Conflitos no Mar Vermelho e seca no Canal do Panamá – associados às guerras e aos ataques piratas na costa da Somália prejudicam o comércio mundial. O cenário é de caos no transporte marítimo global, que enfrenta filas de navios nas rotas consideradas mais seguras e congestionamento de cargas em portos de todo o planeta.

O caos tem obrigado armadores e companhias de navegação a mudar rotas de transporte de mercadorias. Como resultado, os preços do frete estão em disparada. A crise prejudica a entrega de produtos – especialmente itens frescos como frutas, legumes e verduras, que estão apodrecendo nos navios antes de chegar ao destino.

Um exemplo são os navios que transportam maçãs italianas para os Emirados Árabes Unidos. A nova rota aumenta em até 15 dias o trajeto. “Com esse prazo, perdemos a validade dos produtos frescos que exportamos”, reclama Cristian Maretti, presidente da Legacoop Agrolimentare, que reúne cooperativas agrícolas da Itália à agência Ansa. “São milhões de euros perdidos”.

No Brasil, entretanto, esses impactos ainda não chegaram. Ao contrário de Ásia, Europa e Estados Unidos, o País pode até se beneficiar com as dificuldades de travessia nos canais de Suez e Panamá. “O Brasil não precisa deles [canais de Suez e Panamá] para chegar à Ásia ou à Europa”, disse ao AgFeed Roberto Levier, consultor da FGV Transportes, especializado no setor Marítimo e Portuário.

Essa vantagem competitiva do Brasil vem se refletindo, por exemplo, no comércio do café. A instabilidade no Mar Vermelho tem prejudicado o escoamento da safra do Vietnã para a Europa, abrindo mais espaço para o produto brasileiro.

A dificuldade de escoamento da produção do Vietnã também pressiona o preço: em janeiro o café robusta negociado na bolsa de Londres atingiu cotação recorde de US$ 3.200 a tonelada.

A seca no canal do Panamá favorece o Brasil nos produtos com os quais disputa mercado com os Estados Unidos. O canal do Panamá é rota para escoamento de produtos norte-americanos para a Ásia, especialmente grãos, etanol e proteína animal.

Mas, com as dificuldades de calado, os Estados Unidos precisam ter como opção de trajeto o Cabo da Boa Esperança, pelo Sul do continente africano. E nesse percurso, o Brasil sai com vantagem de até três semanas para concluir as entregas.

A perspectiva de safra menor de grãos é outro fator que, indiretamente, ajuda a manter o Brasil competitivo no cenário adverso do transporte marítimo internacional.

“Ainda estamos no início da fase de escoamento da produção”, lembra Levier. “A queda do volume da safra de grãos neste ano vai reduzir a pressão também”, diz.

De acordo com a Conab, o ciclo atual da safra de soja deve ter uma quebra de quase 5 milhões de toneladas, devido ao atraso no plantio causado pelo impacto do El Niño nas lavouras do Sul e do Centro-Oeste. O clima afetou também a safra de milho, que também será menor – com queda estimada de quase 11%.

A safra menor tende a reduzir também a procura por navios graneleiros. “E essa é uma procura que ainda está baixa”, disse Fernando Gomes, analista de commodities agrícolas do Itaú BBA.

A demanda menor reduz em até 40% o valor do frete desse tipo de embarcação, segundo disse à agência Reuters o advogado especializado em Transporte Marítimo Larry Carvalho.

“O exportador brasileiro deve se beneficiar do frete pelos menos nos próximos três meses”, diz Levier, lembrando que o auge do escoamento da safra é em abril, quando a demanda por contêineres e navios cargueiros aumenta no país. “Ainda assim teremos preço melhores em comparação com outros mercados”.

De acordo com a Freightos, plataforma de negociação de fretes internacionais, as taxas de transporte marítimo entre a Ásia e o norte da Europa, por exemplo, chegaram a custar US$ 4.000 por unidade equivalente a 12 metros em janeiro – aumento de 151%. Já as rotas que ligam a Ásia até a Costa Oeste dos EUA ficaram 63% mais caras, atingindo o pico de US$ 2.713.

Além do preço maior, os armadores estão cobrando taxas de risco a depender da região por onde irão circular os navios. Elas variam entre US$ 200 e US$ 300 e são um custo adicional ao seguro, cujas apólices também vem passando por reajuste contínuo nos últimos meses.

Isso vem acontecendo desde que o início dos ataques dos rebeldes houthis baseados no Iêmen ao Mar Vermelho – como forma de pressionar Israel a suspender os ataques na Faixa de Gaza.
A instabilidade tem feito os exportadores evitarem o trajeto e, consequentemente, o Canal de Suez – que é responsável por 15% do comércio mundial, movimentando mais de US$ 1 trilhão com a circulação, todos os anos, de mais de 16 mil navios cargueiros por suas águas.

Fertilizantes, carne e açúcar

Mas o Brasil não é totalmente imune ao problema. Apesar da perspectiva de menor impacto na exportação de grãos, os especialistas dizem estar atentos a possíveis efeitos nocivos nas vendas de proteínas e açúcar, além da oferta de fertilizantes.

Ao contrário dos navios graneleiros, que existem em disponibilidade suficiente para atender a demanda do mercado, na oferta de contêineres refrigerados há escassez. O tempo maior dos trajetos, que estão sendo mudados para evitar o Mar Vermelho e pela seca no Canal do Panamá, aumenta o período de alocação desses itens, reduzindo oferta e pressionando preços.

“Os embarques de açúcar e proteína animal brasileiros têm como destino, principalmente, o Oriente Médio”, lembra Levier. “No caso dos fertilizantes, os preços devem subir novamente e a oferta ser reduzida”, diz Levier, da FGV.

Outro fator que deve impactar a oferta, segundo o Gomes, do Itaú BBA, é o maior custo de produção. Segundo ele, os conflitos do Oriente Médio impactam a produção de gás natural – item essencial para a fabricação do insumo. “Hoje 20% da produção de gás está nessa região”.