Fortaleza (CE) - Cortes de juros previstos para os Estados Unidos e tendência de elevação para a taxa Selic no Brasil. Em alguns temas, os economistas de grandes bancos são unânimes, como mostrou um painel no segundo dia do Congresso Brasileiro do Algodão, com a participação de representantes de pelo menos quatro que atuam no agro do País: Itaú BBA, Banco do Brasil, Sicredi e Rabobank.
Uma das constatações é que, se considerados os principais fundamentos de mercado, o real deveria se valorizar em relação ao dólar.
“Tem grande chance de o Brasil começar a aumentar a Selic (taxa básica de juros), que vai ficar mais elevada e tende a atrair mais capitais. Quando se olha fundamentos da nossa economia, mais o cenário nos Estados Unidos, se tende a olhar para o final de 2024 e início de 2025 para uma moeda brasileira um pouco mais valorizada, na faixa de R$ 5,30 ou R$ 5,35 (por dólar), abaixo do que estamos vendo agora”, afirmou André Nunes, economista-chefe do Sicredi
Marcelo Rebelo, economista-chefe do Banco do Brasil, também avaliou que em 18 de setembro, quando haverá uma “super quarta”, jargão de mercado para o dia em que os Bancos Centrais do Brasil e dos Estados Unidos definem suas taxas de juros, a expectativa é de um comportamento inverso nos dois países.
“Os ciclos econômicos nas duas regiões estão em momentos distintos, por isso espera-se que o banco central americano comece o processo de redução de suas taxas de juros e, no Brasil, que seja retomada a elevação”, explicou.
Na visão dos especialistas, a economia dos EUA apresenta sinais de desaceleração, enquanto no Brasil há um período de aquecimento, o que justifica os caminhos adotados.
No Banco do Brasil, a projeção também é de fortalecimento da moeda brasileira. Rebelo alertou, porém, que diversas variáveis ainda podem influenciar esse cenário, como as eleições nos EUA. “A hipótese de um governo majoritariamente republicano (com Donald Trump) tende a fortalecer o dólar”.
O economista-chefe do Rabobank, Maurício Une, deixou claro que o cenário considerado mais provável pela sua equipe até o momento é a vitória de Donald Trump.
Ele espera que o FED (Federal Reserve, banco central dos Estados Unidos) corte os juros por quatro vezes seguidas e depois pare para avaliar se há espaço para continuar caindo. “Para o final do ano esperamos um câmbio mais apreciado, potencialmente em R$ 5,20”, afirmou.
O diretor de agronegócio do Itaú BBA, Pedro Fernandes, que também participou do painel, afirmou que o “Brasil não está na moda para os investidores globais”, que hoje estariam mais interessados, por exemplo, na Índia, o que também tem contribuído para a recente desvalorização do real.
Fernandes aproveitou para dar um recado aos produtores brasileiros. “Há oportunidade para o produtor de algodão fazer uma boa gestão de risco”.
Após o painel, em conversa com o AgFeed, o diretor do Itaú BBA explicou que “dentro de uma visão global, o preço das comodidades agrícolas em dólar, ele tem pouco espaço para subir e eventualmente pode, se a safra brasileira se confirmar como uma safra grande, eles podem vir a cair em dólar”.
A mesma coisa, segundo ele, está ocorrendo com a cotação do real em relação ao dólar. “O câmbio está em um patamar bastante bom e, eventualmente, se ele convergir, para o que os modelos econômicos indicam, ele também vai ter uma retração. Então, nas condições atuais, é possível travar uma boa margem. A nossa recomendação é que essa margem, que não é fantástica, seja garantida. A fixação de preço garante a margem”, afirmou.
Quem não fizer isso, na visão do executivo, corre o risco de lidar com uma margem ainda mais apertada mais adiante. “É um ano em que não se tem tanta gordura para especular no pós-colheita”.
Demanda chinesa x preço das commodities
Um ponto que mostrou leves divergências entre os economistas é o desempenho da economia chinesa.
Para André Nunes, do Sicredi, já está havendo uma transição gradual no país asiático. “Na China a retomada demora um pouco, mas eles começam a dar sinais de que estão resolvendo a questão do mercado imobiliário. Equity e ações chinesas estão com certa retomada, por isso daqui 12 ou 18 meses a retomada global pode vir junto com um pouco de crescimento na China também”, prevê.
Na visão do economista, apesar de crescer mais lentamente, pelo tamanho da China ela segue acrescentando “uma Argentina” a cada 7 meses na economia global. Por isso, ele acredita em melhor cenário no médio e longo prazo.
Já Marcelo Rebelo, do Banco do Brasil, avalia que este processo pode demorar uma década. “Eu acho que a China está passando por um período de desalavancagem importante no setor imobiliário, que não vai ser resolvido em 12 meses. Eu acho que isso leva um tempo adicional”, afirmou.
Ele explica que, ainda assim, é uma “desaceleração organizada, não há crise sistêmica”. A China que antes crescia até 7% (nos últimos anos) pode passar os próximos três anos avançando entre 2% e 5%.
No Rabobank a expectativa é de estabilidade para os preços das commodities, à medida que o PIB global poderá ter um desempenho “flat”, independentemente do desempenho da China.
Maurício Une destacou o cenário de “desaceleração global de crescimento”, com PIB dos EUA avançando 2,1% (foi 2,5% no ano passado) , China 4,8% esse ano e 4,6% em 2025 e Europa “andando de lado, o que mostra um cenário “bastante complicado para as commodities”.
Na visão do economista, um reaquecimento na demanda global (por commodities) só deve ser visto entre 2025 e 2026.
No Itaú BBA a previsão é de que os preços para 2025, em quase todas as commodities, seja inferior ao de 2024.
“A gente vê uma safra americana que vai evoluindo muito bem, uma relação de estoque e uso confortável nas principais commodities, com exceção do açúcar, que até está num momento bom de preço. E essa relação de estoque e uso confortável, mais uma visão de macroeconomia de um mundo que cresce menos, traz uma pressão de preços de commodities para baixo”, disse Pedro Fernandes.
Agro volta a ser “protagonista
Apesar do cenário global pessimista, o economista-chefe do Banco do Brasil afirmou que o agro voltará a ter “protagonismo” no PIB brasileiro em 2025. A instituição prevê um avanço de 3,5% para o PIB da agropecuária no próximo ano. Já em 2024 considera que haverá um recuo de 1,4%.
Em entrevista ao AgFeed, ele explicou porque tem a visão otimista apesar do cenário de preços ainda baixos.
“Temos uma preocupação menor em relação à questão climática. A nossa expectativa é de que venha um La Niña, mas de intensidade relativamente baixa, o que favorece essa retomada”, disse. Caso o fenômeno fique mais intenso, ele admite que as previsões para a produção agrícola e PIB serão revisadas.
O Rabobank lembra que, no ano passado, o PIB da agropecuária avançou 15% e que agora o cenário é de “acomodação”. Para o ano que vem, o banco também está otimista, considerando que o desempenho pode avançar até 5%.
Pedro Fernandes, do Itaú BBA, também espera recuperação do PIB agropecuário em função da expectativa de uma melhor colheita.
“Esse ano o PIB (da agropecuária) foi afetado aqui, tanto pela seca no verão quanto pelos eventos climáticos do Rio Grande do Sul e, segundo as projeções da nossa consultoria, a gente vê para 2024/2025 um aumento de área de soja e, provavelmente, uma estabilidade levemente na área de safrinha. Então, é possível prever que se o clima se comportar bem, teremos sim um crescimento, porque a gente sai de uma base deprimida, que é uma base que conta com algumas quebras”, explicou.
Outra boa notícia é de que a carteira agro do Itaú BBA caminha para fechar em patamar ainda maior do que o previsto na mais recente entrevista de Fernandes ao AgFeed.
Apesar de rodar com atraso, Fernandes disse que “o mercado de insumos andou, de uma maneira bastante rápida aqui, especialmente em julho”. Com isso, a tomada de crédito evoluiu ao longo dos meses, segundo ele, com exceção dos investimentos em maquinários, que seguem represados.
“O que houve foi uma falta de apetite por linhas de investimento. Natural de um cenário de remuneração mais apertada”, afirmou.
A carteira agro do Itaú BBA está hoje em R$ 107 bilhões e poderá fechar o ano em R$ 115 bilhões, segundo o executivo. Até agora já houve um crescimento de 20% nos primeiros oito meses do ano em comparação a 2023.