Um mercado composto por cerca de 40 milhões de pessoas – quase o mesmo que o total de habitantes da Argentina. Esse é público vegano e vegetariano para o qual os produtores brasileiros de pulses – como feijões, ervilha, lentilha e grão-de-bico – estão olhando para conseguir ganhar escala e produtividade nos próximos anos.
E também olham muito além. Se no Brasil, o consumo de produtos veganos e vegetarianos movimenta cerca de R$ 15 milhões ao ano, o mercado global, que foi de US$ 15,6 bilhões em 2021, tem potencial para chegar a US$ 50 bilhões até 2030, segundo estimativas da Euromonitor.
Pesquisa do Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope) junto com a Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB) mostra que o mercado de produtos veganos e vegetarianos cresce a uma taxa de 40% ao ano no Brasil.
Outro estudo, da Global Data publicado pela Forbes, aponta que 70% da população global está diminuindo o consumo de carnes – com os Estados Unidos liderando a tendência. Estima-se que a cada ano 8 milhões de pessoas se tornam veganas ou vegetarianas no mundo.
“O Brasil tem condições de se tornar um dos principais fornecedores de produtos ‘plant based’ com a produção de pulses, especialmente feijões, que são ricos em proteínas e considerados um excelente substituto das carnes”, afirma Marcelo Luders, presidente do Instituto Brasileiro do Feijão e Pulses (Ibrafe).
Gigantes dos alimentos já entenderam essa tendência. A Cargill comprou por US$ 75 milhões a Puris, uma das maiores produtoras de ervilhas dos Estados Unidos. A Danone investiu US$ 60 milhões para fabricar alimentos veganos para atender o mercado americano e a JBS está construindo fábricas no Brasil e na Espanha para produzir carne a partir de proteína cultivada.
“O que estamos buscando agora é estimular o aumento da produção de pulses, com foco não apenas no mercado nacional, mas no internacional”, explica Luders.
Segundo ele, o ganho de escala e competitividade que será criado com a abertura do mercado internacional vai aumentar o interesse dos produtores nacionais em plantar pulses. “Nas últimas safras, muitos migraram para soja e milho porque eram mais rentáveis. Isso precisa se reverter”.
Além de um grande mercado consumidor, o cultivo de pulses pode ter ainda atrativos financeiros para quem os produz. O preço da saca do feijão, por exemplo, subiu 40% entre a safra 2022/23 e a anterior, o que melhorou a rentabilidade da produção.
Na última década, a área plantada destinada à produção de feijão diminuiu no Brasil em mais de um milhão de hectares. O mesmo aconteceu com o consumo: caiu em quase 50%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE).
De acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a safra de feijão deste ano (2022/23) deve crescer 2,6%, para cerca de 3 milhões de toneladas. Apesar de o volume ser maior em relação ao ano anterior, ainda é muito menor do que o verificado há alguns anos. Em 2019, por exemplo, a safra chegou a 6 milhões de toneladas.
Apesar de estar entre os maiores produtores e consumidores de feijão, precisa importar para atender a demanda do mercado interno. O cenário é o mesmo para os demais pulses, como ervilha e grão-de-bico – que é a leguminosa mais consumida no mundo depois da soja.
O pesquisador Warley Nascimento, que coordena o programa de melhoramento de leguminosas como ervilha, lentilha e grão-de-bico na Embrapa, defende que o aumento da produção é essencial para que o Brasil reduza sua dependência em importar esses alimentos.
O principal objetivos das pesquisas é dar condições de ganho de escala e produtividade, com o objetivo principal de reduzir preços – que é um dos fatores de restrição de um maior consumo nacional desses produtos, especialmente do grão-de-bico e da lentilha, que hoje é quase que totalmente importada, principalmente do Canadá.
No caso do feijão, lembra Luders, do Ibrafe, a queda do consumo tem relação direta com a menor oferta. “Com oferta menor, o preço subiu e o feijão mais caro desestimulou o consumo”, afirma. Segundo ele, o Brasil precisa produzir o suficiente para atender seu mercado interno – o que não acontece no caso de variações do feijão que não sejam o preto e o carioca.
Mercado externo
A Ásia é hoje o maior mercado para pulses do mundo, especialmente para o feijão. Índia e China são grandes produtores e consumidores. Mas é a China que desponta com um potencial grande mercado para os pulses brasileiros a partir dos próximos anos.
O cultivo de feijão na China vem perdendo espaço para grãos como a soja – houve queda de 10% da produção desde 2019, enquanto o consumo per capita cresce 400% ao ano, segundo o Ibrafe.
Essa redução da produção tem a ver com uma estratégia do governo chinês, que determinou a redução de áreas destinadas a pulses – em especial o feijão – no plano plurianual editado em 2021.
Com isso, abriu mais um mercado para produtores brasileiros, desde que o país consiga competir com outros grandes produtores globais desses produtos – como México.
Um dos desafios do Brasil para atender o mercado internacional tem sido diversificar a produção de espécies de feijão. Existem hoje aproximadamente 40 tipos de feijão que podem ser encontrados no Brasil.
O feijão-carioca é o mais consumido e ocupa mais de 50% da área cultivada. Justamente a espécie com menor aceitação no mercado internacional.
O feijão-preto vem em segundo lugar, plantado em cerca de 20% da área produtora, e tem maior consumo no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina, no sul e no leste do Paraná, no Rio de Janeiro, no sudeste de Minas Gerais e no sul do Espírito Santo.Outras espécies são o feijão-caupi ou feijão-de-corda, mais aceito no Norte e Nordeste.
“O que o mercado externo espera da produção de pulses do Brasil é qualidade, preço e previsibilidade, ou seja, garantia de entrega dos produtos”, afirma o presidente do Ibrafe.
“Se conseguirmos manter uma produção contínua, seremos capazes de atender tanto a demanda chinesa, quanto o mercado que consome exclusivamente proteínas vegetais”.
Além dos mercados que são tradicionalmente consumidores de feijão – como os asiáticos - e dos veganos e vegetarianos, os produtores de pulses miram também pessoas com determinados tipos de intolerância alimentar ou apenas interessadas em ser mais saudáveis e ambientalmente responsáveis.
Dentro da defesa dessas culturas, estão ainda dados de responsabilidade ambiental pois os pulses, lembram Ibrafe e Embrapa, necessitam de menos água para serem produzidos.
O cultivo de soja, por exemplo, utiliza cerca de 1.700 litros de água para produzir 1 quilograma. No caso do feijão, são necessários 330 litros de água para produzir 1 quilo. Para se produzir 1 quilo de carne bovina são necessários mais de 14.000 litros de água.
Estimular o cultivo dos pulses, também chamados de superalimentos por especialistas em nutrição, não faria bem apenas para o corpo de quem os consome. Mas também para o bolso dos agricultores e para o meio ambiente.