O arroz e o feijão sempre estiveram enraizados na cultura brasileira. A dupla, que faz parte de uma tradição alimentar que inspirou até menção em letras de música como "Eduardo e Monica", do Legião Urbana: "e todo mundo diz que ele completa ela e vice-versa, que nem feijão com arroz"; ou "Construção", de Chico Buarque: "comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe", vem perdendo popularidade. No prato e no campo.

O consumo de ambos os alimentos tem diminuído junto com as estatísticas e projeções para o cultivo, que também estão em ritmo de redução, tanto na produção quanto nos estoques.

Enquanto outras grandes culturas agrícolas mostram tendências de aumento de área plantada e produtividade, o relatório Projeções para o Agronegócio, o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) estima que a produção de arroz saia dos atuais 10 milhões de toneladas para 9,7 milhões em 2033.

Já para o feijão, a projeção é de um recuo de 3 milhões de toneladas colhidos em 2023 para 2,7 milhões em 10 anos.

O campo mostra assim sintonia com as tendências de consumo. A perspectiva é de queda de 3,4% para o feijão e de 4,3% para o arroz daqui a 10 anos.

Trata-se de cenário que ratifica tendência apontada por outro relatório, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), que mostra que o consumo de feijão caiu 18% e o do arroz 10% nos últimos 10 anos.

“Os hábitos alimentares do brasileiro vem mudando por causa do estilo de vida e da inclusão de itens ultraprocessados na dieta”, afirmam pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em outro estudo, publicado recentemente. Segundo eles, até 2025, a dupla estará no prato dos brasileiros entre uma e quatro vezes na semana, menos do que os cinco dias de hoje.

Essa tendência não significa que o tradicional arroz com feijão vá sumir de vez dos hábitos alimentares, mas indica o início de uma mudança cultural que já impacta as decisões de quem investe na produção desses alimentos.

O Rio Grande do Sul, que é responsável atualmente por cerca de 70% de todo o arroz produzido no país, está passando por um processo de substituição de suas áreas de cultivo de arroz por soja.

Esse ano, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a produção brasileira de arroz atingirá seu menor patamar em 20 anos, reflexo de redução de mais de 50% no total de área plantada, além do efeito do clima na produtividade das lavouras.

Minas Gerais e Paraná, principais produtores nacionais de feijão, estimam estagnação na produção – ou seja, não recua, mas também não cresce.

De acordo com a Conab a produção desse ano será praticamente igual a da safra passada, de cerca de 3 milhões de toneladas devido também à migração de áreas antes destinadas ao feijão para o plantio de soja.

“A baixa rentabilidade está empurrando o produtor para outros grãos”, afirmou Alexandre Velho, presidente da Federarroz, do Rio Grande do Sul, em entrevista recente.

Apesar da persistente redução do consumo, o arroz e o feijão continuam sendo o carro chefe da alimentação do brasileiro, segundo o sociólogo Ivan Sergio Freire de Souza, em artigo produzido para a Embrapa, ao lado do agrônomo Carlos Magri Ferreira e da nutricionista Semíramis Martins Álvares Domene.

Isso se dá porque a dupla continua sendo a melhor opção em termos de custo e benefício para a popular de menor renda.

Freire, Ferreira e Domene lembram que durante a pandemia de Covid-19 houve um aumento dos preços de arroz e de feijão e que isso também impactou o consumo, justamente por serem a base da alimentação de parte da população que perdeu receita durante a pandemia.

“Em 1959, o consumo do arroz era de 50kg/habitante/ano. Atualmente, estima-se em 34 kg/habitante/ano. No mesmo período, o feijão passou de 25 kg/habitante/ano para 15 kg/habitante/ano”, explicam os pesquisadores.

Mercado externo

Diante da redução do consumo interno, a alternativa para os agricultores que pretendem manter o ritmo de suas produções será o mercado externo.

“A abertura de mercado externo para o arroz brasileiro, no qual atualmente apenas 8% da produção global é exportada, será necessária”, afirmam os técnicos da Embrapa Arroz e Feijão no estudo do Mapa.

Entre janeiro e maio deste ano, o Brasil exportou 702 mil toneladas de arroz, aumento de 26%. É mais do que o total importado, que chegou a 614,2 mil toneladas. Já as exportações de feijão-caupi somaram 46.353 toneladas em 2022.

Quando se olha para o cenário internacional, há boas perspectivas para o país: o consumo de arroz da safra 2023/24 continua maior que a oferta, segundo dados do USDA, o departamento de Agricultura dos Estados Unidos.

E os principais produtores mundiais, como Índia e Tailândia, têm enfrentado quebras de safra em decorrência de questões climáticas.

Com um bom tempero, a tradição nacional poderá ampliar sua presença mundo afora.