O Brasil é hoje o segundo maior produtor de biocombustíveis do mundo, atrás dos Estados Unidos. Ter uma legislação regulando esse mercado é essencial para que o País continue competitivo e tenha condições de investir em pesquisa e tecnologia – áreas que hoje são lideradas pela Índia e Estados Unidos, que competem diretamente com o Brasil no comércio internacional de etanol e possuem metas bastante agressivas de descarbonização.
Por esse motivo, foi bastante celebrada, pelo setor e fora dele, a aprovação, pela Câmara dos Deputados, do projeto de lei chamado Combustíveis do Futuro. O PL 528/2020, que ainda precisa passar por análise do Senado Federal, amplia o incentivo à aceleração dos investimentos em plantas de produção de biocombustíveis no País.
“O projeto vai impulsionar a transição energética com o desenvolvimento de um conjunto de rotas tecnológicas que estarão disponíveis para fazer o país cumprir seus objetivos de descarbonização”, disse Francisco Turra, Presidente do Conselho de Administração da Associação dos Produtores de Biocombustíveis do Brasil (Aprobio).
Para Turra, a decisão “inaugura” uma série de investimentos em novos biocombustíveis, ao mesmo tempo que garante os avanços já consolidados com o etanol e o biodiesel, principais armas do Brasil na corrida internacional dos biocombustíveis.
A concorrência é acirrada. A Índia, por exemplo, desde 2022 fixou como objetivo zerar suas emissões líquidas de gases de efeito estufa até 2070, estipulando uma taxa de mistura de etanol na gasolina de 20% na gasolina e a implantação de 500 usinas de biogás.
Já os Estados Unidos aprovaram, há dois anos, linhas de financiamento de US$ 9,4 bilhões para estimular o desenvolvimento de biocombustíveis no país até 2031.
O Brasil tem grandes ambições nessa área. Na COP28, realizada no fim do ano passado, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, chegou a anunciar a intenção do governo brasileiro de investir R$ 200 bilhões no setor de biocombustíveis até 2037, com o objetivo de acelerar a transição energética do País e o incentivo à economia verde. Os valores integram projetos que estão contemplados no PL aprovado na Câmara.
Trata-se, portanto, de uma disputa para ver quem terá melhores condições de se descarbonizar e, ao mesmo tempo, atender um mercado com potencial de crescer a taxas de dois dígitos nos próximos anos.
Só a demanda por bioquerosene de aviação deve movimentar, de acordo com a Agência Internacional de Energia, US$ 30 bilhões ao ano na próxima década.
Não à toa já existem empresas brasileiras – incluindo a Petrobras – olhando para esse mercado. A gigante do petróleo reservou US$ 600 milhões dentro do seu Plano Estratégico 2023-2027 para investir exclusivamente em diesel verde.
A Raízen, que produz 3 bilhões de litros de etanol por ano, pretende entregar 20 plantas de E2G até o ano-safra 2030/31. Para isso, vai investir R$ 24 bilhões, com a meta de ampliar sua capacidade em 1,6 bilhão de litros anuais.
É o caso também da Be8, que tem R$ 6 bilhões em investimentos previstos para o desenvolvimento de tecnologia e produção de etanol, diesel verde (HVO), biodiesel e bioquerosene de aviação (SAF).
A empresa, que produz cerca de 890 mil m³ de biodiesel ao ano e responde por 14,24% do market share desse segmento de mercado, anunciou ano passado a construção de uma biorrefinaria no Paraguai, a Omega Green, que está recebendo US$ 1 bilhão em para produzir mistura de combustíveis como HVO e SAF.
Erasmo Carlos Battistella, presidente da Be8, disse que o resultado na Câmara dos Deputados foi histórico (83,6% do total da Casa e 95% dos presentes na sessão) e um marco extremamente importante para o país.
“É uma sinalização de que a sociedade está compreendendo os desafios do aquecimento global e o papel dos biocombustíveis nesse processo. Nossa crença é de que vamos ter [no Senado] o mesmo apoio [da Câmara]”, disse
André Lavor, CEO da Binatural, indústria focada também no mercado de biodiesel, afirma que a aprovação do PL traz muito mais otimismo ao setor porque pavimenta investimentos e medidas que colocarão o Brasil como líder mundial não só na produção de biocombustíveis, mas também na condução do mundo para uma economia de baixo carbono. “O Brasil não vai apenas atender as metas de descarbonização, vai superar”.
Nos últimos anos, a Binatural investiu quase R$ 150 milhões em projetos de ampliação de capacidade em suas fábricas localizadas em Goiás e Bahia. Hoje, a capacidade das duas usinas é de 600 milhões de litros de biodiesel anuais. A companhia registrou um aumento de 300% na capacidade produtiva, desde o início das operações na Binatural Bahia.
O que foi aprovado no projeto de lei?
Entre as medidas aprovadas, está a criação de um piso de 13% para a mistura do biodiesel no diesel fóssil – o que até então não existia – para que se chegue a 25%, com faseamento da transição baseado em análises técnicas do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE).
Para o biodiesel, o patamar mínimo de mistura ficou em 13% (B13), com aumento de um ponto percentual ao ano a partir de 2025 e meta de se atingir 20% até 2030 e margem para se chegar até 25%. Hoje, a mistura é de 6%.
Já o percentual de mistura do etanol na gasolina poderá variar entre 22% e 27%, com margem para checar a 35% - e aqui a decisão de prazos e fracionamento também será feita com base em análise técnica do CNPE. Trata-se de meta ainda mais ambiciosa do que a anunciada pelo CNPE no final do ano passado.
Foram contempladas no texto também regras para a incorporação do diesel verde e coprocessado, com previsão de teto de 3% até 2037 da mistura mínima obrigatória de diesel verde, produzido a partir da biomassa, ao fóssil.
Foi criado ainda o programa de descarbonização do mercado de gás natural, para exigir a redução das emissões por meio do aumento do uso de biometano – com teto de 10%.
Mas um dos principais pontos do texto é o trecho que cria as regras para o desenvolvimento do Combustível Sustentável de Aviação (SAF, na sigla em inglês).
Ele estabelece que, a partir de 2027, as companhias aéreas deverão reduzir suas emissões de gases de efeito estufa (GEE) nas operações domésticas por meio do uso do SAF. A proposta determina que o percentual de adoção deve chegar a 10% até 2037.
“Esta é uma decisão estratégica que vai movimentar a economia nacional no campo e nas cidades, com mais sustentabilidade e oportunidades para toda a cadeia de agronegócio, em especial a agricultura familiar”, disse Turra, da Aprobio.
“O Combustível do Futuro vai movimentar com segurança jurídica e previsibilidade o motor da neoindustrialização brasileira”.
A aprovação do projeto foi comemorada também por pelo menos outras 35 instituições e associações ligadas ao agronegócio e à indústria de biocombustíveis, entre elas a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), Aprosoja Brasil, Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Sociedade Rural Brasileira (SRB) e a Unica.