O aumento do percentual de mistura de biodiesel no combustível fóssil tradicional – de 10% para 12% neste ano, com previsão de chegar a 15% em 2026 – tende a impulsionar a posição brasileira entre os produtores de biocombustíveis do mundo.
Acima de tudo, porém, tem potencial para dar um novo impulso aos programas que incentivam a compra de insumos de pequenos agricultores, como o Selo Biocombustível Social e o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), segundo especialistas consultados pelo AgFeed.
Terceiro maior produtor e consumidor de biodiesel do mundo, segundo a Renewables Global Futures Report (REN21,2022), o Brasil ainda é dependente da importação de combustíveis fósseis – e de biodiesel.
Somente em junho deste ano, o volume de diesel adquirido no exterior subiu 12,5%, para 1 bilhão de litros, segundo dados do governo brasileiro. Assim, uma maior mistura com combustíveis obtidos de fontes renováveis pode ajudar a reduzir essa dependência, além de contribuir com o cumprimento de metas ambientais.
“O Brasil hoje, apesar de exportar petróleo, precisa importar produto refinado porque não tem capacidade de refino para atender a demanda interna – de combustível e biocombustíveis”, afirma Júlio Cesar Minelli, Diretor-Superintendente da Associação dos Produtores de Biocombustíveis do Brasil (Aprobio).
Minelli lembra que o aumento da mistura atende à demanda por descarbonização, mas mais do que isso amplia a inclusão da agricultura familiar como fornecedora de insumos para a produção de biodiesel e outros biocombustíveis, incluindo o diesel de aviação.
De acordo com a Aprobio, a agricultura familiar é responsável por cerca de 40% da matéria-prima utilizada para produção de biocombustíveis no Brasil. A tendência é que esse percentual aumente nos próximos anos devido aos estímulos anunciados recentemente pelos Ministérios do Desenvolvimento Agrário e da Agricultura Familiar (MDA), de Minas e Energia (MME) e Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).
Os incentivos visam expandir o apoio aos agricultores familiares inseridos no Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB). Um dos mecanismos de inclusão é o Selo Biocombustível Social (SBS), que concede ao produtor de biodiesel que possui o selo coeficientes de redução nas alíquotas de PIS/Pasep e COFINS caso comprem insumos provindos da agricultura familiar.
Os níveis de redução de tributos variam de acordo com a região onde a matéria-prima foi adquirida.
O Boletim SBS aponta que na Safra 2019/ 2020, o selo beneficiou 74.244 agricultores familiares distribuídos em 664 municípios de 16 estados brasileiros. Em 2020, as aquisições de matérias-primas produzidas pela agricultura familiar atingiram o valor de R$ 5,9 bilhões, o maior registrado na série histórica do selo.
De acordo com o Censo Agropecuário, existem cerca de 5 milhões de propriedades rurais mapeadas no Brasil, das quais 77% são consideradas como de agricultura familiar. Ou seja, ainda há muito espaço de ampliação dos programas de estímulo.
Relatório de desempenho do SBS indica que em 2021, foram comercializados R$ 8,8 bilhões em matéria-prima da agricultura familiar, aumento de 48,5% em relação ao ano anterior.
Desse total, R$ 4,7 bilhões foram provenientes da compra de insumos de agricultura familiar para produção exclusiva de biodiesel.
Estímulos fiscais e financiamento
Recentemente, o governo anunciou incentivos financeiros e fiscais para empresas que comprem insumos de pequenos produtores das regiões Norte, Nordeste e Semiárido, fixando como meta ampliar a participação dessas regiões na cadeia do biodiesel em pelo menos 10% em 2024, 15% em 2025 e 20% a partir de 2026.
Além dos benefícios fiscais, o Mapa liberou R$ 364,22 bilhões em financiamentos de atividade empresarial para o Plano Safra 2023-2024, dos quais R$ 71,6 bilhões foram destinados para agricultura familiar.
Dessa quantia, cerca de R$ 5,5 bilhões serão direcionados para agricultores da região Norte, com investimento de R$ 1,6 bilhão apenas para o estado do Pará.
É no Pará que o grupo BBF (Brasil BioFuels), maior produtor de óleo de palma da América Latina, conseguiu ampliar produção por meio de parceria com pequenos produtores.
No primeiro semestre deste ano, forem coletadas 19 mil toneladas de frutos, volume 20% superior ao do mesmo período do ano passado. O volume foi produzido por 400 agricultores locais, que tiveram remuneração de R$ 16 milhões pela venda do dendê à BBF.
O estímulo fiscal oferecido pelo governo com o selo e os incentivos à parceria nas regiões, Norte e Nordeste, principalmente, visam, além de promover desenvolvimento, diversificar as culturas que fornecem insumos para a produção de biocombustíveis para além da soja, milho e cana-de-açúcar – como é o caso do óleo de palma, no Pará.
Isso acontece porque, hoje, o Rio Grande do Sul é o estado com maior concentração de pequenos produtores que contribuem para a cadeia dos biocombustíveis do país por causa da forte presença da soja (quase 30% do total).
Goiás, que também é forte na produção de soja, vem em segundo lugar (15%). Com a diversificação regional, o governo pretende estimular o uso de coco, dendê, mamona, macaúba, canola, girassol e gergelim na produção de biocombustíveis.
“Hoje, 70% do biodiesel brasileiro vem do óleo de soja, mas o biocombustível pode ser produzido de vários tipos diferentes de matéria-prima”, diz Minelli, da Aprobio.
“Palma já é uma delas, mas é preciso estimular outras fontes para o uso no futuro.” Com o pequeno produtor tendo papel fundamental nesses planos.
Segundo a Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustível (ANP), a agricultura familiar sozinha movimentou 3,2 milhões de toneladas em 2021 – cerca de R$ 8 bilhões, sendo a soja a matéria-prima mais utilizada.
Depois dela, outros sete insumos aparecem: coco, milho, bovinos, mamona, açaí, óleo de frango e canola. Quando se olha para os insumos destinados exclusivamente para produção de biodiesel, aparecem misturas de subprodutos como óleo de palma, gordura de porco, óleo de fritura usado e óleo de algodão.
Mercado em expansão
Atrás apenas da Indonésia e Estados Unidos entre os produtores e consumidores de biodiesel pelo ranking internacional da REN de 2021, o Brasil tende a subir alguns degraus nos próximos anos devido a sua posição de liderança na produção das principais commodities que abastecem a cadeia dos biocombustíveis.
O País, que já é o maior produtor e exportador mundial de soja e cana de açúcar, assumiu a liderança mundial também de exportação de milho, à frente dos Estados Unidos, de acordo com o Departamento de Agricultura americano. Uma boa notícia, mas que traz preocupações para o abastecimento do mercado interno com biocombustíveis.
De acordo com a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), o consumo de biodiesel no Brasil foi de 6,8 bilhões de litros em 2021, aumento de 5% em relação ao ano anterior - e com o nível de mistura em torno de 10%.
Já a produção, mensurada pela Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustível (ANP), foi de 6,7 bilhões de litros – ou seja, menos do que a demanda, o que exigiu ao país importar produto para atender o nível de consumo nacional.
E é com o objetivo de endereçar esse desafio que está em análise no Congresso o Projeto de Lei 893/2023, do deputado federal Vicentinho Júnior (Progressistas/TO). Ele propõe a ampliação dos benefícios do eelo a outros biocombustíveis, como diesel verde, o bioQAV, hidrogênio e biogás.
“Novos biocombustíveis estão sendo introduzidos na matriz energética brasileira todos os dias e precisamos nos antecipar a esse movimento”, diz o deputado.
Com produção nacional em expansão e aumento dos índices de mistura, o Brasil talvez consiga autossuficiência também em biocombustíveis – mas espera-se que, diferentemente do petróleo, tenhamos condições de além de colher o óleo, refinar e distribuir.