Maior projeto ferroviário do país em extensão, a Ferrogrão – ou ferrovia EF 170 – voltou à pauta, com chances reais de sair do papel. Isso porque recentemente foi incluída na lista de obras do PAC, o Programa de Aceleração do Crescimento, do governo federal.
O seu traçado ligará as cidades de Sinop (MT) ao porto de Miritituba (PA) e será a maior rota com transporte multimodal no Brasil: rodoviário entre a produção e os terminais ferroviários, ferroviário até o porto de Miritituba e hidroviário até os portos de Santarém (PA), Santana (AP) e Vila do Conde (Barcarena-PA).
Se implementado e quando em operação, estima-se que sejam escoados por essa rota mais de 50 milhões de toneladas de grãos por ano.
Não à toa, a ferrovia, com seus 933 quilômetros de extensão, é a aposta dos produtores agrícolas do Centro-Oeste brasileiro para reduzir custos com frete e ampliar alternativas para exportar a produção.
“Esse é um projeto pioneiro e estruturador que vai depender do setor público para ser executado”, afirma Marcus Quintella, diretor da FGV Transportes, da Fundação Getulio Vargas. Para ele, o investimento do governo será fundamental, seja por meio de PPP (Parceria Público-Privado) ou por dotação orçamentária.
“Se depender exclusivamente do setor privado, fica difícil viabilizar a obra, pois são muitos os fatores políticos que aumentam o risco do investimento”.
Orçada em cerca de R$ 25 bilhões, a Ferrogrão desperta o interesse de muitas empresas do setor privado, especialmente as tradings agrícolas que atuam no país como Cargill, Bunge, ADM, Amaggi e Louis Dreyfus.
Ao lado da EDLP (Estação Luz Participações), essas companhias desenvolveram um plano de negócios para investir R$ 12 bilhões no projeto, que desde o governo de Dilma Roussef esbarra em questões políticas que o impedem de sair do papel.
Entre essas questões está o fato de seu traçado – cerca de 90% - ser paralelo à BR-163, que liga Cuiabá (MT) a Santarém (PA), nos limites do Parque Nacional do Jamanxim (PA).
Criado em 2006 com o objetivo de proteger a Floresta Amazônica, o parque ocupa uma área de 900 mil hectares, que é listada entre as mais ameaçadas pelo desmatamento ilegal.
Foi esse traçado que impediu a última tentativa de tirar a obra do papel, em 2021, quando, por meio de Medida Provisória, o governo alterou os limites da ferrovia, permitindo o alargamento da chamada “faixa de domínio” na lateral da BR-163 e suprimindo 466 hectares do parque.
A decisão, à época, virou alvo de uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI 6553), movida pelo PSol no Supremo Tribunal Federal (STF) e acatada pelo ministro Alexandre de Moraes.
Há 15 dias decidiu suspender a ADI, abrindo espaço para que a Ferrogrão voltasse à pauta, com maiores chances de execução.
“Não há nada mais sustentável do que uma ferrovia”, disse o ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, em entrevista ao programa Roda Viva veiculada em maio deste ano. “O Brasil não pode ficar refém de um modal só”.
Frete menor para escoar a produção
Defensor da construção da Ferrogrão, Edeon Vaz, diretor executivo da Aprosoja, a Associação Brasileira dos Produtores de Soja, afirma que a ferrovia trará ganhos ambientais, sociais e econômicos por reduzir a necessidade de escoamento da produção pelas estradas – um modal mais caro e mais poluidor.
“A Ferrogrão vai operar com comboios de 160 vagões de 100 toneladas cada, totalizando 16.000 toneladas por viagem, isto com 3 locomotivas com 4 motores cada, o que nos mostra que cada comboio com 12 motores substituirá 400 caminhões, ou seja, 400 motores. Somente este ganho ambiental já justifica sua implantação”, diz.
Outra estimativa é a de que o custo com frete caia em mais de 40% - ou cerca de R$ 60 por tonelada - com a adoção do modal ferroviário para escoamento da produção.
Esse custo menor, além de resultar em diminuição dos preços no mercado interno, tende a ampliar a competitividade das commodities brasileiras no mercado internacional.
“O novo corredor ferroviário deverá reduzir em R$ 19,2 bilhões o custo do frete em relação à rodovia e aumentar a arrecadação tributária em R$ 6 bilhões, além de gerar compensações socioambientais estimadas em mais de R$ 735 milhões”, afirma o senador Zequinha Marinho, autor de requerimento para instalação de audiência pública para discutir o projeto.
Estudo de viabilidade econômica feito pela EDLP, a pedido de Cargill, Bunge, ADM, Amaggi e Louis Dreyfus, estima em R$ 6 bilhões os ganhos anuais apenas com a melhora da logística para escoamento da produção.
Em 2020, o Brasil exportou 80 milhões de toneladas de soja, dos quais apenas 31% chegaram aos portos por ferrovias, segundo a Aprosoja.
A área de influência da Ferrogrão contempla todo Médio Norte e Norte de Mato Grosso, onde são produzidos 42 milhões de toneladas de soja e milho. E as estimativas do Instituto Matogrossense de Economia Agrícola (IMEA) são de que, até 2030, a produção nessa região atinja 60 milhões de toneladas.
São números que não podem ser ignorados. Com base nisso, o Centro de Soluções Alternativas de Litígios (Cesal), do STF, reuniu representantes do governo federal, do PSOL e de comunidades indígenas afetadas pelo projeto para discutir compensações ambientais em relação às comunidades indígenas que vivem no entorno da obra.
O objetivo é fazer com que ela possa, o quanto antes, entrar na lista das licitações do governo. Foi com base no relatório do Cesal que Moraes decidiu suspender a ADI.
Paralelamente, Advocacia-Geral da União (AGU) e Ministério Público Federal (MPF) promoveram encontros com os Ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) para encontrar um ponto de convergência entre a execução do projeto e as demandas de responsabilidade ambiental e social da região.
Atualmente, o Brasil possui cerca de 31 mil quilômetros de ferrovias. É menos do que a Argentina e infinitamente inferior ao total de trilhos que cruzam os Estados Unidos – que possui mais de 250 mil quilômetros de rodovias – e que é hoje um dos países que mais competem com o Brasil nas exportações de commodities como soja, milho e etanol.
“O mundo já está construindo ferrovias de alta velocidade enquanto no Brasil não conseguimos avançar nem com o formato tradicional”, diz Quintella, da FGV Transportes.
“A Ferrogrão é um modal fundamental. Mas para atender tudo que se precisa, serão necessárias obras de integração, modernização de portos, além de uma modelagem financeira que o torne, de fato, viável”.
A razão para que tenha participação do governo, é justamente minimizar os riscos políticos. Antes da paralisação, em 2021, a obra chegou a ser incluída na lista de concessões do governo de Michel Temer, em 2017.
À época, cogitou-se até que fundos chineses pudessem investir e a força do projeto estimulou a Rumo ALL a falar sobre trajeto paralelo para competir com a ferrovia. Mas nada disso evoluiu. Será que agora vai?