Chuva no Paraná e seca em Minas Gerais. Os dois estados que, juntos, concentram quase metade de toda a produção de feijão do país, foram castigados pelo clima em 2023 e seguirão sofrendo, com quebra de safra e perda de produtividade em 2024.

A estimativa da Conab é que a primeira safra de feijão preto do Paraná para 2024 tenha uma queda de 19%, com produtividade 9,4% menor e redução da área plantada em 10%.

O cenário em Minas é menos grave, mas não deixa de ser preocupante: queda de 4,5% na produção e de cerca de 2% tanto no total de área plantada quanto na produtividade.

“Houve atraso no plantio da primeira safra, o que deixa dúvidas sobre como serão as safras seguintes”, diz Marcelo Luders, presidente do Instituto Brasileiro dos Feijões e Pulses (Ibrafe), lembrando que a quebra de safra, redução de área plantada e estoques praticamente zerados colocam pressão sobre os preços, que bateram recordes em 2023, quando a saca do feijão preto chegou a ser negociada a R$ 400.

O feijão carioca, que responde por mais de 65% do consumo nacional, ficou 13,8% mais caro em dezembro, segundo dados do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), divulgados no início de janeiro pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE).

E a perspectiva, segundo Luders, é de que novos recordes sejam atingidos em 2024 – para o produtor e para o consumidor. Apesar da tendência de redução do consumo da leguminosa pelos brasileiros registrada nos últimos anos, por uma série de fatores comportamentais, o que se produz no País ainda não é suficiente para atender a demanda.

“O Brasil importou feijão da Argentina em 2023”, lembra Evandro Oliveira, analista de pulses da Safras & Mercado. As importações de feijão ganharam impulso no ano passado após a decisão do governo de reduzir tarifas de importação de itens básicos de alimentação, entre eles o feijão, em até 10%. A medida vigorou até 31 de dezembro.

Para a próxima safra, a estimativa de Oliveira é de que sejam importadas cerca de 100 mil toneladas, um aumento de 17%. Por outro lado, as exportações brasileiras da leguminosa tendem a cair, chegando a 135 mil toneladas – recuo de mais de 8%.

Segundo Oliveira, 2023 foi um ano de recuperação do preço do feijão carioca, que vinha de uma sequência de preços abaixo do custo de produção como reflexo do impacto do clima adverso na qualidade da colheita. “No segundo semestre, a margem melhorou”, diz, lembrando que os desafios para o produtor continuam.

Prova desse cenário foi a diferença do preço praticado para o produto nacional e o importado. No caso do feijão preto, enquanto o argentino chegou ao recorde de R$ 400 a saca, o nacional foi comercializado entre R$ 350 e R$ 370 no pico das cotações.

Aumento de área plantada com menor produtividade

Luders afirma que a safra 2023/2024 caminha para ser a menor dos últimos anos – em especial na primeira safra, que teve plantio iniciado entre agosto e novembro, com colheita iniciada em dezembro para terminar em março – no auge dos efeitos do El Niño no país.

No Paraná, o Departamento de Economia Rural (Deral), vinculado à Secretaria de Estado da Agricultura e do Abastecimento do Paraná (SEAB), estimou que a produção da primeira safra de feijão em 2023/2024 deve chegar a 176,1 mil toneladas, 12% abaixo das 199 mil toneladas na safra anterior (2022/2023).

Para o ano, considerando as três safras, a Conab estima a produção brasileira de feijão atinja cerca de 3 milhões de toneladas, com variação mínima para baixo, e aumento de área: de 2,69 milhões de hectares para 2,74 milhões de hectares, com incidência maior na segunda safra – que ocorre entre os meses de abril e julho.

Nesse período, predomina o cultivo de feijão irrigado nos estados de Minas Gerais, São Paulo, Mato Grosso e Goiás – além da Bahia, cuja oferta é entre julho e outubro.

A Bahia e o Ceará são os estados que ajudam na manutenção do ritmo de produção para o ano. A produção do Ceará deve dobrar de tamanho este ano, chegando a 120 mil toneladas, segundo a Conab, enquanto na Bahia o crescimento será de 2,4%, para 295,7 mil toneladas.

Já os principais produtores do Centro-Oeste, que foram os mais afetados pela falta de chuvas provocada pelo El Niño, são os que terão as maiores quebras de safra.

Para o Mato Grosso, a estimativa é queda de 10%, saindo do total de 307 mil toneladas colhidas na safra passada para 274 mil toneladas, com produtividade 9% menor. Em Goiás, a previsão é de colheita de 280 mil toneladas, 2% menos que a safra 2022/23.

Os dois maiores do país, Minas Gerais, no Sudeste, e Paraná, no Sul, devem produzir 550 mil toneladas (recuo de 0,6%) e 721 mil toneladas, 0,9% a menos, respectivamente. Nesses estados, a produção cai a despeito de um ligeiro aumento da área plantada, que chega a 326 mil hectares em Minas (+ 0,7%) e a 442 mil hectares (+4,4%), no Paraná.

Em todos os principais produtores, a produtividade tende a ser menor devido às instabilidades do clima. A Conab estima queda de 4,2% da produtividade no ano e de 14,3% na terceira safra, a mais dependente de irrigação. Nesse período, a produção deve recuar 16%.

“O Brasil precisa investir mais em área irrigada e no desenvolvimento de pequenos e médios produtores se quiser reduzir a volatilidade da oferta”, afirma Luders. “Somos um país que consome 300 carretas de feijão por dia”.

Oportunidade

Maiores investimentos em irrigação e no desenvolvimento de sementes, na visão de Luders, ajudariam o Brasil a ampliar não apenas a oferta local, mas também suas exportações e a conquista de novos mercados.

Desde 2021, quando o Brasil exportou 224 mil toneladas de feijão, o volume das vendas externas vem recuando. Foram 136 mil toneladas em 2022 e 121 mil toneladas no ano passado, uma queda de 45% em apenas três anos. Em termos comparativos, o volume que exportamos hoje é praticamente o mesmo de 2017.

E as vendas para a Índia, que é o maior mercado do mundo – em produção e consumo –, também diminuíram. De acordo com dados do Ibrafe, no ano passado foram exportadas 53 mil toneladas de feijão para o país asiático, volume 15% inferior ao registrado em 2022 (62,7 mil toneladas) e 48,5% quando comparado ao pico de 2021, quando o Brasil vendeu 103 mil toneladas.

Luders explica que nos últimos anos, a Índia buscou aumentar sua produção para ter autonomia e depender menos de países como Mianmar e da costa africana, que passaram a priorizar o mercado chinês – que, por sua vez, reduziu a produção e ampliou as importações de leguminosas.

Outro fator que influencia as vendas, ou a priora delas, para o mercado indiano é o nosso feijão. Na índia, o consumo é baseado em variedades de feijão, especialmente o guandu, que não são intensivamente produzidas no Brasil.

A estimativa da Confederação Global de Pulses é de que o consumo mundial de feijão chegue a 20 milhões de toneladas até 2026, com taxa média de crescimento anual de 0,5%, dos quais 5,5 milhões de toneladas são consumidos pela Índia.

Além de recuperar mercado na Índia, o Brasil tem potencial para atender ainda a China, o México e a Tunísia, onde o consumo cresce 10% ao ano.

“Precisamos investir no desenvolvimento de variedades exportáveis, pois o feijão carioca é um tipo que só o brasileiro consome”, diz Luders.

Algumas iniciativas nesse sentido já começaram. Produtores do Mato Grosso, por exemplo, começaram a produzir e exportar feijão guandu e fradinho, ambos bastante aceitos no mercado internacional, especialmente na Ásia.

No lado da pesquisa, existem no país cerca de 26 cultivares de feijão exportáveis e um acordo de colaboração com a Índia para compartilhamento de sementes está na pauta da Apex. A Agência Brasileira de Exportações, em parceria com produtores, fará um investimento de R$ 3,5 milhões para promover os feijões – e outros pulses brasileiros – pelo mundo afora.

“O Brasil tem um potencial imenso para produzir de tudo. Com investimento e pesquisa, podemos liderar também o mercado de pulses”.