A organização, planejamento e foco dos produtores brasileiros de algodão podem ser considerados um case de sucesso para o agro nacional. E na safra 2023/2024, que está terminando de ser colhida, o cenário não foi diferente.

No início da década de 1980 o Brasil plantava mais de 4 milhões de hectares de algodão para produzir cerca de 600 mil toneladas. Por isso, era grande importador da pluma. Na safra 2023/2024 plantou menos de 2 milhões de hectares e deve totalizar uma produção de 3,7 milhões de toneladas.

Foi tudo na base das melhores práticas e alta tecnologia para ganhar produtividade. Hoje o índice é o mais alto do planeta quando se considera o algodão de sequeiro, que não usa irrigação: foram colhidos em média no País 1.841 kg de pluma por hectare na safra 2023/2024.

Este ano o setor alcançou mais um feito importante, conquistando o primeiro lugar no ranking dos maiores exportadores de algodão do mundo. Pela primeira vez, ultrapassou os Estados Unidos. No período entre julho de 2023 e junho de 2024, pelos dados do USDA, Departamento de Agricultura dos EUA, o Brasil exportou 2,7 milhões de toneladas e os americanos 2,57 milhões de toneladas.

O AgFeed participou esta semana, a convite da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa) de uma espécie de imersão no universo da cultura que começou com uma visita à Fazenda Pamplona, onde está a área de pesquisa mais antiga da SLC Agrícola.

Na propriedade, 90% da safra de algodão já foi colhida e as equipes se preparam para o início do plantio da próxima, em novembro. Em todo o Brasil a estimativa é de que 50% já tenham sido colhidos.

Em entrevista exclusiva ao AgFeed, durante a visita, o presidente da Abrapa, Alexandre Schenkel, disse que a marca de 3,7 milhões de toneladas na safra que está sendo colhida ainda pode ser ultrapassada.

“Se houver alguma redução nos Estados Unidos, já que ele eles têm um período um pouquinho maior ainda para a colheita do algodão deles, pode ser que a gente mantenha a posição do primeiro lugar como o maior exportador de algodão do mundo”, afirmou.

Em relatório divulgado no mesmo dia pela entidade, o trecho final destaca que “para a nova safra, as projeções indicam que o Brasil se manterá como primeiro lugar no ranking”.

O documento mostra dados do USDA de agosto, em que o Brasil tem projeção de exportar 2,722 milhões de toneladas de algodão em 2024/2025 e o EUA ficariam com 2,613 milhões de toneladas no período.

Na avaliação de Schenkel, o cenário vai depender também da eficiência dos traders e do sistema logístico no Brasil para colocar mais algodão brasileiro lá fora.

Entre os diferenciais do Brasil está a alta competitividade do produto e também o fato de acessar diferentes mercados.

“O Brasil tem essa vantagem, nós somos um país amigo de todos, então nós atendemos um mercado bastante abrangente. Temos que saber aproveitar isso, manter esse foto na questão governamental, para que não tenhamos restrição geopolítica”, destacou Schenkel.

Outras iniciativas da Abrapa também têm ajudado no crescimento expressivo das exportações de algodão do Brasil. A entidade mantém, por exemplo, um escritório na Ásia, continente onde estão 10 dos principais compradores do produto brasileiro. Na China, 23% do algodão consumido lá, é adquirido do Brasil.

Há duas décadas o setor enfrentou desafios comerciais, que acabou superando com êxito. O Brasil ganhou uma disputa com os Estados Unidos na OMC (Organização Mundial do Comércio) e acabou recebendo US$ 300 milhões para investir no setor, valor pago pelos americanos ao final do processo e que ajudou e muito na construção das estratégias de crescimento por aqui.

Ultimamente, porém, os maiores desafios são as exigências ESG, com alguns mercados cada vez mais observando critérios sociais e ambientais na cadeia. A lição de casa também vem sendo feita, neste aspecto.

Segundo a Abrapa, hoje 82% da produção já tem pelo menos duas certificações ligadas à sustentabilidade, uma nacional, a ABR e outra internacional, a Better Cotton. Por isso, a Abrapa costuma ressaltar que o Brasil é “o maior exportador de algodão responsável” do mundo.

Alexandre Schenkel, presidente da Abrapa

Aumento de área X preços internacionais

A queda nos preços de soja e milho na safra 2023/2024 e alguns desafios climáticos, especialmente em Mato Grosso, colaboraram para elevar a área plantada com algodão no período.

Segundo a Abrapa, a área plantada cresceu 19,5%, atingindo 1,99 milhões de hectares, o que está ajudando o Brasil a aumentar a produção e a exportação.

A grande dúvida, porém, é se o algodão poderá repetir esse aumento de área de cultivo na próxima safra.

“Vai depender do mercado. Se tiver um aumento e o preço voltar a ficar próximo dos 80 cents, é muito possível que a gente aumente (a área) e chegue nesses números”, afirmou o presidente da Abrapa.

O dirigente menciona essa condição porque, atualmente, o mercado não está tão favorável ao algodão, embora ainda garanta rentabilidades bem mais altas se comparadas ao milho e à soja.

Nesta sexta-feira, 16 de agosto, o algodão fechou cotado em Nova York a 67 centavos de dólar por libra-peso. No mesmo período do ano passado estava em cerca de 85 centavos.

Caso os preços fiquem abaixo de 70 cents, Schenkel acredita que o plantio no plantio do algodão “o risco é muito maior de ter problemas com a questão de resultado financeiro”, já que o custo de produção do algodão e o investimento necessário são bem mais elevados. Isso poderia levar a uma manutenção de área cultivada no algodão, sem acréscimo na próxima safra.

A maior parte do algodão cultivado no Brasil atualmente é “segunda safra”, ou seja, plantado após a colheita da soja. Isso ocorre especialmente no Mato Grosso, estado que lidera a produção nacional.

Neste cenário, é comum que a decisão sobre ampliar a área de algodão seja um reflexo de um menor entusiasmo com o milho, por exemplo.

Schenkel lembrou que, ao contrário da soja, está havendo leve recuperação nos preços do milho.

“No último mês, o milho se manteve na questão do preço em dólar, isso fez com que ele se mantivesse pelo menos em torno de uns 10% a mais do que estava ocorrendo, comparado com início da safra está até 20% mais caro hoje. Então o milho se torna também uma atração, para estados que são produtores de algodão e que não plantam uma safra só, talvez o milho também se torne interessante”, avaliou.

É comum no País que grandes produtores de algodão sejam também grandes produtores de soja, cultura que segue sendo o carro-chefe na geração de riquezas e na balança comercial. Por isso, Schenkel pontua que o “desânimo do produtor com soja” também pode impactar nas decisões de investir mais nas demais culturas.

“A soja, infelizmente, está muito ruim e o produtor vai ter que fazer as suas contas”, reforçou. Caso o clima ajude e haja uma boa janela de plantio para a soja este pode ser um fator positivo par ao algodão, ele acredita.

Um dos termômetros da safra também é o ritmo de comercialização antecipada e de venda de insumos para lavoura. Neste quesito, segundo Schenkel, “o algodão está dentro da média histórica”. É um cenário bem diferente do milho que, até pouco tempo, tinha o menor ritmo já visto de venda de fertilizantes, por exemplo, para 2024/2025.

Segundo o presidente da Abrapa, 70% da safra que está terminando de ser colhida já foi comercializada. Quanto ao que será produzido em 24/25, o ritmo de vendas e, consequentemente, de aquisições de insumos, estaria em pelo menos 35%.

“O período em que se costuma acelerar é quando já se começa a ter a previsão de colheita da soja. Então ali de novembro a janeiro é um período importante”, explicou.