A COP 28 terminou esta semana sob a marca da falta de uma identidade mais clara. Enquanto muitos comemoraram o fato de, pela primeira vez, a declaração final de uma conferência do clima ter incluído o conceito de redução de emissões para o setor de combustíveis fósseis, outros tantos acharam tímidas as menções ao segmento.
Também ficou a sensação de que seria necessário ter avançado mais nas questões envolvendo o financiamento das transformações nos sistemas alimentares.
Nos últimos dias, o AgFeed conversou com representantes do setor privado e de associações que desembarcaram de volta de Dubai para ter um termômetro do que, na visão de cada um, avançou e quais desafios ainda estão pela frente para serem endereçados pelo Brasil até 2025, quando sediará 30ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, em Belém, no Pará.
O consenso é que a aprovação do processo de mensuração dos esforços que os países estão fazendo para atingir as metas de redução nas emissões de gases do efeito estufa (GEE), o chamado Global Stocktake, fixadas no Acordo de Paris, foi o grande avanço.
Por contemplar os sistemas alimentares, o mecanismo beneficia o Brasil, na visão da maioria dos entrevistados.
O grande desafio nacional está em conseguir equilibrar o controle das emissões de GEE considerando agricultura e combustíveis fósseis, responsáveis por 30% e 70% das emissões, respectivamente.
O Brasil tem, atualmente, 47% de sua matriz energética considerada renovável, com potencial de ampliação.
Mas o acordo assinado pelos países prevê se chegar a um nível zero de emissões via matriz energética, considerando uma transição para zero emissão de combustíveis fósseis – ou seja, quase que eliminação do petróleo como fonte de energia.
Isso ocorre num momento em que o Brasil caminha na direção contrária ao aceitar o convite para integrar a Opep (Organização dos Países Produtores de Petróleo) e ter acabado de licitar novas áreas de exploração de petróleo e gás em terra e no mar, num leilão que arrecadou R$ 421 milhões aos cofres da ANP (Agência Nacional do Petróleo e Gás).
A seguir, destacamos o que cada um dos entrevistados entendeu como principais resultados da COP28, realizada nas últimas duas semanas, em Dubai, nos Emirados Árabes:
“Financiamento para a transição energética e agropecuária de baixo carbono”
A mobilização de US$ 83 bilhões em fundos para investimentos e empréstimos voltados para a transição energética e para avançar na pecuária de baixo carbono, segurança alimentar e proteção de florestas está entre alguns dos destaques da COP-28 na visão do sócio-diretor da Agroícone, Rodrigo Lima.
Segundo ele, a menção no texto do acordo ao “global investment gap”, ou seja, de que há um gargalo financeiro para se realizar a transição para uma economia de baixo carbono – incluindo energia e agro - é importante porque mostra que o financiamento precisará vir de várias frentes e não apenas no formato de doação.
“Ter mobilizado esse valor é bastante substancial. Nenhuma outra COP conseguiu isso”, diz.
“Tem uma mensagem mais do que contundente quanto a necessidade de financiar de várias formas, com fundos privados investimentos, bonds sustentáveis e todo um arsenal de instrumentos financeiros que permitam fortalecer a agropecuária de baixo carbono, resiliente e que promova inclusão, inovação, aumento de produtividade e redução de emissões”, afirma.
Lima lembra que tratar de financiamento para a implementação das ações nos países super relevantes, pois 141 nações querem adotar ações de agropecuária. “Isso significa uma multiplicidade de ações sempre considerando potencial de reduzir ou remover carbono, mitigação, adaptação e cobenefícios.”
O processo de avaliação dos esforços dos países para cumprimento das metas do Acordo de Paris foi outro destaque. “Foi a primeira vez que se aprovou um processo contínuo de avaliação permanente para orientar a atuação dos países e das partes visando maior ambição”.
Segundo Lima, a decisão trouxe resultados importantes porque propõe como caminho a ser adotado uma meta de triplicar a geração de energias renováveis globalmente até 2030 e dobrar a taxa anual de eficiência energética.
O maior impasse, na visão de Lima, foi a definição de um grupo de coordenação para conduzir os relatórios anuais sobre o Fundo Verde para ao Clima, o Fundo de Adaptação e o Centro de Tecnologia, que apoiam ações climáticas de agricultura, uma demanda dos países africanos, mas com necessidade de destinação de mais recursos.
“Não houve consenso sobre isso”, diz. A falta de uma decisão final prejudicou a criação do portal do grupo de Sharm El-Sheikh, no qual os países apresentam e formalizam suas políticas de ação climática para a agropecuária.
“No Brasil, a gente teria, por exemplo, um portal dentro da convenção onde poderíamos registrar o Plano ABC+ como a estratégia brasileira”.
“Mensuração de resultados considerando sistemas alimentares beneficia o Brasil”
Para João Adrien, responsável pelo desenvolvimento da estratégia ESG para o setor agro do Itaú BBA e vice-presidente da Sociedade Rural Brasileira, a “maior entrega” da COP28 foi o mecanismo do Global Stocktake, que traz maior transparência ao que foi definido no Acordo de Paris, além de considerar os sistemas alimentares que, na visão dele, é fundamental.
“Há agora uma visão holística em relação ao que os países estão fazendo, o que não era captado na forma de prestar contas. Esse novo instrumento também faz uma referência muito clara aos sistemas alimentares. Sabemos que esse é um setor que vai ser muito impactado pelas mudanças do clima e, ao mesmo tempo, tem um papel importante nas emissões, pois respondem por 30% delas”.
Adrien lembra ainda que a menção aos sistemas alimentares com um olhar de resiliência e adaptação para garantir segurança alimentar é extremamente importante, especialmente por beneficiar o Brasil.
Segundo ele, essa foi a grande oportunidade da diplomacia brasileira, que trabalhou para incluir os sistemas alimentares na redação proposta.
“O Plano ABC+, alinhado ao programa de recuperação de pastagens degradadas, contempla elementos que foram colocados como diretivas do Global Stocktake. Para nós, é muito oportuno que isso faça parte da mensuração do Acordo de Paris, pois é algo que já estamos fazendo. Conseguimos emplacar uma definição para mensurar esforços a nível global com base no que já é feito a nível doméstico”.
“É preciso mais ambição para reduzir o aquecimento global”
Na visão de Giuliano Alves, da Abag, apesar dos avanços obtidos no Global Stocktake, ainda faltou “ambição” dos países para que a meta de redução dos índices de aumento da temperatura global firmada no Acordo de Paris – entre 1,5ºC e 2ºC - seja de fato cumprida.
“Ao mesmo tempo que houve redução da expectativa de aumento da temperatura, ainda não é suficiente para atingir a meta. É necessário maior ambição por parte das NDCs nas rodadas do ano que vem e na próxima”, diz.
As NDCs são as metas e os compromissos de redução de emissões de gases do efeito estufa (GEE) assumidos por cada país que assinou o Acordo de Paris. As NDCs são específicas para cada nação, pois foram traçadas conforme a realidade e as especificidades dos países signatários do tratado.
Outro ponto que ficou para ser decidido nas próximas edições da COP, é a criação de um mercado de carbono global.
“Por conta das divergências quanto à transparência e governança, não se tomou uma posição e o mercado de carbono não avançou no artigo 6.2, que trata de acordos bilaterais para comércio de crédito de carbono entre os países, e no artigo 6.4, que previa mercado de carbono global com possibilidade de cooperação entre países desenvolvidos e projetos a serem implementados por nações em desenvolvimento.”
O ponto positivo, segundo Alves, está na determinação de uma meta global de adaptação, prevendo triplicar a oferta de fontes renováveis na matriz energética global por deixar para o agro as ações consideradas de adaptação – enquanto a mitigação ficou para o setor de energia.
“Isso é importante porque, na perspectiva brasileira, nossas políticas e metas estão bem encaminhadas nessa agenda de adaptação”.
Alves menciona que a criação de um road map de ações a serem implementadas até a COP31 pelo grupo de Sharm El-Sheikh, que tratava de agricultura, para negociar financiamento foi também importante, apesar da falta de consenso em relação aos modelos de governança e transparência.
“A agenda do mundo real não vai esperar”
Reforço importante na defesa dos interesses do agronegócio brasileiro em Dubai foi a presença do embaixador Roberto Azevedo, ex-diretor geral da Organização Mundial do Comércio, como um dos líderes da comitiva da Abag na COP 28.
Experiente negociador e conhecedor dos meandros dos interesses geopolíticos, ele avalia que há um descompasso entre as conversações nos ambientes diplomáticos e a velocidade das ações no campo privado.
“A agenda do mundo real não vai esperar. O mundo das negociações, sobretudo na área multilateral, da ONU, tem o seu timing, seu ritmo. Por isso, a convergência das duas agendas não vai ser fácil”, diz.
Azevedo também ponderou que o fato de a COP 28 ter ocorrido em Dubai, uma cidade que tem como pilares os dólares do petróleo, contribuiu para expor as dificuldades de se obter consensos diante de interesses econômicos tão díspares quanto poderosos.
“Não acho que se a COP fosse realizada em qualquer outro lugar essa convergência seria facilitada. Não é porque tem a torcida adversária na arquibancada que o time vai jogar pior. Mas o fato de ela ter acontecido aqui, na minha opinião, expôs um pouco mais essas contradições das posições de vários participantes e a dificuldade que vai ser de se conseguir convergir”.
Ainda assim, Azevedo mantém um olhar positivo em torno dos efeitos das COPs em várias frentes, inclusive com repercussões em medidas tomadas em nível governamentais.
“Só nos últimos anos, por exemplo, houve a aprovação das novas medidas relacionadas ao desmatamento na União Europeia e uma evolução grande no sistema de incentivos para transição energética nos Estados Unidos”, diz.
“Em um primeiro momento é só notificação, depois vem a implementação efetiva dessas coisas. Isso significa que essa agenda começa a ter um impacto na economia real já agora ou nos próximos dois ou três anos. Isso será sentido de uma forma muito forte”.