A estiagem prolongada tem se tornado um temor crescente para o agronegócio brasileiro, afetando diretamente a produção agrícola, reduzindo a produtividade e gerando preocupação com efeitos que acarretariam até mesmo uma pressão inflacionária.

Nesta quarta-feira, 11 de setembro, até mesmo o ministro Fernando Haddad, da Fazenda, afirmou que o quadro de condições climáticas extremas pode estimular aumentos nos preços de alimentos e energia, estimulando a alta da inflação e, com isso, uma possível elevação de juros.

“O Banco Central tem o arcabouço técnico para tomar a melhor decisão”, disse Haddad a repórteres, em Brasília. “Vamos esperar a decisão de política monetária da semana que vem.”

Se olharem com atenção para o campo, os diretores do BC verão sinais negativos para a próxima safra, segundo especialistas ouvidos pelo AgFeed. Se até o momento o impacto nos preços dos alimentos é baixa, a perspectiva de que o clima severo permaneça e traga prejuízos às lavouras indica que eles podem vir mais para a frente.

“Estamos vivendo um momento um pouco mais crítico que o da última safra”, diz o meteorologista Willians Bini, diretor da meteoblue Brasil, ao recordar do impacto do El Niño no processo de plantio no final do ano passado, quando as temperaturas recordes causaram seca no Centro-Oeste e excesso de chuvas no Sul.

Uma das razões, segundo ele, é que o clima está mais quente não apenas no Brasil, mas no planeta todo. “São cerca de 14 meses seguidos nos quais se bate recordes de temperatura mês a mês. Não é mais um cenário específico, é uma tendência”, diz, enfatizando que o mês de agosto foi o mais quente da história.

Com o fim do El Niño e o começo da formação do La Niña havia uma perspectiva de arrefecimento das temperaturas globais – o que não irá acontecer no Brasil. Por aqui, as expectativas são de menos chuvas no Centro-Sul do País, o que irá adiar o início da fase de semeadura, com potencial impacto no processo de colheita.

“Já estamos em setembro e essa situação – de temperatura muito elevada, com umidade relativa do ar muito baixa e falta de chuva – deve mudar só partir de outubro ou novembro”, afirma Alcides Torres, da Scott Consultoria.

Segundo ele, se essa situação perdurar, podemos ter redução de produtividade de maneira generalizada em culturas como café, cana-de-açúcar, milho, soja, sorgo e até de capim – importante para a pecuária.

“O clima tropical sempre foi nossa grande vantagem competitiva em relação aos concorrentes que operam no clima temperado”, dizTorres, para quem a perspectiva é de quebra de safra, com impacto nos preços.

E é justamente por conta do padrão atípico das chuvas – que deveriam começar a cair a partir de setembro – que o planejamento e manejo do cultivo se torna importante, na visão da diretora de Marketing da Divisão de Soluções para Agricultura da Basf, Graciela Mognol.

Ela cita como alternativas para driblar os desafios do clima, a escolha de cultivares certificadas, escalonamento de plantio e aplicações preventivas e com intervalos corretos de fungicidas, bem como o auxílio de ferramentas digitais, podem reduzir os riscos de perda de produtividade.

“Podemos ter secas na região Sul do Brasil, principalmente no período inicial, quando o cultivo ainda está se adaptando no solo. Já no Cerrado, especialmente em Mato Grosso, vemos a possibilidade de chuvas em excesso, principalmente no momento da colheita Entender essa complexidade climática é fundamental para que se possa extrair o máximo da lavoura e minimizar impactos”, afirma Mognol.

Bini, da meteoblue, explica que regiões como Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás estão há mais de 100 ou 140 dias sem chuva e que mesmo assim em algumas culturas o ano foi razoável em termos de produção. “Mas poderia ter sido muito melhor”, diz.

Efeitos na Produção Agrícola

A seca afeta diversas culturas, como soja, milho, café e cana-de-açúcar. A soja, por exemplo, que é uma das principais commodities do Brasil, sofre com a falta de água durante o período de crescimento, resultando em grãos menores e de menor qualidade.

Um exemplo bem claro diz respeito ao principal produto agropecuário brasileiro, a soja. O calendário da cultura indica que o plantio já deveria ter sido iniciado em algumas regiões, como no Mato Grosso, maior estado produtor do grão. Mas com o solo seco, os produtores não têm lançado as sementes, acarretando em movimentos no mercado.

A perspectiva de uma safra menor já se reflete nos prêmios pagos na comercialização, que subiram mais de 1,3% no mês, segundo o indicador Cepea para a soja entregue no Porto de Paranaguá (PR).

O milho, essencial tanto para consumo humano quanto para ração animal, também apresenta queda na produtividade, impactando toda a cadeia produtiva.

Os problemas climáticos não são exclusividade do Brasil, mas para os analistas, o fato de o país ter estoques mais baixos deixa, de certa forma, o agricultor local mais vulnerável.

“A China vem fazendo estoques de praticamente tudo, comprando alimentos e outras matérias-primas, numa sinalização de preparação para um cenário mais hostil em função do clima e das expectativas em relação ao resultado das eleições americanas”, alerta Scott.

O contexto político dos Estados Unidos é um fator que parece ser distante do impacto do clima no agronegócio, mas não é. A agenda climática não é um tema bem-vindo ao candidato republicano Donald Trump, que abandonou o Acordo de Paris quando era governo, em 2017.

“Chegamos ao que os ambientalistas chamam de ‘tipping point’, ou seja num cenário onde as mudanças climáticas não podem mais ser revertidas”, diz Bini, para quem o mundo – entre eles o Brasil – já entrou numa nova fase climática, na qual o plano precisa ser de adaptação.

Bini alerta que estamos numa nova realidade, que envolve a engrenagem do agronegócio e da cadeia de suprimentos, para a qual é preciso planejar e desenvolver processos de adaptação climática, pois mitigar não é mais suficiente.

“Não sou agrônomo, mas de fato é o momento de adaptação, pois não temos mais como remediar”, diz Bini, lembrando que para o agronegócio, pequenas mudanças de temperatura trazem impacto muito grande na produtividade.