Na última quinta-feira, 16 de janeiro, o brasileiro Luiz Beling, comemorou mais um marco em sua carreira como executivo. Gestor experiente, com passagens por postos como a presidência de unidades da Farmers Business Network e a vice-presidência global de contas estratégicas na Bayer, ele celebrou, com uma publicação na rede LinkedIn, o primeiro aniversário de uma decisão desafiadora.
Em janeiro de 2024, Beling aceitou um convite para assumir o posto mais alto na startup norte-americana Apeel Sciences, fundada em 2012 na cidade de Goleta, no estado da Califórnia.
A companhia nasceu focada em oferecer soluções inovadoras para combater o desperdício de alimentos e, desde o início, ocupou lugar na vitrine das agtechs mais promissoras dos Estados Unidos.
Já na largada, por exemplo, o negócio recebeu US$ 100 mil de investimentos da Fundação Bill & Melinda Gates.
Sua primeira solução chegou ao mercado em meados de 2018, quando a Apeel lançou um produto chamado Edipeel, capaz de criar uma película protetora em torno de frutas e vegetais que chegam a dobrar o tempo de validade de alguns itens, além de preservar características como cor, sabor e concentração de água.
A tecnologia foi desenvolvida usando como base componentes naturais presentes nas plantas e frutas.
Com o potencial de mercado da solução, a companhia atraiu a atenção de investidores como o Temasek Holdings, Rock Creek Group, SRL Capital Partners, além de receber aportes da apresentadora Oprah Winfrey e da cantora Katy Perry e ter captado US$ 720 milhões segundo a plataforma Crunchbase.
Cabe a Beling, agora, comandar uma mudança de rota relevante na história da Apeel. Até a sua chegada, a estratégia da startup tinha as grandes redes varejistas como o foco da operação.
Depois de muitas análises ele conta que decidiram se concentrar nos produtores e packing houses. “O benefício maior da tecnologia se dá logo que a fruta é colhida. Quanto antes você trata, mais valor você gera porque a fruta está protegida desde o início”.
Foi aí que ele redesenhou toda a estratégia da companhia. “O meu primeiro ano à frente da Apeel foi focado nesse reposicionamento”, explica ele, em conversa com o AgFeed.
Assim, a companhia que estava presente em 25 países, agora tem apenas oito mercados como prioritários: Estados Unidos, México, Colômbia, Espanha, África do Sul, Peru, Chile e Brasil.
Além da mudança no perfil dos clientes, a Apeel também decidiu focar sua estratégia em frutas cítricas, mais especificamente em variedades de laranjas, limas e limões, além de abacates e mangas.
Dessa forma, em 2024 a companhia reduziu sua carteira de clientes no varejo e ganhou 21 novos clientes no campo, com crescimento superior a 60%.
Outra mudança nos rumos da companhia foi a reformulação do produto. Antes, por conta de um prazo de “eficácia” curto, de 7 dias, ele era produzido diretamente nas instalações do cliente.
“Isso limitava muito o nosso alcance. A nova formulação tem prazo de validade de até 12 meses e nos permite produzir em maior escala em regiões estratégicas”, explica.
Por enquanto a companhia não revela o valor de investimentos e receita, até porque, segundo Beling, a reestruturação incluiu uma queda nos rendimentos para adequar os rumos, algo bastante comum no mercado de startups.
Para esse ano, ele conta que a meta é dobrar o faturamento em relação à 2024. “Queremos ser totalmente rentáveis até 2027”, revela.
Beling considera esse um bom desafio. Com mais de 20 anos de experiência atuando em grandes multinacionais como Monsanto e Bayer, o executivo explica que a expertise adquirida no mercado convencional, com gestão de negócios e pessoas, somada à cultura da tomada de risco, tão presente nas startups, é algo positivo.
“Ela permite que a gente arrisque mais, teste, identifique erros e mude os rumos rapidamente. A reestruturação que fizemos em meses seria inviável dentro de uma estrutura tradicional”, pondera.
Parceiros brasileiros
De olho no potencial do mercado brasileiro a Apeel já foi em busca de parceiros para produção e comercialização de seus produtos.
Segundo Beling, as tecnologias da companhia permitiriam aos exportadores alcançar inclusive mercados mais distantes, onde hoje as frutas não chegam por conta do prazo de durabilidade.
Somente em 2023 o Brasil exportou US$ 1,3 bilhão em frutas, com potencial de crescer ainda mais nos próximos anos. “Nossa meta é atender a 30% desse mercado em até 10 anos”, calcula.
Sem perder tempo, a Apeel já está fazendo testes com alguns exportadores de frutas brasileiros, especialmente manga e melão na região do Vale do São Francisco, maior polo produtor de frutas do país.
A expectativa é de que a operação brasileira represente cerca de 20% dos negócios globais da companhia em um período entre 5 e 10 anos. “É claro que isso vai depender de como o mercado vai se desenvolver e em qual velocidade”.
Um desses parceiros é a Agrícola Famosa, maior produtora e exportadora de frutas do Brasil. Beling explica que as companhias estão desenvolvendo e testando formulações para o uso da película protetora em melões.
“Estamos estudando se uma única formulação é suficiente para proteger a todas as variedades de melões ou se teremos que desenvolver produtos mais específicos para cada um”, explica.
A parceria também inclui a comercialização e distribuição dos produtos para o mercado brasileiro, utilizando a expertise que a Famosa já possui no segmento.
Somente em 2024, a Famosa produziu 300 mil toneladas de frutas em 12 mil hectares cultivados no Rio Grande do Norte, Ceará e Pernambuco, conforme matéria publicada pelo AgFeed.
Em novembro do ano passado, o grupo brasileiro, liderado por Carlo Porro, anunciou a aquisição da espanhola El Abuelo, principal marca de melões da variedade “piel de sapo" daquele país.
Na mesma região, a Apeel está testando com outro parceiro a viabilidade de prolongar o tempo que as mangas ficam no pé antes de serem colhidas para a exportação.
“Por conta do tempo de durabilidade, as frutas muitas vezes são colhidas verdes, o que impacta o sabor e a textura. Estamos estudando se, com nossas soluções, é possível deixar essa fruta por mais tempo no pé e entregá-la com mais sabor ao mercado internacional”.
Lançamentos
Com a nova estratégia posta em prática, a Apeel também se prepara para ampliar o portfólio de produtos. Até meados de 2026, a companhia deve ter no mercado três novos lançamentos.
Um deles, batizado de Flare, promete resolver duas “dores” do mercado com uma única solução: além de proteger a fruta e aumentar sua durabilidade, ainda dá brilho à casca.
“Foi uma demanda que recebemos de alguns clientes. Atualmente é comum as frutas serem enceradas antes de chegarem às gôndolas. Com a nossa tecnologia, em um único produto as frutas têm a proteção e o brilho que precisam”, pondera Beling.
Outro lançamento, que deverá estar no mercado entre junho deste ano e março de 2026, é um produto com propriedades de fungicida, desenvolvido à base de óleos essenciais cujo intuito é tratar a fruta no pós-colheita e protegê-la da proliferação de fungos e bactérias.
“Por ser um produto natural, ele vai contribuir muito com clientes que atendem mercados mais exigentes”. É o caso do mercado europeu, onde muitas redes varejistas exigem de seus fornecedores que os Limites Máximos de Resíduos (LMR) sejam menores do que os permitidos por lei.
A Apeel também se prepara para lançar um novo protetor para frutas que promete estender a durabilidade dos produtos para até 60 dias.
Segundo Beling, essa nova tecnologia vai auxiliar os clientes na redução dos custos e até mesmo no acesso a novos mercados onde muitas vezes não conseguem atuar porque o tempo de envio das frutas extrapola sua vida útil.
“Muitos clientes acabam por exportar por via aérea, com custo mais alto, porque o prazo de viagem por via marítima é longo demais e inviabiliza a chegada da fruta com o mínimo de qualidade”, explica.
Em um passo inédito para diversificar o portfólio, a companhia também lançou recentemente um software de monitoramento, batizado de Ripe Track.
Com uma espécie de scanner, o sistema permite o monitoramento das condições de maturação das frutas, além do armazenamento das informações em uma plataforma.
“Com essa ferramenta, o produtor consegue identificar o melhor momento para enviar as frutas ao mercado e acompanhar esse processo de maturação em tempo real. Isso garante que a fruta chegue ao varejo na melhor janela para consumo, melhorando a experiência para o consumidor”, explica Beling.
Com todas essas soluções e dinheiro em caixa para alimentar a fome por crescimento, a Apeel deve continuar escalando o negócio nos próximos anos majoritariamente com recursos próprios.
“Estamos muito bem capitalizados e vamos usar esses recursos para escalar o negócio até 2027. A partir daí, dependendo do ritmo, talvez seja preciso ir ao mercado buscar mais recursos, mas queremos trabalhar para que possamos crescer com nossos próprios recursos”, finaliza Beling.