As próximas semanas de janeiro serão cruciais para ditar os rumos da safra de grãos na Argentina e no Rio Grande do Sul. Isso porque as perspectivas de clima mais seco, com pouca ou nenhuma chuva, causados pela formação de um La Niña, podem prejudicar o desenvolvimento das lavouras de soja e milho e comprometer a produtividade da temporada 2024/2025.

Os primeiros mapas climáticos do ano, com previsões de seca na primeira quinzena de janeiro, já foram suficientes para deixar o mercado ansioso.

“Temos visto muitos fundos especulativos demonstrando preocupação porque, nessa época do ano, o mundo volta a atenção para a safra sul americana, especialmente para o Brasil e Argentina”, explica Rafael Bulascoschi, analista de mercado da StoneX.

Ele explica que algumas das principais regiões produtoras de grãos da Argentina estão bastante próximas das fronteiras com o Rio Grande do Sul, fazendo com que os efeitos climáticos do La Niña sejam sentidos em ambos os lados da fronteira.

Além disso, as safras dos dois países são plantadas e colhidas em períodos próximos, fazendo com que os países concorram no mercado de commodities nas mesmas épocas do ano. “Por isso essa análise de clima e produção é sempre feita olhando os dois países conjuntamente”, explica.

Por enquanto, os mapas climáticos indicam um início de janeiro mais seco para Argentina e Rio Grande do Sul. Para a segunda quinzena do mês, as previsões apontam que podem ocorrer chuvas nas regiões produtoras na Argentina, mas em volume abaixo da média.

“Ainda é cedo para dizer se teremos perdas, é preciso esperar para ver se as previsões de precipitação irão se confirmar e quais serão os volumes de chuvas nas regiões”, pondera Luiz Fernando Gutierrez, coordenador de Market Intelligence na Hedgepoint Global Markets.

Análise divulgada nesta quarta-feira, 8 de janeiro, pelo Itaú BBA, indica que o plantio da soja na Argentina para a safra 2024/2025 já atingiu 92,7% da área total prevista para a temporada, que deve ficar em 18,4 milhões de hectares, de acordo com dados da Bolsa de Cereales.

O relatório indica ainda que a qualidade das lavouras seguem dentro do esperado, com 53% delas estimadas entre boas ou excelentes, 43% dentro da normalidade e apenas 4% delas consideradas em “condições ruins”.

Bulascoschi explica que alguns relatórios internacionais indicam que as regiões produtoras de Córdoba, Buenos Aires e Santa Fé podem receber apenas 40% das chuvas previstas para o mês de janeiro. “Já está mais seco que o normal em algumas regiões”, pondera.

Caso ocorram perdas na Argentina, a tendência é de que a soja sofra maiores impactos. Isso porque os produtores, receosos com a infestação de cigarrinhas, praga que assolou as lavouras de milho na safra passada, acabaram por plantar área maior de soja na temporada 24/25, reduzindo o cultivo de milho.

No Brasil, o estado do Paraná, que em anos anteriores também sentiu os efeitos do La Niña, não deve ser atingido pelo fenômeno na safra 2024/2025.

“A safra por lá está se desenvolvendo muito bem e a colheita deve começar em breve, já na segunda quinzena de janeiro”, calcula Gutierrez.

Mesmo que o mês de janeiro seja mais seco, Gutierrez explica que ol La Niña será um pouco mais leve do que o visto em safras anteriores.

O fenômeno, esperado para começar entre setembro e outubro de 2024 acabou atrasando e “deu as caras” apenas no início de 2025, o que segundo o analista, favoreceu o início da safra 2024/2025.

Mesmo chegando com atraso, no entanto, o fenômeno pode causar perdas no campo. “A princípio o La Niña deve ser mais curto e se encerrar em meados de março. O problema é que ele pode pegar um momento importante de desenvolvimento das plantas, causando impactos na produção. Às vezes, não é a intensidade do fenômeno que causa estragos, mas sim o momento em que ele afeta as lavouras”, explica Gutierrez.

Bulascoschi, da StoneX, afirma que nem sempre a incidência do fenômeno significa seca. “A seca costuma ser comum, mas não é regra. Na safra 2021/2022, por exemplo, apesar do fenômeno, o Rio Grande do Sul colheu uma safra recorde”, pondera.

Por enquanto, Gutierrez avalia que os impactos não causarão grandes problemas no Brasil, justamente porque o clima até dezembro de 2024 foi favorável aos cultivos. “Ainda devemos ter uma safra recorde no Brasil e consequentemente na América do Sul”, prevê.

“As perspectivas de alguma chuva no final de janeiro trouxeram um alívio às preocupações do mercado. Mas caso chegue fevereiro e o clima seco persista, aí deveremos ter alguns problemas”, concorda Bulascoschi..

Até o momento, a apreensão não se refletiu nas cotações, tanto da soja quanto do milho, que não sofreram grandes oscilações.

Dados da StoneX mostram que os preços médios da soja na Bolsa de Chicago (CBOT) na última semana de 2024 ficaram em US$ 9,84 por bushel e chegaram a US$ 9,91 na primeira semana de janeiro (entre 2 e 7/1). No mesmo período, as cotações do milho passaram de US$ 4,53 por bushel para US$ 4,56.

Com o início da colheita se aproximando, Gutierrez acredita que os próximos meses deverão ser de cotações mais baixas para os grãos, justamente porque a entrada de mais soja e milho no mercado vai ampliar a oferta de produtos.

“A perspectiva de produção recorde, mesmo com o La Niña, deve pressionar os preços e os prêmios. Talvez haja algum suporte nas cotações devido ao câmbio, mas pensando no aumento da oferta de grãos no mercado, a tendência é de que cedam”, avalia.

A preocupação de produtores, compradores e exportadores é de que o cenário visto na safra 2022/2023, especialmente na Argentina, se repita no ciclo atual. Naquela temporada, a seca comprometeu o desenvolvimento e o rendimento da produção de soja e milho e o resultado foi uma quebra na safra Argentina.

Para o Brasil, no entanto, a safra 2022/2023 não foi das piores por dois motivos: apesar da quebra na produção do Rio Grande do Sul, a produção de grãos do Centro-Oeste bateu recordes.

Segundo dados do Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (IMEA),a produção de milho somente no Mato Grosso chegou a 52,50 milhões de toneladas, aumento de 19,77% em relação ao ciclo anterior.

A soja também bateu recordes no estado, com a produção em 45,32 milhões de toneladas, aumento de 10,97%. “A super-safra do Centro-Oeste acabou por compensar as perdas do Sul, ajudando a equilibrar a oferta no mercado e amortecendo os preços”, explica Bulascoschi.

Ele explica que caso haja alguma perda na produção de milho na região Sul, por exemplo, o volume não deve ser tão significativo, já que é na segunda safra de soja e de milho onde está concentrado o maior volume de produção.

Além disso, enquanto a incidência do La Niña significa maior probabilidade de seca no Sul do país, para a região Centro-Oeste geralmente o fenômeno representa a chegada de ventos alísios para a região, que carregam mais umidade. “Caso isso aconteça, pode haver melhora da produção de grãos por lá”, pondera Bulascoschi.