam que aconteceria a liberação para o sorgo brasileiro”, afirmou o dirigente, referindo-se aos chineses. Na primeira quinzena de novembro, Bertolini esteve na China, em uma missão empresarial conduzida pela Abramilho e voltou de lá com as melhores perspectivas possíveis.

“Acreditamos que nos próximos oito meses já tenhamos empresas habilitadas para a exportação do sorgo”, disse Bertolini.

Ainda há uma série de exigências a serem cumpridas até que o sorgo brasileiro de fato entre no território chinês. De acordo com o pesquisador da Embrapa Milho e Sorgo, Frederico Botelho, a maior parte está relacionada a questões fitossanitárias, principalmente sobre pragas quarentenárias, como fungos, bactérias e plantas daninhas.

“Caso seja encontrado qualquer problema em um único grão, a negociação toda é barrada e o carregamento completo tem de voltar à origem”, afirmou.

As dimensões dos negócios envolvendo o sorgo no mercado chinês, e as consequentes oportunidades, justificam o período e os esforços para tal adequação.

“A China importa quase 90% da produção mundial. Na safra 2023/2024, foram 8,3 milhões de toneladas, a maior parte produzida nos Estados Unidos”, disse Botelho. “Também são importantes fornecedores para os chineses Austrália e Argentina.”

Os números do sorgo no Brasil confirmam o grande potencial do País para abastecer os chineses. A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) estima que a produção de sorgo na safra 2024/2025 passará de 4,5 milhões de toneladas, volume 3% superior ao registrado na temporada anterior (4,4 milhões de toneladas). E bem mais que o dobro (121,6%) em relação aos 2 milhões de toneladas colhidas no período 2014/2015.

Diferentemente do que acontece no mercado brasileiro, na China muito pouco do sorgo vai para alimentação animal. “No mundo, o sorgo é mais adotado para alimentação humana. Na China, quase 95% têm esse destino”, afirmou Botelho.

O presidente da Abramilho cita ainda outra aplicação. “Usam também para a produção de uma bebida alcoólica, uma espécie de cachaça que eles têm por lá”, disse Bertolini, acrescentando: “Estamos entre o terceiro e o quarto maiores produtores globais de sorgo e, por suas características, a cultura tem um potencial enorme de crescimento”.

Entres essas características estão a diversidade para aplicação, a capacidade de se adaptar a diferentes condições edafoclimáticas, a grande produção de biomassa por hectare, a possibilidade de cultivo mecanizado, além de todos os trabalhos de pesquisa e de melhoramento genético já realizados com a planta. “O sorgo já é estudado pela Embrapa há mais de 50 anos”, afirmou Botelho.

Mesmo com todos esse fatores, a cultura só começou a ganhar mais espaço de maneira mais sólida e consistente quando o mercado entendeu melhor seu valor e aumentou a demanda. Segundo o pesquisador da Embrapa, ainda que o potencial da planta fosse conhecido, o produtor de sorgo não tinha a segurança de poder travar preço, de entrar no mercado futuro.

“Em muitos casos, plantava sem saber para quem venderia. E, por isso, a definição de plantio oscilava muito”, disse Botelho. “As empresas de ração, que não davam uma estabilidade para os produtores nas negociações, agora tratam esse relação de outra maneira, olham com outros olhos.”

A própria Embrapa Milho e Sorgo tem feito pesquisas com o grão inclusive para produção de etanol, o chamado sorgo sacarino, que é melhorado geneticamente com esse objetivo. O produto surgiu como uma opção para os usineiros na entressafra, porém não emplacou.

“Mas entendemos que há potencial, e o momento do sorgo sacarino pode chegar”, afirmou Botelho. Os estudos genéticos continuam.

Outra linha de pesquisa da Embrapa, realizada desde 2014, é voltada ao sorgo-biomassa, uma alternativa sustentável para geração de energia. O foco desse trabalho, que envolve diferentes unidades da empresa, é o uso de cultivares com alto desempenho agronômico, que ofereçam uma boa quantidade de biomassa para ser transformada em briquetes ou pellets.

Neste caso, a sustentabilidade vem também pela facilidade logística, tanto de transporte quanto de armazenamento do material.

Em outubro, a Embrapa realizou os primeiros testes para produção de briquetes com o sorgo-biomassa em escala industrial, por meio da parceira com a empresa Calmais. E os resultados forma positivos, com boa formação dos briquetes, sem fragmentação, aumentando as perspectivas.

As pesquisas indicam que esse material pode substituir em até 66% a biomassa de madeira em processos de queima, mantendo o conteúdo energético equivalente ao da queima da madeira e com teores de cinzas abaixo de 3%.

O horizonte de oportunidades para o sorgo brasileiro é amplo. Mas os desafios também não são poucos. Dentro das fazendas, o leque de insumos específicos para a cultura ainda é pequeno, como a variedade de defensivos devidamente registrados para essa aplicação.

O quadro é semelhante em relação a recepção e armazenagem dos grãos, que, por serem menores que os do milho, por exemplo, precisam de um manejo diferenciado. “Se já falta estrutura de armazenamento para as culturas maiores, o que dizer do sorgo”, disse Botelho.

São desafios que precisam ser encarados aqui para fazer do sorgo um negócio com a China.