Não dá para fugir dos bordões. A queda na oferta global do café deixa a bebida cada vez mais amarga no bolso do consumidor.
E, literalmente, o céu é o limite para reverter um cenário de recordes de preço da commodity, que, nesta quarta-feira, 27 de novembro, renovaram recorde de preços de 47 anos na Bolsa de Nova York e atingiram o maior valor em 27 anos no Brasil, ainda fruto dos impactos climáticos na produção.
No mercado norte-americano, o contrato dezembro encerrou o pregão com alta de 3,9%, a US$ 3,17 por libra-peso, e acumula alta de 70% no ano. É um recorde desde 1977, à época sob o efeito da chamada “geada negra” de 1975 no Norte do Paraná, que dizimou a produção local e forçou a migração das lavouras para Minas Gerais e São Paulo.
No Brasil, o preço médio da saca de 60 quilos atingiu ontem R$ 2.076,94, altas de 2,55% no dia e de 36,56% no mês, segundo Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea/Esalq/USP). É um recorde em valores absolutos e o maior preço deflacionado desde 1997.
Assim como há quase 50 anos, a causa da disparada nos preços do café é a oferta e o Brasil, maior produtor e exportador global, é o protagonista.
A seca e os recordes de temperatura deste ano prejudicaram a colheita da safra 2024 e também o desenvolvimento das lavouras para 2025, a partir de abril, principalmente da variedade arábica, a mais produzida e consumida.
No Vietnã, segundo maior produtor, cuja variedade predominante é a robusta ou conilon, o cenário foi idêntico ao Brasil. Para piorar, a colheita recém-iniciada foi prejudicada pelas chuvas constantes oriundas das monções.
As chuvas também atingiram as lavouras brasileiras em novembro, devem seguir constantes em dezembro e, nesse caso, podem melhorar a oferta por aqui. No entanto, analistas ainda acham cedo para qualquer previsão.
Na outra ponta, a demanda segue aquecida e com suporte do inverno no Hemisfério Norte, quando o consumo aumenta naturalmente. Como reflexo, exportações recorde.
Dados do Conselho Nacional dos Exportadores de Café (Cecafé) apontam que, em outubro, o Brasil exportou 4,9 milhões de sacas, recorde mensal, alta de 8,1% sobre setembro e de 11,6% sobre o mesmo período de 2023.
Em dez meses, o país exportou 41,5 milhões de sacas, aumento de 35,1% em relação ao mesmo período de 2023. A exportação só não foi maior porque, segundo o Cecafé, gargalos logísticos limitaram os embarques e até setembro, cerca de 2,1 milhões de sacas deixaram de ser enviadas ao exterior.
A produção, no entanto, segue praticamente a mesma nos últimos três anos. A safra brasileira deve encerrar o ano perto de 55 milhões de sacas, estável ante 2023, de acordo com dados da Companhia Nacional de Abastecimento.
Estoques
Além da oferta em queda e o consumo aquecido, Heloisa Melo, gerente de produtos e clientes e líder de soft commodities na Agroconsult Consultoria, cita os estoques baixos do café como outro fator crítico para os preços.
“Na União Europeia, por exemplo, os estoques estão abaixo de 60 dias de consumo, quando, geralmente, são acima de 100 dias de consumo para essa época. As exportações recordes brasileiras ainda consumiram estoques locais e os estoques no Vietnã são os mais baixos da história”, explicou ao AgFeed.
Renato Garcia Ribeiro, pesquisador de café no Cepea/Esalq/USP, lembra que o cenário negativo de oferta no Brasil começou há ao menos três safras e sempre está ligado ao clima. Antes da seca e do calor extremos deste ano, houve geada.
E não dá, segundo ele, para imaginar quando a situação deve se normalizar, com uma possível queda no consumo. “Como o café é um produto com pouco volume individual de consumo, para o preço cair será preciso uma boa produção”, disse. “E só Deus sabe quando isso vai acontecer”.
Quinta geração de cafeicultores, o presidente do Sindicato Rural de Altinópolis (SP), Guilherme Salomão Vicentini garante que os produtores pouco se beneficiaram com os preços recordes do café em novembro.
Segundo ele, a maioria deles tinha travado os preços de venda em valores mais baixos, já que necessitam de liquidez para manter o trato nas lavouras. ”O preço está bem conveniente, mas poucos conseguiram se beneficiar no mercado físico, já que 80% da safra foi entregue”.
Para 2025, ano em que a produtividade já seria menor por causa do ciclo bianual da lavoura, a oferta pode ser ainda pior, na avaliação do cafeicultor.
“Entre outubro e novembro foram 500 milímetros de chuva, que foi boa mas atrasada. A safra de 2025 será baixa e o potencial produtivo para 2026 não é dos melhores até o momento”, disse Vicentini.
Consumidor
No final das contas, o consumidor é quem vai pagá-las. Como tem feito há mais de um ano, segundo a Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic). “A indústria brasileira, assim como todo o setor, já vem sendo surpreendida com os preços do café há mais de 14 meses.
Nessa última semana, os preços chegaram a patamares não vistos pelo menos há 50 anos. Isso faz com que o mercado todo fique apreensivo e, também, na expectativa”, informou o diretor-executivo da entidade, Celírio Inácio, ao AgFeed.
Para a Abic, o momento é de observação para entender como o mercado se comportará no curto prazo.
“A indústria sempre procura fazer as suas compras e ter um certo estoque. Estamos no final de um mês de novembro, quando as vendas comerciais, as negociações com o varejo, provavelmente, já estão sendo finalizadas ou já foram encerradas. Com isso, todos esses aumentos colocados, agora, na matéria-prima refletirão nas negociações entre indústria e varejo a partir do mês que vem”.
A disparada recente nos preços do café, portanto, se repassada, deve chegar em meados de dezembro, como um amargo presente de Natal ao consumidor, na avaliação da Abic.
“Esses últimos aumentos serão repassados para o varejo nas primeiras negociações feitas, e essas primeiras negociações podem demorar, em média, duas semanas. Mas volto a afirmar que as indústrias estão observando e essa negociação com o varejo vai demandar algum tempo a mais”, explicou Inácio.