Há cerca de quatro anos, em meio à pandemia de Covid 19, Leonardo Maggi Ribeiro se autodefiniu, em uma conversa com este repórter: “Sou o chefe da provocação”, disse, referindo-se ao papel que acreditava ter, então, no grupo Amaggi, fundado por seus avós, Lúcia e André Maggi.
Na ocasião, ele ocupava uma posição “informal” de head de inovação na companhia – como integrante da família acionista, não podia ter cargo executivo, segundo o estatuto de governança da empresa.
O rótulo de “provocador da Amaggi” pegou. Interna e externamente, ele passou a ser conhecido como um dos rostos que ajudaria a forjar o futuro de uma das maiores companhias do agronegócio brasileiro.
Hoje há mais papeis associados ao seu nome. “Agora não me considero mais ‘o provocador’, não sou só eu quem fica tocando o bumbo aqui dentro”, diz ele em entrevista exclusiva ao AgFeed.
“A provocação inicial deu certo, o objetivo foi atingido, que era sempre dar uma incomodada. Agora tem uma galera aqui dentro que são os provocadores”.
Não que ele tenha desistido do posto. Leo, como é chamado pela família e na empresa, atualmente se define como “eterno inquieto” e orgulha-se de ter contribuído para criar, na Amaggi, uma cultura disseminada de inovação, que permeia as diferentes atividades e os diferentes negócios do grupo.
“O Blairo (Maggi, tio de Leonardo, que já comandou a Amaggi e tornou-se uma das figuras mais emblemáticas do agro brasileiro, tendo sido senador, governador do Mato Grosso e ministro da Agricultura) fala que são as perguntas que movem o mundo”, afirma. “Depois de algum tempo enchendo o saco da turma, os outros começaram a fazer também. Hoje a turma está provocando a companhia de cima a baixo e isso é muito bom”, diz ele.
Esta semana, Leonardo Maggi Ribeiro divide parte dessa experiência no Encontro Nacional Top Farmers, evento organizado pelo grupo Conecta que reúne em Campinas (SP) produtores e líderes do setor.
Irá até lá com vários chapéus, alguns que começou a vestir mais recentemente. Será o “provocador”, mas também o questionador, o acionista/conselheiro e o investidor em startups, de vários segmentos.
Nesses últimos quatro anos, ele conta, o papel informal foi dando lugar aos poucos a outro mais institucional. “Da nossa conversa anterior para cá foquei muito dentro da companhia, na parte de governança”, relata.
Entra, então, em cena o integrante do Conselho de Administração da Amaggi. Ciente do peso que a posição lhe confere, Leonardo passa a falar de forma mais pausada, buscando as palavras certas para explicar o processo vivido desde 2020.
“Passagem de bastão”
“A família acionista sempre esteve no Conselho. O que nós fizemos foi... não uma atualização, mas uma passagem de bastão, digamos assim, dentro da família sócia da companhia. Tivemos um período, ao longo de três anos, concretizando isso”.
O resultado dessa passagem de bastão é bastante visível na atual formação do Conselho de Administração. Além de Leonardo, outros quatro integrantes da terceira geração dos Maggi ocupam assentos que antes pertenciam aos seus pais e tios.
Alguns nomes já são conhecidos por sua atuação fora do grupo, como Samuel Maggi Locks (filho de Vera Maggi Locks e Itamar Locks, um dos executivos maios próximos do fundador André Maggi), hoje CEO do Grupo Locks, outra fortaleza do agro no Mato Grosso.
Os outros também mantém atividades paralelas, comandando suas próprias empresas e investimentos. São eles André Souza Maggi (filho de Blairo e Terezinha Maggi), Fabricio Maggi Schmidt (filho de Rosangela Maggi Schmidt e Plínio Schmidt) e André Luiz Maggi Pissolo (filho de Marli Maggi Pissolo e Sabino Pissolo).
Os primos ocupam hoje cinco das nove vagas no colegiado presidido por Sergio Pizzato, que no ano passado assumiu o posto em substituição a Pedro Jacyr Bongiolo, que permaneceu no Conselho.
“Ou seja, temos um mix agora de jovens com experiência dentro do conselho, o que é muito bom”, afirma.
As mudanças, entretanto, não se resumem a nomes. Nos últimos meses, em um trabalho feito em conjunto com a Fundação Dom Cabral, o grupo vem implantando cinco comitês ligados ao Conselho para aprofundar discussões em áreas estratégicas para a Amaggi.
Ainda esta semana, assim que voltar do evento em Campinas, Leonardo deve participar, por exemplo, de uma das primeiras reuniões do Comitê de Inovação e ESG, que tem como coordenador o primo André Souza Maggi.
Conselheiros independentes têm sido convidados a se juntar aos membros efetivos nesses comitês, que englobam também as áreas de de Auditoria, Riscos e Compliance, Ética e Conduta, Gente e Crédito.
Os nomes dos conselheiros independentes a serem incorporados ainda não foram revelados. Segundo Leonardo, a intenção do grupo é formalizar alguns processos de decisões estratégicas que já vinham ocorrendo internamente, em parte em função da sua atuação como “provocador”.
Cultura de inovação
Para agtechs e startups de outros setores, testar suas soluções em uma empresa com o porte e a visibilidade da Amaggi pode representar uma validação definitiva, um salto de status junto ao mercado.
Durante algum tempo, Leonardo se dispôs a ser o ponto de contato dessas startups, mas foi observando que, pelo seu porte e a diversificação de negócios, havia uma permeabilidade positiva, que fazia com que várias inovações fossem testadas simultaneamente em várias frentes da Amaggi.
Mesmo internamente, a disseminação da cultura de inovação proporcionou que funcionários e equipes apresentassem também ideias que resultavam em ganho de eficiência ou resultados e que mereciam ser escaladas para outras áreas.
“Quando a gente fala de inovação, não são somente o Elon Musk e o Mark Zuckerberg que fazem. Às vezes é um detalhe, algo que está na nossa cara e a gente não vê, mas tem aquela galera se perguntando, em qualquer nível da companhia, como fazer o trabalho de forma mais eficiente e mais barata. A turma começa a pesquisar e dá certo. Coloca como prova de conceito, leva para a companhia como um todo e tem um ganho muito maior. Isso tem acontecido já há alguns anos aqui dentro e tem sido sensacional”, afirma ele.
Leonardo, então, puxa uma camiseta, que estava apoiada em uma cadeira a seu lado, para dar um exemplo que como a cultura da inovação está incutida no grupo. Nela, está a marca do programa Sim+, criado há cerca de sete anos para incentivar processos de melhoria contínua nas diferentes áreas.
“Começou com o pessoal de manutenção de portos, depois foi para as fazendas, armazéns, todo mundo, para buscar uma melhoria de processo dentro do seu domínio, desde mais eficiência na relação litro/tonelada utilizada na frota fluvial até a melhoria na distância percorrida por hora trabalhada na frota rodoviária”, conta.
A Amaggi do futuro
Hoje, de acordo com Leonardo, há dezenas de POCs (sigla, em inglês, para prova de conceito) rodando nas fazendas e em outros segmentos da Amaggi.
Não há uma área específica no grupo centralizando as informações sobre todas elas, mas olhares atentos dos responsáveis por cada área. A de agricultura digital, por exemplo, acompanha os testes relacionados ao uso de tecnologia nas lavouras.
Algumas delas, com maior poder transformador, chegarão ao comitê de inovação do Conselho de Administração, que é onde se desenhará a Amaggi do futuro.
Alguns traços dessa estratégia já vêm sendo apresentados, como o recente lançamento da AmaggiOn, plataforma online para comercialização de insumos, sementes e fertilizantes, divulgado em primeira mão pelo AgFeed em julho do ano passado.
Ela exemplifica bem uma das visões do grupo para os próximos anos, segundo Leonardo: “Eu vejo a Amaggi, em um futuro de curto e médio prazos, cada vez mais próxima do produtor, realmente junto com o produtor. Não só o que faz hoje, com financiamento e venda de insumos e compra de grãos, mas trabalhando cada vez mais entrelaçado com ele”, diz.
Segundo Leonardo, há três projetos principais em desenvolvimento interno nesse sentido, “que poderão ser usadas tanto pela área agro quanto pela de commodities, tanto para a produção própria quanto para parcerias com clientes da Amaggi”.
Um dos conceitos sendo aprimorados é a agregação de valor às commodities comercializadas pela empresa. “Tem muita coisa de inovação acontecendo em termos de transformá-las em um produto customizado para o cliente, especialmente o europeu”, afirma.
“Se eu preciso de um produto que tenha data de desmatamento x, pegada de carbono y, pegada social z, a gente consegue”, diz. “A Amaggi quer fazer isso junto com os produtores, fazer com que essa turma chegue no nível de governança e o nível de sustentabilidade exigidos. E, assim, fazer um match com o cliente, conseguir fazer com que esse produto acabe monetizando o próprio produtor”.
Outra área que merece atenção especial é a de previsão climática. Nos últimos anos, a Amaggi fez grandes investimentos na implantação de um sistema que combina um radar próprio com uma rede de sensores instalados em todas as suas fazendas.
O próximo passo é o estudo aprofundado do histórico de variações climáticas, com apoio de tecnologia, para buscar modelos que permitam a tomada de decisão mais precisa diante de uma variável que não se controla.
Na frente administrável do problema, que é mitigar o impacto da produção nas emissões de gases, a empresa tem avançado sobretudo na substituição de derivados de petróleo por biodiesel, como já acontece em uma de suas fazendas e, em um projeto piloto, nas barcaças de sua frota fluvial.
“Usamos isso para mostrar que é possível e traz resultado”, afirma.
Assim, soluções digitais, agricultura regenerativa, mercado de carbono, tudo acaba convergindo para baixo do mesmo guarda-chuvas de inovação estratégica da Amaggi, sempre com a orientação de que as soluções e tecnologias precisam chegar aos produtores com quem a empresa se relaciona.
“Levando tecnologia, levando gestão, levando governança”, diz. “A Amaggi não é só uma originadora de grãos, é uma produtora de grãos e fibras. Então, no ano ruim para o produtor, está ruim para a gente. A gente sabe as dores, a gente sabe onde que sangra, onde dói. E a gente sabe que quanto melhor está o produtor, mais forte está a companhia e toda a cadeia”.
Ao mesmo tempo em que se preocupa em transferir conhecimento para os produtores fornecedores, Leonardo diz que a empresa deve manter os olhos atentos às inovações que esses agricultores estão usando em suas propriedades.
“Não vamos tirar o mérito do produtor inovador”, diz. Ele lembra que a Amaggi demorou mais que outros produtores, por exemplo, no uso de drones de pulverização. “A gente ficou estudando, acompanhando, até decidir que era o momento de entrar”.
Sócio ou investidor?
As provocações e os questionamentos de Leonardo Maggi Ribeiro também têm sido feitos a interlocutores externos. Além da atuação no grupo, nos últimos anos ele passou a olhar com mais atenção e curiosidade para outros negócios, no qual participa como investidor.
Nessa área, Leonardo acaba de viver uma experiência nova: uma saída, ou seja, a venda de um negócio no qual havia apostado.
É o caso da InCeres, plataforma de agricultura de precisão em que ele havia investido R$ 2 milhões em 2021. Em agosto, a agtech foi adquirida pela multinacional sueca Husqvarna, uma das maiores fabricantes de equipamentos para manejo de florestas, por um valor não revelado.
“Essa transação me fez pensar sobre meus objetivos, se quero ser acionista ou investidor”, diz Leonardo, que mantém, como pessoa física, participação em quatro três outros negócios: a agtech FieldPRO, especializada em equipamentos para monitoramento climático (“estou muito animado com ela”), a edutech Esforce, plataforma que visa potencializar o desempenho de alunos (“tem uma pegada social muito forte”), e uma startup mineira que desenvolveu um autosserviço de atendimento para consumidores de cerveja, a BierMe (“está avançando muito rápido”).
Além disso, é sócio de uma cervejaria, com base em Cuiabá e em expansão para outras regiões, com fábricas também em Porto Velho (RO) e Indaiatuba (SP). “Essa é minha queridinha, não é tech mas é agro”.
Leonardo revela ao AgFeed que espera manter-se em busca de novos negócios para apostar, mas de uma forma mais estruturada, com a criação de uma empresa específica para gerenciar esses investimentos. “Estou começando a mexer com isso”, afirma. “Penso em manter um ritmo de uma nova investida por ano”.