As oscilações do clima verificadas nos últimos anos, associadas ao aumento da incidência do greening, em especial nos pomares do estado de São Paulo, têm impactado em cheio a produção nacional de laranja e o ímpeto dos produtores para seguirem investindo no segmento.
Em algumas regiões do interior de São Paulo, como Araraquara e Matão, a produção chegou a recuar 60%, segundo o presidente do Sindicato Rural de Taquaritinga, Marco Antonio dos Santos.
No chamado cinturão citrícola, o número de fazendas produtoras de laranja vem reduzindo nas últimas décadas: caiu de um total de 23 mil em 1995 para cerca de 5 mil hoje.
O dado é de Maurício Mendes, produtor de laranja e também integrante do Grupo de Consultores em Citros e Produtores de Laranja (GCONCI).
Ele cita que existe sim um movimento que pode ser chamado de uma verdadeira “diáspora”, com produtores saindo de São Paulo e migrando para estados vizinhos, como Minas Gerais e Paraná.
Em muitos casos, o objetivo é fugir de áreas com grande concentração de pomares comercial de cítricos, incluindo tangerina e limão, reduzindo assim os riscos de contaminação dos pomares pela doença do greening.
Causado por uma bactéria, o greening se dissemina a partir de um inseto e não tem cura. Ao ser contaminada, a planta tem redução na produtividade do pomar.
O paliativo para o impacto é a aplicação, semanalmente, de inseticida para evitar a presença do inseto transmissor - o que exige diligência e muito investimento. Santos, do Sindicato Rural de Taquaritinga, estima em até 30% o aumento de custos dos agricultores que optam por pulverizar pomares para conter o avanço da doença.
De acordo com o Fundo de Defesa da Citricultura, o Fundecitrus, o greening já foi encontrado em pomares de Minas Gerais e Paraná, além de países da América do Sul e Estados Unidos.
Mas o aumento da sua incidência – e maior concentração - nos pomares de São Paulo nos últimos anos gerou um alerta não apenas para os produtores, mas também às autoridades.
Afinal, o estado de São Paulo é hoje o principal produtor do país. Concentra 80% da produção nacional. Também é, sozinho, o maior produtor de laranja do mundo – responsável por quase 30% da oferta mundial, de acordo com dados do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Além disso, São Paulo tem produtividade maior que a média nacional: em 2023 está estimada em 35,2 toneladas por hectare, enquanto no Brasil é de 28,9 toneladas por hectare, segundo o IBGE.
A citricultura paulista exporta U$ 2 bilhões ao ano e gera 200 mil empregos. Mas tem visto seu total de área cultivada recuar. Em 2000, tinha uma área de 1 milhão de hectares, de acordo com o IBGE. Em 2021, eram 369,2 mil.
Não à toa, o secretário de Agricultura e Abastecimento do Estado, Guilherme Piai, tem atuado para reduzir a incidência da doença – e evitar que a migração de produtores para outros estados.
Uma das ações foi a criação, no ano passado, do Comitê Estadual de Combate ao Greening, grupo que reúne cinco secretarias, produtores e representantes do setor da citricultura e que retirou, apenas em dezembro passado, 20 mil mudas contaminadas de circulação.
“O governo faz bem em olhar para esse problema, especialmente quando se tem exemplos do passado como referência”, diz Mendes, do GCONCI.
Ele lembra da Flórida, nos Estados Unidos, que já chegou a ser a segunda maior produtora do mundo e que perdeu produtividade por causa do greening. “Eles chegaram, no auge, a produzir 250 milhões de caixas e esse ano não vão chegar nem a 20 milhões”, diz.
Produtividade e estoques
Um dos principais efeitos do greening é a redução da produtividade do pomar. Ele impacta o processo de floração, impedindo o crescimento das frutas ou fazendo com que caiam do pé antes de estarem prontas para a colheita.
Mas não é apenas a doença a responsável pela queda no ritmo de produção dos últimos anos. O clima também teve um peso bastante importante.
“Temos enfrentado problemas com o clima desde 2020. Tivemos El Niño, La Niña e temporadas de secas muito severas. Em 2021/22, por exemplo, o clima seco chegou a secar o lençol freático de algumas regiões no interior de São Paulo, obrigando os agricultores a adotar sistema de irrigação quando possível”, afirma o diretor-executivo da Associação Nacional dos Exportadores de Sucos Cítricos CitrusBR, Ibiapaba Netto.
A associação do clima seco com a doença teve como resultado queda de produtividade em quatro ciclos consecutivos, deixando o nível dos estoques no menor patamar da história. Em 2023, os estoques de sucos eram de 84.745 toneladas – uma queda de 82% se comparado ao registrado em 2020 (471.138 toneladas).
“Qualquer estoque abaixo de 200 mil toneladas representa um problema, porque compromete a capacidade de exportação”, diz Netto. Segundo ele, 85 mil toneladas representam o total exportado por mês. “Isso é praticamente um estoque zero”, lamenta.
Ele explica que os estoques são fundamentais para se manter o ritmo de exportações de suco, pois as vendas ocorrem por 12 meses no ano, enquanto a produção acontece apenas entre junho e janeiro. “Sem estoques, não atingimos o blend para produzir suco para a entressafra”.
O ritmo de queda dos estoques de suco está diretamente ligado à queda na produção da laranja. As estimativas do Fundecitrus para a safra 2023/24 é de produção de 309,34 milhões de caixas de 40,8 kg. É menos que os 314 milhões de caixas produzidas no ano passado.
Com isso, a produção chega ao seu quarto ciclo de produtividade considerada abaixo do máximo produzido no passado – em torno de 400 milhões de caixas.
“O clima seco já vinha impactando o mercado e o greening veio para desestabilizar de vez”, afirma Santos, do Sindicato Rural de Taquaritinga, lembrando que o agricultor paulista vem lidando com esses problemas há algum tempo e que a alternativa para evitar a migração dos pomares de São Paulo para outros estados seria a conscientização.
“Nessa doença, não adianta você cuidar do seu pomar, usar inseticida e adotar todos os controles se o seu vizinho não o fizer também”, diz.
Segundo ele, é por isso que muitos produtores de São Paulo estão se mudando para Minas e outros estados vizinhos para que possam investir. “Muita gente está com medo de renovar o pomar e ele acaba infectado. Por isso, preferem migrar para outras regiões”.
Mendes, do GCONCI, diz que, no entanto, esse é um movimento liderado por médios e grandes produtores. “Os pequenos não conseguem fazer essa mudança por questões de custos”, diz.
Ele lembra que o preço das terras em estados vizinhos a São Paulo e com condições para o desenvolvimento do plantio de laranja estão caras.
“Tem ainda todos os custos de preparação desse solo, sementes e espera para a produção iniciar”, diz. Um pomar dura até 15 anos, mas seu auge de produção é atingido depois de 3 a 5 anos de plantio.
Preços e investimentos
O processo de renovação dos pomares é considerado fundamental para a manutenção da produtividade. Segundo especialistas, a cada ano, é necessário haver uma renovação de ao menos 7% das árvores para que o ritmo de produção siga crescendo.
Isso não tem acontecido por causa do greening e, de acordo com o Cepea, apesar da boa rentabilidade da cultura – devido à disparada de preços como resultado da demanda maior que a oferta, nas áreas do estado de São Paulo não são esperados investimentos relevantes em novos pomares.
Enquanto o mercado de suco de laranja em Nova York começou o ano em queda, com média mensal de janeiro ficando em USD 3,18/lp,10,9% menor que em dezembro, a caixa da fruta não foi na direção contrária.
Segundo o indicador do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea, da Esalq/USP), o preço médio da caixa atingiu valor recorde em janeiro, com preço médio de R$ 78,89 por caixa de 40,8 quilos, um salto de 90% em relação ao mês de janeiro do ano passado e de 16% na comparação com dezembro de 2023.
O Cepea, aliás, projeta que a oferta de laranja continuará limitada em fevereiro. "A produção na safra atual está na média; porém, os baixos estoques de suco de laranja aumentam a necessidade de compra da matéria-prima, reduzindo a oferta de laranja no mercado in natura", reporta e em análise divulgada recentemente.
“Apesar da perspectiva de recuperação da produção americana neste ano, o balanço global de oferta e demanda por suco sugere que os estoques seguirão baixos historicamente, o que deve sustentar os preços. Para o Brasil, a caixa da fruta também deve será valorizada, dado que não se espera reação da oferta”, conclui a Consultoria Agro do Itaú BBA em relatório publicado no início de fevereiro.