O Brasil vem trabalhando para regular o processo de criação de aves, suínos e bovinos, com foco em regulamentações que colaborem para o bem-estar animal dos rebanhos do País, de acordo com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa)
A coordenadora Geral de Sustentabilidade e Regulação da Secretaria de Comércio e Relações Internacionais do Mapa, Andréa Figueiredo Procópio de Moura, foi uma das painelistas no simpósio "Brasil: Rumo à liderança global em proteína animal sustentável - Onde estamos e para onde vamos?", realizado pela startup brasileira de certificação Produtor do Bem.
Ela explicou que algumas normativas já foram publicadas nos últimos anos, como regras mais rígidas para as competições com cavalos em hipódromos.
Em 2023 também foi atualizada a instrução normativa, de 2020, que trata do bem-estar animal da suinocultura. A regra estabelece, por exemplo, que as granjas devem ser construídas “de forma a reduzir o risco de lesões, doenças ou estresse para os suínos e permitir o manejo seguro e a movimentação dos animais”.
Neste sentido, a norma diz que as instalações precisam ter espaço para que os animais possam descansar e se mover livre e simultaneamente, com alimentação e água em quantidade suficiente para todos, em ambiente arejado e bem iluminado.
Na época em que foi criada, a normativa teve apoio de lideranças dos produtores rurais que buscavam atender exigências internacionais, dando maior respaldo ás exportações do setor.
Andrea Moura acredita que a próxima normativa a ser criada – ainda sem prazo definido – seja relacionada ao setor de aves.
A dirigente do Mapa disse as regulamentações deste tipo na maioria das vezes envolvem várias fases, inclusive consultas públicas, por isso é um processo mais lento nas definições.
O Brasil possui um dos maiores rebanhos para abate de aves, suínos e bovinos do planeta, mas ainda tem caminhos a evoluir quando se trata de bem-estar animal. Por isso, a sinalização de que as regras estão sendo elaboradas é vista como positiva, mesmo com prazos longos para que as normativas entrem em vigor.
No caso das aves, a consulta pública ainda não foi aberta, segundo ela.
“Acredito que um dos temas que devem ser revistos (nas aves) é espaço em gaiola, fazer uma substituição, já que na União Europeia a tendência é proibir”, afirmou Moura.
Segundo a Humane Society International (HSI), 70 milhões das galinhas criadas para consumo humano no Brasil vivem trancadas em “gaiolas em bateria”, superlotadas e sem espaço para sequer abrirem as asas.
O uso de gaiolas causa controvérsia e vem sendo fortemente criticado. Em resposta às pressões feitas pela ONG britânica Compassion in World Farming (CIWF), o Parlamento Europeu se comprometeu por meio de um projeto de lei a iniciar a eliminação gradativa desse sistema de criação animal em toda a União Europeia até 2027.
No Brasil, os prazos de adequação são longos, segundo a coordenadora do Mapa, “porque muitas vezes envolve reconstruir todas as estruturas”.
Na parte burocrática, ela diz que “tem todo um rito, que por um lado democratiza o processo, mas fica muito mais lento, de qualquer forma, no final, temos uma norma mais factível”.
Durante o evento, a especialista foi questionada sobre a relação entre a demora para implementar mudanças na avicultura e a questão da influenza aviária.
“Não podemos analisar como uma questão isolada, quando chegou o risco da entrada iminente da gripe aviária, houve a orientação para que a granja não soltasse os animais, afinal era para proteger as pessoas em relação a um problema que também afeta a saúde humana”, explicou.
De acordo com a FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação), porcos, aves e vacas são os animais que mais sofrem tortura e maus-tratos no mundo – em taxas superiores a animais de estimação. A FAO estima que 67 bilhões de porcos, aves e vacas são expostos, anualmente, a condições de crueldade para que possam atender, exclusivamente, a produção de alimentos.
O professor da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), Matheus Paranhos da Costa, afirma que as principais barreiras para o progresso em bem-estar animal são preço, informação, conscientização, incentivo e transparência.
“Boas práticas de bem-estar animal têm custo, mas também trazem vantagens e agregam valor para toda a cadeia produtiva da pecuária”, afirma Costa, lembrando que mudanças vêm sendo feitas a partir da maior pressão da sociedade, da criação de leis e de campanhas críticas conduzidas por ONGs (Organizações Não Governamentais).
Há alguns anos, a Embrapa Suínos e Aves fez um estudo no qual identificou que os problemas com maus tratos de animais desencadeiam perdas anuais aos produtores que podem chegar a R$ 30 milhões. Por outro lado, ao assegurar o bem-estar do animal, o produtor tende a ter maiores ganhos de produtividade, além de um produto de maior valor agregado no final do ciclo.
“O cuidado com o bem-estar animal reduz perdas econômicas, ajuda a conquistar mercados mais exigentes e colabora com a sustentabilidade”, diz Costa, da Unesp. “Além da questão financeira, tem o fato ético, pois esses animais são sencientes, ou seja, sentem dor”, diz o professor.
Costa lembra ainda que custos aparecem quando um animal não está bem cuidado, como perda de produtividade do gado de leite, por exemplo. Na produção de carne poderá terá acesso a menos mercados por não cumprir regras exigidas por importadores das proteínas brasileiras – como UE e Japão, por exemplo.