A produção de etanol de milho no Brasil pode atingir 16 bilhões de litros (o dobro da atual) e totalizar investimentos de R$ 20 bilhões nos próximos três anos.
É o que prevê a Novonesis, empresa que lidera, entre outros produtos, o mercado de enzimas e leveduras, insumos fundamentais na fabricação do etanol de cereais.
Os números foram apresentados pelo gerente de desenvolvimento de negócios da empresa, Rafael Piacenza, durante a décima edição do Teco Latin America, evento que reúne os representantes da indústria do etanol
Em entrevista ao AgFeed, Piacenza disse que a estimativa levou em conta anúncios de investimentos que vem sendo feitos na imprensa e que, na avaliação da Novonesis, tem chances reais de sair do papel.
“Alguns projetos saem antes do que se espera e outros saem depois do previsto. Tem projeto com licença da ANP aprovada que não ficou de pé e teve um que há um ano nem sabia se ia fazer e que já está sendo construído. Juntamos tudo e fizemos uma análise crítica”, explicou.
A estimativa considera que para sair dos atuais 8 bilhões de litros que o Brasil produz de etanol de milho e dobrar o volume, o total de plantas também deve subir de 32 para 56. Assim, as 18,2 milhões de toneladas de milho hoje processadas por ano para fazer etanol passariam para 37,5 milhões de toneladas.
Durante o evento, realizado esta semana, na capital paulista, o analista sênior do BTG Tiago Duarte também mostrou números que explicam este entusiasmo com investimentos crescentes no setor.
A produção de etanol de milho que há 10 anos praticamente não existia hoje já representa quase 25% do total no Brasil, segundo ele. “Se considerarmos todos os projetos já homologados pela ANP esse número chegara próximo a 35% nos próximos três anos. É o exemplo mais simbólico da pujança e competitividade dessa indústria”, afirmou.
Entre as explicações estão as margens melhores e o constante ganho de produtividade na produção a partir do milho. “Entre 2000 e 2010 o Brasil triplicou o volume produzido de cana-de-açúcar, mas há quase 15 anos o setor está em absoluta estagnação”, alertou.
Enquanto isso, a produtividade média do milho segunda safra foi multiplicada por 6 nos últimos 20 anos.
Sem avançar em produtividade, o etanol feito a partir da cana vai ficando cada vez mais caro de ser produzido. Isso fez com que entre 2011 e 2017, por exemplo, cerca de 90 usinas de cana tenham deixado de operar.
Mesmo com o atual momento de preços altos do açúcar, Duarte disse que o retorno sobre o capital investido para as usinas canavieiras estaria hoje abaixo de 9%, ou seja, bem inferior a taxa básica de juros no País. Já no etanol de milho o analista do BTG destacou que o momento é de uma taxa interna de retorno (TIR) de 15%.
O segredo estaria no custo de produção, que é foi estimado pelo BTG em R$ 2,10 por litro para o etanol de milho e R$ 2,49 por litro para o etanol de cana.
“O etanol de cana vai continuar perdendo espaço para o de milho nas atuais condições”, disse Duarte.
Rafael Piacenza, da Novonesis, lembrou que nos últimos meses a situação ficou ainda mais favorável ao etanol de milho. “Em julho de 2023 se gerava US$ 5 de valor agregado por saca de milho, agora em setembro deste ano estava gerando US$ 12. Isso explica investimentos que estão sendo anunciados e que nascem do agronegócio, vieram do ecossistema do agro”.
Entre os casos que se enquadram neste modelo estariam por exemplo a iniciativa da Coamo, que está investindo R$ 1,6 bilhão e da 3tentos, que vai processar o milho em Mato Grosso, com aporte de R$ 1,04 bilhão, além de vários outros grupos com investimentos bilionários em diferentes regiões do Brasil.
Cuidado com a euforia
O impressionante avanço dos investimentos em novas usinas de etanol de milho apresentado pela Novonesis não foi surpresa para a Unem, entidade que representa os produtores do setor.
“Os números estão em linha com o que temos mapeado, são projetos grandes de tradings, cooperativas e produtores que têm capacidade financeira e governança pra entrar neste mercado”, disse o presidente da Unem, Guilherme Nolasco, ao AgFeed.
A previsão da entidade é que a produção dobre, chegando a 16 bilhões de litros, mas até 2032. Os investimentos devem variar entre R$ 15 bilhões e R$ 20 bilhões, “dependendo da tecnologia empregada, dos preços do aço e do petróleo daqui pra frente”.
Nolasco admitiu, no entanto, que a Unem tem defendido que o crescimento siga sendo sustentável, do ponto de vista ambiental e estrutural. “Não adianta só falar em crescer, tem que abrir demanda pra que comporte este aumento de oferta”, ressaltou.
Ele lembra que o açúcar está muito aquecido e isso tirou etanol de cana do mercado. Caso o cenário mude para o açúcar, alerta que poderá haver uma oferta adicional de etanol no Brasil.
“Há uma euforia em função da excelente agregação de valor (na indústria do etanol de milho)”, por isso nosso papel é dizer que precisa ter responsabilidade”, afirmou.
Os especialistas que participaram do evento destacaram alguns dos principais desafios para a indústria do etanol de milho a partir de agora.
Um deles é o fato desta indústria depender da queima da madeira em caldeiras para gerar energia. “Nos corredores hoje se fala muito mais sobre biomassa do que se falava antes”, disse Piacenza, da Novonesis.
Ele lembrou que muitos olham apenas a parte favorável: “1 tonelada de milho dá 480 litros de etanol, 320kg de DDG e 20kg de óleo”. Porém, são necessários ao menos 450kg de biomassa para cada tonelada de milho. “Biomassa quer dizer terra. Pra planta de 1800 ton de milho vc precisa de 12 mil hectares de floresta”. Piacenza defende que a saída é buscar cada vez mais produtividade industrial e reduzir o custo de energia.
O executivo menciona também o fato de que os novos projetos agora se espalham por outras regiões do Brasil, não apenas em Mato Grosso, com a concentração em poucos players, como é hoje e passa a ter desafios logísticos. “Trouxemos essa reflexão, porque há riscos, principalmente porque o custo marginal vai aumentando à medida que você vai saindo de MT, que é o milho mais barato do mundo. Mato Grosso que hoje é 72% vai virar 50% neste novo universo”.
Segurar custos também foi uma preocupação apontada por Tiago Duarte, do BTG. Ele lembrou que o fechamento de usinas canavieiras anos atrás ocorreu porque os preços (depois que a gasolina passou a ser mais subsidiada no Brasil) do etanol passaram a já não cobrir o custo marginal.
“Vários novos players que entraram (no setor sucroenergético, na época) ficaram expostos, não conseguiam pagar essa conta. Isso funciona como uma belíssima lição para a indústria do etanol de milho para que não tenha os mesmos erros que a indústria de etanol de cana incorreu quando viveu um ciclo de crescimento vertiginoso como o etanol de milho está vivendo hoje”, afirmou.
Segundo ele, a alta taxa de retorno que hoje é de 15% no etanol de milho já foi de 30% há cinco anos, por isso recomenda cuidado com “o excesso de otimismo” que já predominou na cana.
“A indústria está passando por um fenômeno parecido com a cana no passado, numa escala e intensidade muito diferente, claro, mas os retornos começam a ficar decrescentes conforme os novos projetos começam a chegar por aí”, alertou.
Duarte também ressaltou que o preço da madeira triplicou entre 2020 e 2023, com tendência de continuar subindo, outro ponto de atenção para os custos da indústria de etanol de milho. “É uma limitação que ainda não machuca as margens, mas é estruturante”.
Por último, o grande desafio do setor é garantir que o consumo de etanol cresça em ritmo suficiente para acompanhar o avanço da produção.
Paulo Truco, diretor comercial da FS, outra gigante do etanol de milho no Brasil, está projetando um crescimento no consumo “um pouco menor do que o crescimento da oferta”.
“A gente tem algumas limitações no mercado externo, mas quando você olha para o mercado interno existem muitas oportunidades. O etanol hidratado ainda participa de menos de um terço do consumo de ciclo otto no Brasil. Tem espaço pra aumento. O grande desafio é fazer com que chegue nas regiões que não são grandes consumidoras, como Norte, Nordeste e Sul”, avaliou o executivo.
A preocupação com a “paridade” do etanol na maioria dos estados brasileiras também foi manifestada pelo CEO da Evolua, Pedro Paranhos, conforme mostrou o AgFeed. Ele prevê que a demanda por etanol total (anidro e hidratado) suba dos atuais 33 milhões de metros cúbicos para 50 milhões de metros cúbicos em 10 anos.
Segundo ele, para absorver a produção adicional, a penetração do etanol no mercado brasileiro junto ao consumidor que hoje é de 22% teria que chegar a 40%.