Sorriso (MT) - O Brasil, especialmente no Centro-Oeste, vivencia há pelo menos 50 anos o surgimento relâmpago de cidades por conta do agronegócio. Municípios como Sorriso, Sinop e Lucas do Rio Verde, todos no Mato Grosso, eram distritos até o início dos anos 1970 e hoje são potências econômicas.

O desenvolvimento da soja tropical feito pela Embrapa na época, somado aos incentivos federais que levaram centenas de sulistas para desbravar o centro do País, impulsionou esse movimento.

Agora, com o agro dominando a balança comercial nacional com sua produção bilionária de grãos, quem passa por essas cidades vê grandes polos desenvolvidos, com populações que passam dos 100 mil habitantes e com perspectivas de crescimento ainda maiores, com a chegada de novas indústrias.

Um desses casos é Sorriso, hoje por muitos já chamada de “a capital do agronegócio brasileiro”. No norte do Mato Grosso, localizado no entroncamento das rodovias BR-163 e a MT-242, o município é conhecido por ser o maior produtor de soja do mundo e o maior produtor nacional de milho.

Em 2022, último ano com os dados já fechados, Sorriso atingiu R$ 11,5 bilhões em valor da produção, 1,4% do total nacional. Também registrou o maior valor de produção em soja (R$ 5,8 bilhões) e de milho (R$ 4,2 bilhões). Além disso, é o maior produtor de feijão do estado.

A evolução populacional e econômica acompanha o avanço do agro, mas a vinculação com a produção também traz seus riscos. Na fotografia do momento, a produção nacional enfrenta, principalmente no Centro-Oeste, a perspectiva de quebra de safra causada pelos efeitos climáticos do El Niño.

A cidade respira apreensão e o tema domina as conversas nas ruas. Se nos últimos anos o comércio local vivia em franca expansão, com a chegada de grandes redes e a instalação de empresas como Havan, Cresol, Pernambucanas, Sicredi, Ihara, Boa Safra e Atacadão, de acordo com a prefeitura, hoje se pergunta qual será o impacto da virada no campo sobre os negócios.

É de se imaginar que a cidade acompanhe o movimento produtivo e desacelere em conjunto com o setor agrícola. O AgFeed esteve em Sorriso e registrou o panorama atual, que combina preocupação com prejuízos e expectativa de que os efeitos de uma safra ruim sejam passageiros.

Do lado da produção, a expectativa é de uma colheita complicada. De acordo com Sadi Beledelli, produtor rural local e presidente do Sindicato Rural de Sorriso, a safra de 2023/24 será “diferente”. “Estimo em torno de 20% de quebra no município de Sorriso, no geral”, afirmou.

Segundo ele, os meses de novembro e dezembro, quando comumente a soja está se desenvolvendo e necessita de chuvas para o chamado “enchimento de grãos”, foram marcados por uma seca forte.

Geralmente, a abertura do plantio na cidade se dá em meados de setembro, algo que se repetiu este ano. Contudo, as semanas passaram e nada de água cair do céu, o que causou um grande replantio na região no final daquele mês.

O problema é que a chuva só foi acontecer com mais intensidade no final de novembro, o que prejudicou até mesmo alguns replantios.

Sadi Beledelli, produtor rural e presidente do Sindicato Rural de Sorriso

Beledelli é gaúcho e, como muitos dos agricultores da região, desembarcou em Sorriso há 40 anos. Hoje, ele e o irmão cuidam de uma propriedade de cerca de 9 mil hectares, onde plantam soja na primeira safra e milho na segunda.

Quando chegou com seu irmão, o tio e um primo, Sorriso ainda não era uma cidade e, com seus pouco mais de 2 mil habitantes, não tinha nenhuma rua asfaltada.

“Moramos à beira de rio debaixo de lona por dois meses até construir as primeiras casas e trazer pessoas para trabalhar conosco. Foi uma aventura, mas que deu certo. Já passamos por outros momentos difíceis, não tanto igual a esse”, disse.

Ele relembrou que entre os anos 1980 e 1990, os planos econômicos, como Collor e Bresser, dificultaram a colheita, mas pelo aspecto econômico e não produtivo. Por questões climáticas, a safra atual é a mais difícil, ou como ele mesmo disse: “a mais desafiadora dos últimos 40 anos”.

“Tem produtor que vai colher 25 sacas por hectare. Fechamos uma parte da minha fazenda com 38 sacas, 24 sacas a menos que a produção do ano passado, uma quebra muito expressiva que não paga o custo de produção. Teremos prejuízo com o plantio da soja”, disse Beledelli.

Ele vê sua área mais prejudicada que as demais por conta de sua localidade, que segundo ele, foi o epicentro da seca. A fazenda fica localizada entre a comunidade de São Luiz Gonzaga e as cidades de Nova Ubiratã e Lucas do Rio Verde, ao sul de Sorriso.

Em suas estimativas, a colheita em Sorriso está acima de 60% para a soja. No milho para a segunda safra, ele acredita que mais da metade da área já foi plantada. No algodão, 100% do plantio foi concluído.

“Esperamos que o plantio de milho seja efetuado sem problemas, que possamos ter uma boa segunda safra e que o clima colabore até abril. Com a colheita de uma boa safra de milho, poderemos talvez compensar o prejuízo na soja”, acrescentou o presidente do sindicato.

Movimento desacelera a cidade

A safra com problemas climáticos se soma a uma realidade que ainda perdura desde a safra 2022/2023. Após anos em alta, o preço dos grãos no mercado externo caiu a patamares próximos aos de antes da pandemia, o que ajuda a apertar as margens dos produtores.

Os empresários locais sentem a queda do movimento. Alex Miranda, CEO da Plantae, empresa especializada em gestão de propriedades, recebeu o AgFeed em seu escritório e comentou do impacto que vê nos negócios.

“Ainda mais o meu caso, que atuo só agricultura. Quando temos situações assim, aperta junto, mas é normal. O produtor dá uma retraída e isso impacta o resto da cidade. Ainda mais por estarmos numa região que tudo gira em torno da agricultura”, diz o empresário.

Alex Miranda, CEO da Plantae

Alex Miranda é paranaense, mas se mudou para Sorriso ainda criança, acompanhando o pai, produtor de soja e milho. O pai seguiu na agricultura até 1998, quando resolveu vender suas terras e equipamentos após algumas safras difíceis, principalmente a de 1995.

Hoje o pai possui uma gráfica na cidade e sente o mercado local menos aquecido nos últimos meses. Além da gráfica, ele e o filho tocam um negócio de comunicação visual em Sorriso.

“Estávamos preparados para essa safra mais difícil. Como somos daqui, entendemos como funciona e, antes do clima, o preço do grão já havia caído e o dos insumos aumentou. Entendemos esse cenário, mas afetou muito os negócios”, afirma Miranda.

Mesmo tendo vivido Sorriso “enquanto era tudo mato”, Alex Miranda voltou para o Paraná para estudar e retornou para a capital do agronegócio no início dos anos 2010, já com a ideia da Plantae na cabeça.

O negócio começou oficialmente em 2017, mas ele garante que foram “cerca de 10 anos de desenvolvimento prévio”. “Voltei para Sorriso, primeiro pela facilidade do apoio da família, mas também por estar no meio dos produtores rurais”, afirmou.

Hoje, são mais de 500 fazendas em 12 estados sob gestão da Plantae e, segundo Miranda, a empresa está em vias de bater um milhão de hectares sob gestão via seu software.

O movimento de maior retração na cidade é visto também no poder público. Em entrevista ao AgFeed, o prefeito de Sorriso, Ari Lafin, conta que sente, por conversas com o comércio local, que janeiro “foi um mês mais tenso”.

“Andamos com os comerciantes e vemos que o movimento não tem se portado como em anos anteriores, pois o produtor automaticamente desacelera as compras no comércio. Será um ano de atenção e reconstrução de processos”, comenta.

A desaceleração no comércio causa, por consequência, uma baixa na geração de empregos, segundo Lafin. “O agro bem faz a sociedade ficar bem. Com uma produção menor, as empresas vendem menos tratores, por exemplo, o que prejudica a indústria do Sudeste. Toda a cadeia produtiva em baixa prejudica uma nação. Com a queda no PIB, temos menos arrecadação”, diz.

De acordo com Beledelli, do sindicato rural, o impacto da safra difícil se reflete em toda cidade. “Quando colhemos e vendemos uma saca de soja, pegamos o recurso e gastamos na cidade, investimos e pagamos o custo. Isso gera desenvolvimento, o dinheiro vai trocando de mão”, diz.

O prefeito Ari Lafin recebeu o AgFeed em uma reunião com empresários locais, no qual fez uma apresentação chamada “Sorriso em números”. A ideia da apresentação é mostrar a robustez da cidade para além do agro, vender as oportunidades e atrair investidores de fora.

Um exemplo desse movimento, segundo Lafin, foi a escolha da FS Bioenergia, com sede em Lucas do Rio Verde, em abrir sua segunda planta de produção de etanol de milho em Sorriso. Ele conta que a decisão, que rendeu um investimento de R$ 2 bilhões ao município, se deu após uma conversa entre a administração local e os investidores da empresa, que cogitavam abrir a planta em Primavera do Leste.

Dentre os números mostrados, Lafin cita que, apesar de Sorriso ter uma área de cultivo de 450 mil hectares, a colheita é de 1,5 milhão.

Como? Ele explica que, além da produção local, a cidade concentra os escritórios de propriedades rurais localizadas em outros municípios. “Produtores plantam em Juara, Nova Maringá, Guarantã do Norte, no Vale do Araguaia e o escritório de negócios está aqui em Sorriso”, comenta.

Aposta na pecuária e em mais investimentos

Uma safra frustrada não espanta, porém, o otimismo do discurso do prefeito. Ele mantém a expectativa de que algumas novas oportunidades do agro e da agroindústria se concretizem na cidade nos próximos anos.

Segundo Lafin, o município de Sorriso deve começar a ver um aumento da atividade pecuária, com a instalação de confinamentos. “Em cinco ou seis anos a região pode virar uma potência na carne bovina”, diz.

Atualmente, de acordo com dados do IBGE, Sorriso tem um rebanho de cerca de 85 mil cabeças de bovinos, 10% do total da região do Vale do Teles Pires, onde se insere. No estado do Mato Grosso, são 32 milhões de cabeças.

Além disso, lembra, a posição da cidade, na área do Aquífero Guarani, grande reservatório subterrâneo de água que abrange parte da América Latina, pode beneficiar culturas que necessitam de irrigação.

Ari Lafin, prefeito de Sorriso

Lafin conta, por exemplo, que em uma reunião recente com o Instituto Matogrossense de Economia Aplicada (Imea), empresários indianos, juntamente com a embaixada do país, se mostraram dispostos a aproximar o estado do gigante asiático para produzir gergelim e grão-de-bico nessas condições.

“Temos, no Mato Grosso, 14 milhões de hectares aptos para conversão de pastagem. Poderemos mais que dobrar a nossa área produtiva sem derrubar uma árvore”, estima o prefeito.

Na cidade, a percepção é que o solavanco da safra é temporário e a construção do município ao longo do tempo o torna resiliente para continuar a crescer.

Um funcionário da prefeitura de Sorriso que conversou com a reportagem conta que saiu do interior de São Paulo há vinte anos para tentar a vida na região, e não se arrepende da decisão.

“O que eu ganharia a minha vida toda morando lá eu ganhei em três anos aqui”, diz. Nas estimativas da prefeitura, que avalia o ritmo de crescimento de novos alvarás e de pedidos de ligação de energia e água, a população deve continuar a aumentar.

Segundo dados do IBGE, são cerca de 110 mil habitantes no local. Mas as contas do governo local, baseadas em dados de secretarias internas como a de saúde, são de 140 mil.

“O que abre aqui dá certo”, afirma Alex Miranda, da Plantae. “A cidade tem uma gordura grande e, por mais que passemos por uma crise pesada como essa, não precisa se arrastar para sobreviver. É apenas um período mais apertado”, afirmou.

Mesmo a crise é encarada com oportunidade pelo prefeito Ari Lafin. “Quem sabe com essa safra difícil o agro possa ser ainda mais valorizado no País. Falo com propriedade, pois administro a capital do agronegócio e convivo com esses homens do campo, que têm uma responsabilidade ambiental a dar exemplo em qualquer canto do mundo”, disse.

Por enquanto, a cidade mantém o posto de maior produtora de soja do mundo, mas uma questão técnica pode tirar o posto daqui algumas safras. Por uma decisão do STF de outubro do ano passado, o distrito de Boa Esperança, que pertencia a Sorriso, se tornou município.

Com isso, a expectativa é que a área produtiva perca ao redor de 100 mil hectares produtivos, o que pode alterar o pódio global das cidades mais produtivas.

Hoje, Sorriso é a terceira maior economia do estado. Em 2017, antes do primeiro mandato do prefeito, a cidade era a quinta. Atualmente, o ranking conta com Cuiabá, Rondonópolis, Sorriso, Várzea Grande e Sinop, nesta ordem. O PIB de Sorriso está atualmente em R$ 16 bilhões e a expectativa de Lafin é chegar ao final de 2024 com R$ 19 bilhões, o que representaria um crescimento de quase 20%.

O avanço da quinta para a terceira posição se deu, segundo o prefeito, principalmente pela entrada da planta da FS na cidade. “O negócio aumentou o valor agregado (VA) da cidade e nos fez passar Várzea Grande e Sinop”, disse.

Até o final de seu mandato, que se encerra em dezembro, ele quer continuar a vender Sorriso e entregar uma cidade ainda mais promissora para seu sucessor.

Nos próximos 10 anos, ele projeta que até 18% da população do estado estará no eixo de Sorriso. “A economia agrega com novas indústrias chegando. O território será o mesmo, mas com mais tecnologia, e uma perspectiva de aumentar a produção em 36% nessa próxima década”, projeta o líder do executivo local.