A Índia é o segundo maior exportador mundial de açúcar, atrás apenas do Brasil. E, como tal, tudo o que acontece por lá tem impacto no mercado global da commoditty.

O que o mundo se pergunta hoje é: haveria espaço para o governo indiano repetir com o açúcar as medidas de restrição de exportação que já adotou com o arroz e o trigo?

A especulação tem como base a piora nas condições climáticas nas regiões de Maharashtra e Karnataka, maiores produtoras de cana do país asiático.

Com chuvas menos regulares e em quantidades bem aquém do necessário para o desenvolvimento da cultura, a preocupação dentro e fora da Índia é a de que, quando a colheita começar, em outubro próximo, as colheitas não forneçam matéria prima para abastecer os mercados interno e externo de açúcar.

Caso isso aconteça, pode haver um rallie de preços, com impactos em todo o mundo, sobretudo para produtores de cana e usinas no Brasil.

Cenários semelhantes foram responsáveis pelas decisões recentes do governo indiano de limitar as vendas externas de trigo e arroz, alegando riscos para a segurança alimentar no país com 1,4 milhão de habitantes.

"A preocupação agora é que o governo provavelmente seguirá o exemplo e fará algo semelhante em relação ao açúcar", afirmou o analista chefe de açúcar e etanol da Tropical Research Services, Henrique Akamine, à Bloomberg.

Uma medida nesse sentido, a exemplo do que aconteceu com as outras commodities, geraria redução de oferta e consequente aumento dos preços internacionais do açúcar, que já se mantêm em bons níveis em função de estoques globais mais enxutos.

O governo indiano costuma regular os volumes de açúcar exportados, mas as decisões em torno disso geralmente são tomadas apenas após o início da safra, em outubro. E eventuais liberações de vendas externas podem ser até mesmo adiadas, até que haja uma visão mais clara do estado dos canaviais.

“Por enquanto não acreditamos que o governo fará algo em relação ao açúcar, sobretudo porque a safra ainda nem se iniciou”, afirmou ao AgFeed Bruno Lima, analista chefe para Açúcar e Etanol na StoneX.

“Acreditamos que qualquer movimento do governo sobre restrição de exportação de açúcar ficaria para o primeiro trimestre de 2024”.

De olho no El Niño

A antecipação dos temores se deve aos primeiros efeitos do fenômeno climático El Niño na região. O padrão dos anos em que ele ocorre é de secas severas e os primeiros indícios são de que isso pode se repetir nessa temporada.

“O clima é um fator negativo importante”, afirmou à agência Reuters um oficial do governo. “No ano passado, apesar de boas chuvas de monções, a produção de açícar caiu. Este ano, com o El Niño, não podemos correr o risco de antecipar nenhuma autorização para exportação”.

Na Associação Indiana de Usinas de Açúcar (ISMA, na sigla em inglês), a expectativa atual é de que a produção caia 3,4% em relação à safra passada. Assim, o volume ficaria em 31,7 milhões de toneladas.

A princípio, tal volume, segundo a entidade, seria suficiente para atender à demanda interna, além de proporcionar cerca de 4,5 milhões de toneladas para a produção de etanol – o uso do combustível tem sido incentivado pelo governo local.

O governo criticou a ISMA por ter divulgado previsões pessimista. Na sexta-feira, 4 de agosto, o secretário de Alimentos, Sanjeev Chopra, afirmou que elas são “altamente prematuras” ao indicar possibilidade de escassez no país.

Uma eventual restrição à exportação não seria novidade no mercado de açúcar. Já na safra 2022/23, o governo indiano havia limitado as vendas externas em 6,3 milhões de toneladas, bem abaixo do volume recorde de 11 milhões de toneladas comercializados em 2021/22.

Assim, as negociações cessaram bem antes que uma nova safra pudesse ser oferecida ao mercado, fazendo com que as cotações internacionais subissem a níveis recordes para os últimos 12 anos.

A expectativa do mercado, no momento, é que, mesmo que libere as exportações, o governo limite em um máximo de 4 milhões de toneladas.

Para a Consultoria Agro do Itaú BBA, o risco climático do El Niño é, de fato, o principal fator a ser observado nos próximos meses para se entender o impacto da produção do sudeste asiático – que, além da Índia, tem a Tailândia como um grande produtor.

“A tendência é que o El Niño traga chuvas abaixo da normalidade. Nesses dois países, especificamente, as chuvas de monções ocorrem sazonalmente de junho a setembro, sendo responsáveis por levarem umidade para as lavouras e, no caso da Índia, para preencher reservatórios de água, tanto para fornecimento da população quanto para irrigação das culturas”, escreveu a analista Annelise Izumi no relatório Visão Agro, divulgado pelo banco na semana passada.

Com a perspectiva de menos açúcar indiano, a tendência natural dos compradores é buscar mais no Brasil, o que desde já indica preços melhores para usinas e produtores no próximo ciclo.

Em 2023, os futuros do açúcar já tiveram elevações de cerca de 20% este ano. O pico ocorreu em abril, com cotação de 26,83 centavos de dólar por libra-peso. Na semana passada, estava pouco abaixo de 24 centavos, e a expectativa é de que possam chegar a mais de 27 centavos na próxima safra, segundo estimativa da Tropical Research.

“Para a safra 2023/24, o cenário é promissor para os produtores de cana”, avalia Izumi, do Itaú BBA. Com os bons preços de açúcar – e mesmo com os preços de etanol em patamares menores – a estimativa do banco indica um valor de ATR na safra ao redor de R$ 1,33 por quilo, um aumento de 14,2% se comparado com a safra anterior.