Criado para ser uma ferramenta de controle do desmatamento e de cumprimento das exigências do Código Florestal Brasileiro dentro das propriedades rurais do País, o Cadastro Ambiental Rural (CAR) tornou-se um gargalo no processo de regularização socioambiental desses imóveis.
Atualmente, o CAR tem cadastradas mais de 7,4 milhões de propriedades – o que abrange a grande maioria dos imóveis rurais existentes no País. Apenas 1% delas, no entanto, teve o cadastro validado – ou 75,3 mil, segundo levantamento feito pela Área de Inteligência de Dados Territoriais do Imaflora para o AgFeed.
“É um percentual muito baixo para o que temos na base do CAR”, afirma Isabel Garcia Drigo, Gerente de Clima e Emissões e de Inteligência de Dados e Territorial no Imaflora.
Do total de cadastros realizados no CAR, 87,3% (ou mais de 6,5 milhões) ainda aguardam análise, segundo o Imaflora. Os dados foram consolidados até janeiro de 2024.
Raoni Rajão, diretor do Departamento de Políticas de Controle de Desmatamento do Ministério do Meio Ambiente, afirma que o grande desafio do CAR tem sido a verificação das informações que constam do cadastro.
Ele lembra que essa verificação é feita pelos estados e que em alguns deles, a falta de técnicos e de ferramentas de checagem atrasa o processo.
A partir da análise, o CAR pode ou não ser validado – ou seja, o proprietário ter o atestado de que está cumprindo a legislação corretamente. Segundo o Imaflora, do total verificado, apenas 1,2% (ou 88.193) tiveram o CAR cancelado.
Quando a fiscalização encontra alguma irregularidade, o agricultor pode aderir ao Programa de Regularização Ambiental (PRA) – no qual o cadastro é validado após adequação à legislação ambiental. Há um prazo para isso e em caso de descumprimento, o CAR é cancelado.
O CAR é um registro eletrônico público que integra informações ambientais de propriedades rurais, abastecido pelos estados por meio do Sistema de Cadastro Ambiental Rural (SiCAR).
Ao estar validado no CAR, o proprietário rural consegue usufruir de benefícios, como juros menores no uso de recursos concedidos pelo plano safra, do governo federal. Mais recentemente, entrou em vigor lei que simplifica a declaração do imposto sobre a propriedade rural para agricultores que estejam cadastrados no CAR.
Ranking dos estados
De acordo com dados públicos do site do SiCAR, de outubro de 2023, Bahia e Minas Gerais foram os estados com maior número de cadastros realizados – mais de 1 milhão cada um.
Mas era o Mato Grosso do Sul que tinha a maior taxa de conformidade, ou seja, de propriedades analisadas e aprovadas: 18%. Pará e São Paulo aparecem com a segunda e terceira posição, respectivamente, em percentual de validação do CAR.
“Minas Gerais se destaca pelo trabalho que vem sendo feito na produção de café e o Pará avançou muito a partir da implantação do Selo Verde”, explicou Raoni Rajão, ao comentar sobre o tema em encontro realizado recentemente em São Paulo para falar sobre os desafios da rastreabilidade da produção no Brasil para atender as exigências da Lei antidesmatamento da União Europeia.
O café produzido em Minas possui um Selo Verde que atesta a conformidade das propriedades rurais ao Código Florestal, das quais 99% das unidades cafeeiras não registram desmatamento. O Estado foi o primeiro a despachar produto com certidão de conformidade com o Regulamento da União Europeia para Produtos Livres de Desmatamento (EUDR, na sigla em inglês).
O contêiner, com 320 sacas de café de dez cafeicultores de municípios do sul de Minas, foi embarcado em 27 de julho, pelo Porto de Santos (SP). A previsão é chegar a Dublin, na Irlanda, no dia 21 de agosto, segundo a Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Minas Gerais (Seapa).
No Pará, o Selo Verde é uma plataforma que integra dados de várias fontes para permitir a análise automatizada das mais de 290 mil propriedades rurais do estado registradas no CAR. Desenvolvida em parceria com a Amazon Web Services (AWS) e a Amazon, a plataforma monitora desmatamento ilegal, déficit de reserva legal, áreas de preservação permanente e de conflito, incluindo a rastreabilidade de rebanhos bovinos.
Em São Paulo, a Coordenadoria de Assistência Técnica Integrada (Cati), da Secretaria de Agricultura e Abastecimento, responsável pela gestão do SICAR-SP, desenvolveu uma plataforma de “analisada dinamizada”, com o objetivo de dar mais celeridade ao processo de análise dos cadastros, por meio do uso de inteligência artificial.
Atualmente, 96,4% dos imóveis rurais do estado estão em condições avançadas no processo de atualização do CAR, segundo dados consolidados pelo governo federal do SiCAR, cuja última atualização é outubro de 2023.
Mas de acordo com a Cati, que tem dados atualizados em tempo real, o estado de São Paulo tem 44.509 cadastros validados – quase o dobro do consolidado até outubro pelo governo federal (22.515), elevando para 13% a sua taxa de conformidade.
“O Estado de São Paulo não tem registro de desmatamento desde 2008 e vem trabalhando numa plataforma que usa inteligência artificial, que se torne um hub de informação”, explica Priscila Rocha Silva Fagundes, pesquisadora do Instituto de Economia Agrícola da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo.
Segundo ela, a plataforma do governo paulista segue as orientações do Serviço Florestal Brasileiro e está sendo compartilhada com estados como Santa Catarina, Minas Gerais e Distrito Federal.
“As nossas dores são comuns e precisamos desenvolver um trabalho que una esforços”, diz Fagundes, questionando a morosidade federal em avançar na integração dos dados.
Santa Catarina, aliás, tem quase 400 mil imóveis rurais cadastrados, mas zero confirmados, de acordo com a plataforma do SiCAR.
Como uma forma de acelerar os cadastros no estado, a Assembleia Legislativa aprovou lei que inclui a Secretaria da Agricultura e Pecuária no Sistema Estadual do Meio Ambiente – SISEMA. Com isso, o governo do estado espera homologar os cadastros ambientais rurais – todos pendentes.
Idas e vindas do CAR
Instituído legalmente pelo Código Florestal no âmbito do Sistema Nacional de Informação sobre Meio Ambiente (Sinima), o CAR consiste em uma base de dados estratégica para o controle, monitoramento, combate ao desmatamento e planejamento ambiental e econômico.
Na estrutura federal, ele é gerenciado pelo Serviço Florestal Brasileiro (SFB), que historicamente esteve atrelado ao Ministério do Meio Ambiente.
Mas durante a gestão de Jair Bolsonaro o SFB – e consequentemente, o CAR – foi transferido para o escopo de responsabilidade do Ministério da Agricultura.
Em janeiro de 2023, já sob a gestão de Luiz Inácio Lula da Silva, ele voltou para o Ministério do Meio Ambiente, mas em outubro o CAR passou a ser de responsabilidade do Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos (MGI), com a criação da Diretoria do Cadastro Ambiental Rural – que tem a responsabilidade de integrar o sistema nacionalmente.
Outra mudança recente – e que influencia os projetos de ampliação da sustentabilidade do agronegócio em âmbito nacional –, foi o pedido de exoneração, em julho, da Secretaria de Inovação, Desenvolvimento Sustentável, Irrigação e Cooperativismo (SDI) do Ministério da Agricultura, Renata Miranda.
Para o seu lugar, foi indicado Eduardo Bastos, agrônomo que ocupa a presidência da Câmara Temática de Agrocarbono Sustentável do Ministério da Agricultura.
O principal projeto liderado por Renata era a Plataforma AgroBrasil+Sustentável, ferramenta prevista para ser lançada em julho – mas que agora não tem prazo para ser apresentada.
Ela seria a base do governo federal para implementar a rastreabilidade de produtos agropecuários e apoiar produtores, especialmente os de menor porte, a cumprir as regras da EUDR – a lei antidesmatamento da União Europeia que entra em vigor no final do ano.
“Somos mais avançados do que a Europa no controle ao desmatamento”, diz Raoni. O desafio é conseguir comprovar essa estatística, em dados consolidados e numa plataforma auditável e confiável.