Nesta quarta-feira, 11 de setembro, o governador paraense, Helder Barbalho, fez a identificação do primeiro animal a integrar o Sistema de Rastreabilidade Bovídea Individual do Pará (SRBIPA).
A meta desse programa é, no mínimo, ambiciosa: identificar cabeça a cabeça todo o rebanho bovino e bubalino em trânsito até dezembro do ano que vem – o mês da COP – e concluir todo o processo de identificação até dezembro de 2026.
O lançamento do projeto, anunciado com estardalhaço durante a COP28, de Dubai, aconteceu em uma cerimônia realizada no Parque de Exposições Orlando Quagliato, no município de Xinguara. O boi Pioneiro, animal que estreou o processo, recebeu dois brincos, um de identificação visual e um botton eletrônico.
A iniciativa é um avanço na rastreabilidade bovina porque, além da identificar os animais, permite saber com precisão em qual fazenda nasceu e por quais outras passou.
O cruzamento de informações associadas aos brincos de identificação possibilita ainda saber a condição legal de qualquer uma das propriedades pelas quais o animal transitou. Outros dados coletados estarão relacionados: número de registro da propriedade; informações sobre sexo e sanidade dos animais; data e tipo de identificação.
Todas esses dados podem ser auditados, condição assegurada pelas portarias de criação do projeto. No caso das informações socioambientais, as bases que servem de fonte são as mesmas utilizadas pelo Ministério Público Federal (MPF).
Além de garantir maior integridade para a pecuária paraense, o projeto abre perspectivas para conquistar espaço nas exportações de carne bovina.
Inclusive, a numeração da identificação dos animais vai começar pelos dígitos 076, padrão internacional adotado pelo Brasil semelhante ao DDI nacional – 55 – do sistema de telefonia. Dessa forma, quando o animal for exportado, será possível identificar rapidamente que sua origem é brasileira.
No mês passado, o governo paraense já havia padronizado o sistema de rastreabilidade, que será coordenado pela Agência de Defesa Agropecuária do Estado do Pará (Adepará).
A participação no SRBIPA é obrigatória, mas como um estímulo à adesão o governo paraense fornecerá os brincos a produtores com até 300 hectares e até 100 cabeças de gado.
“Somados esses dois critérios, são 40% das propriedades paraenses”, afirmou Barbalho, em seu discurso durante o evento em Xinguara.
Momento de transição
Para a engenheira agrônoma Marina Guyot, esse momento é um marco para a pecuária paraense. “Trata-se de um aperfeiçoamento histórico e necessário para o setor, com poder de impulsionar a transição pecuária para uma nova realidade, livre de irregularidades ambientais e com ganhos na produtividade”, disse Marina, que é também gerente de Políticas Públicas do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) e está diretamente envolvida com o projeto.
O Imaflora representa a sociedade civil no Conselho Gestor do SRBIPA, que reúne todos os stake holders do SRBIPA. Para Marina, a inovação paraense é bastante desafiadora, pois, segundo dados da Adepará, o Estado tem o segundo maior rebanho do Brasil, com 24,84 milhões de cabeças, distribuídas por quase 166 mil propriedades.
Uma mudança como essa, ainda mais de forma compulsória, não acontece da noite para o dia. Segundo a gerente do Imaflora, não se muda uma prática centenária apena com decreto. “O decreto é imprescindível, mas tem de vir acompanhado de instrumentos para essa transição”, afirmou.
Por isso, o projeto foi desenhado com tais mecanismos. “Há, por exemplo, um programa de requalificação ambiental, pelo qual o pecuarista reconhece seu passivo ambiental e assume o compromisso de resolvê-lo”, afirmou Marina. Enquanto isso, o produtor recebe um certificado para poder continuar a comercialização de seus animais.
A própria composição do Conselho Gestor é uma medida para otimizar esse processo de transição. O Imaflora, inclusive, pode contribuir fazendo a conexão dessa iniciativa do governo paraense com oportunidades de financiamento, até porque é preciso de recursos para a implementação de todas as etapas, mais ainda nessa fase inicial.
Desafios pelo caminho
O País já tem um padrão de rastreabilidade bovina, o Sistema Brasileiro de Identificação e Certificação de Origem Bovina e Bubalina (SISBOV), criado em 2002 para atender às exigências da União Europeia após o “mal da vaca louca”, como ficou conhecida encefalopatia espongiforme bovina.
Mas a adesão a esse protocolo é voluntária e a adoção acabou ficando restrita aos produtores que pretendem exportar para mercados mais exigentes, como o europeu. O avanço contínuo do desmatamento na Amazônia trouxe o assunto novamente ao centro das discussões nos últimos anos.
Uma pesquisa do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), por exemplo, indicou que a pecuária pode contribuir para o desmatamento de 3 milhões de hectares na Amazônia entre 2023 e 2025 se não houver a adoção de rastreabilidade dos animais.
A situação, entretanto, já foi pior no passado. Há 15 anos, em 2009, o Ministério Público Federal (MPF) processou frigoríficos com atuação no Pará por problemas ambientais. Das 200 mil propriedades rurais (incluindo todas as atividades agropecuárias) no Pará, à época somente 69 tinham licença ambiental e apenas 4% possuíam o CAR.
Hoje, os grandes frigoríficos do País já possuem o rastreamento direto de seus fornecedores – inclusive os do Pará. Mas a verificação do que acontece com os indiretos ainda é uma dificuldade a ser ultrapassada, sobretudo com a aproximação da entrada em vigor da Lei Antidesmatamento da União Europeia,
Uma das principais parceiras do governo do Pará nessa iniciativa é a JBS, que prometeu, em dezembro do ano passado, investir R$ 43,3 milhões nos próximos três anos em ações para melhorar a rastreabilidade da cadeia no estado.
Uma parte desses recursos – R$ 5 milhões – vai para o Fundo da Amazônia Oriental (FAO), veículo de financiamento privado com participação do governo paraense com a ideia de apoiar pequenos produtores a custear a aplicação dos brincos. Na unidade de Marabá (PA), a gigante do setor de proteína animal fez um projeto piloto para entender como a rastreabilidade individual se comportava.
“Foram mais de 150 fazendas que a gente foi lá e ‘brincou’. Isso é mais de um terço das fazendas que vendem o ano inteiro. Então a gente testou e falou: ‘Todas elas dá para brincar’”, disse Fábio Dias, diretor de Pecuária da Friboi e líder de Agricultura Regenerativa da JBS, ao AgFeed.
Com reportagem de Italo Bertão Filho.