Temperaturas recordes, seca no Centro-Oeste do Brasil e excesso de chuvas no Sul. O fenômeno climático El Niño segue mostrando a sua face por aqui e trazendo incerteza para o futuro das safras de soja e milho.

O AgFeed ouviu a opinião de analistas, que ainda não mostram consenso sobre o tamanho do impacto na produção de grãos. A chegada (ou não) das chuvas previstas para o final de novembro devem ser o fator-chave para definir este cenário. Caso elas se atrasem, o impacto na produção – e nos preços – tende a se agravar.

“As chuvas previstas para o final de outubro e início de novembro não aconteceram conforme esperado e isso já traz impacto, com necessidade de replantio de soja em algumas áreas do Mato Grosso”, afirma Francisco Carlos Queiroz, analista de agro do Itaú BBA.

O estado responsável por cerca de 30% da oferta nacional de soja é o que está sendo mais impactado pelo atraso nas chuvas, porque lá o avanço do plantio está em 92%, de acordo com o levantamento da consultoria Pátria Agronegócios. A média histórica para Mato Grosso nesta época do ano indica que já deveriam estar plantadas mais de 95% das lavouras.

Em Goiás, outro estado afetado pelo clima seco, o plantio está em 63,8%, 10 pontos percentuais abaixo da média.

“Só vamos conseguir ter uma previsão mais precisa do real impacto na próxima semana, quando saberemos se a chuva vem ou se a seca continua”, disse Cristiano Palavro, diretor da Pátria Agronegócios.

Segundo ele, a única certeza que se tem até o momento é de que essa será uma safra muito irregular. “Se não chover, podemos ter uma quebra entre 15% e 20% da produtividade da soja”, estima.

A consultoria diz que há relatos de paralisação de plantio na semana passada em áreas de Goiás, Tocantins, Rondônia, Mato Grosso do Sul e em São Paulo.

A projeção da Pátria, aliás, está entre as mais pessimistas do mercado – é de 155 milhões de toneladas para a safra 2023/2024. Boa parte das consultorias e inclusive a Conab ainda estimam uma produção acima de 160 milhões de toneladas, mesmo com os problemas climáticos das últimas semanas.

A Brandalizze Consulting chegou a prever até 170 milhões de toneladas, mas admite que já está revisando os números.

“O clima já causou estragos. Teremos, por baixo, uma perda entre 10 milhões de toneladas e 15 milhões de toneladas”, afirma Vlamir Brandalizze.

Ele lembra que o calor impede a florada da plantação, reduzindo a produtividade. A estimativa, agora, é de safra entre 155 milhões e 160 milhões de toneladas – menor que a inicial.

Queiroz, do Itaú BBA, afirma que o atraso no plantio não necessariamente implica em redução de produtividade. “Mas acende um alerta e deixa mais difícil atingir a expectativa de produzir 165 milhões de toneladas”.

“Sem dúvida o clima já tirou potencial de produção nesta safra, mas mesmo com quebra, ainda teremos a segunda maior safra de soja da história”, comentou Pedro Dejneka, co-founder da MD Commodities em uma rede social.

Enilson Nogueira, consultor de mercado da Céleres, também tem visão menos pessimista. Apesar de estimar uma quebra de até 25 milhões de toneladas na safra desse ano, acredita que, ainda assim, o Brasil vai conseguir se manter na liderança do mercado.

“Há uma expectativa de melhora”, disse Nogueira ao AgFeed, lembrando que no Sul do país, ao contrário do Norte e Centro-Oeste, o El Niño traz chuvas e isso tende a beneficiar a produção, especialmente no Paraná, que costuma disputar com o Rio Grande do Sul o segundo lugar no ranking nacional entre os estados produtores de soja.

Em relação aos preços da soja, a estimativa dos analistas é de acomodação no início do ano que vem, quando a colheita começar. “A safra americana já está praticamente definida e a expectativa é que o El Niño beneficie a oferta dos demais países da América Latina, compensando uma eventual quebra mais acentuada no Brasil”, explica Queiroz, do Itaú BBA.

A estimativa da MD Commodities é de uma safra de 10 milhões de toneladas no Paraguai e de 48 milhões na Argentina. Ou seja, se o Brasil produzir 130 milhões de toneladas, a oferta se aproxima do total produzido pelos três países juntos no ano passado, que foi 191 milhões de toneladas, equilibrando a oferta – e consequentemente os preços.

Só que ninguém acredita que o Brasil possa produzir menos de R$150 milhões de toneladas este ano.

Brandalizze lembra que a alta das últimas semanas – a soja chegou a ser cotada a US$ 14 o bushel em Chicago - pode ser uma oportunidade de venda para os produtores brasileiros, pois quando o clima normalizar, a tendência é que a cotação volte para a casa dos US$ 13. “No auge da colheita, entre fevereiro e março, o preço tende a recuar de novo”, afirma.

E a safrinha?

No caso do milho, há mais certezas em relação à redução da produtividade da safra de inverno. Nogueira, da Céleres, lembra que o ano já começou com diminuição da área plantada e que o atraso no plantio da soja deixa o cenário para o milho ainda mais desafiador.

“A nossa projeção é de produção de 103 milhões de toneladas, 5 milhões menor que a safra anterior”, afirma.

A MD Commodities, é ainda mais pessimista. A consultoria estima em até 20 milhões de toneladas a queda na produção de milho na "safrinha" 2023/24 em relação a seu potencial, devendo ficar em 91 milhões de toneladas.

Já Cristiano Palavro, da Pátria, estima uma redução entre 20% e 25% na área destinada ao cultivo do milho para a próxima safra e de 10% a 15% na produção. E cita como um sinal dessa tendência o preço das sementes, que já recuaram cerca de 30%.

“Cada vez mais, a conjuntura aponta para um cenário mais complexo para o milho, que é um grão que ‘aguenta menos desaforo’ que a soja”, afirma Queiroz, do Itaú BBA. Segundo ele, quanto mais distante da janela de plantio, pior para a produtividade.

O analista do BBA lembra que a rentabilidade do milho já estava ruim e que o atraso no plantio, somado a uma piora nas condições do clima no período da colheita fará com que os produtores renunciem ao milho, optando por culturas mais resistentes como milheto ou sorgo.

“O mercado já está precificando o novo cenário do milho”, diz Queiroz. Um exemplo está na curva de cotação dos contratos da commodity no mercado futuro da B3, no Brasil, que vem registrando alta como resultado da expectativa de menor oferta na próxima safra.

Brandalizze, que estima uma safra de 90 milhões de toneladas para o milho na safra inverno, lembra que apesar da colheita menor, ainda tem “muito milho” nas mãos dos produtores.

“Vamos colher cerca de 25 milhões de toneladas na safra verão e ainda existem pelo menos 35 milhões de toneladas em estoque nas mãos dos produtores para serem comercializados”, diz.

Para qualquer uma das culturas, o clima ainda oferece muitas incertezas. A única certeza é de que a safra será irregular e menor. E é esse o quanto menor é que ainda é uma incógnita.